A HISTÓRIA DO POWER POP
Por Paolo Miléa
Por Paolo Miléa
Quando ela desfilou pelas paradas, uns assobiaram, outros cantaram. Houve quem batesse o pé ou balançasse a cabeça. Mas ninguém (ou quase ninguém) percebeu e identificou do que se tratava um dos maiores sucessos dos últimos tempos do rock brazuca: Anna Júlia é uma autêntica canção power pop.
Mas o que é esse pop poderoso, uma vez o preferido das massas e em todas as outras um ilustre desconhecido?
Anna Júlia, já descobrimos, é power pop. A frase "é impossível comer um só", do salgadinho famoso, é power pop. Aquele chiclete gordinho, macio por fora e cremoso por dentro, é power pop. A melodia mais fácil de lembrar, é power pop. Assobiar uma canção sem perceber, é power pop.
Mas o que é esse pop poderoso, uma vez o preferido das massas e em todas as outras um ilustre desconhecido?
Anna Júlia, já descobrimos, é power pop. A frase "é impossível comer um só", do salgadinho famoso, é power pop. Aquele chiclete gordinho, macio por fora e cremoso por dentro, é power pop. A melodia mais fácil de lembrar, é power pop. Assobiar uma canção sem perceber, é power pop.
Pete Towshend, do The Who, foi o primeiro a juntar essas duas palavrinhas mágicas, power e pop, em 1966. Três anos antes nasceu provavelmente a primeira canção power pop da história: "It Won't Be Long", dos Beatles. Qualquer exame de DNA, de qualquer música do estilo, revelará traços da herança genética dos rapazes de Liverpool. "Eles são o Adão e Eva do gênero", filosofa Bruce Brodeen, dono da Not Lame, maior gravadora power pop do planeta. "Alguma música existiria sem eles?", pergunta por sua vez James Broad, líder da banda escocesa Silver Sun. Talvez a cultura pop não existisse sem eles... mas aí já é outra história. Somente no início da década de 70 identificou-se uma conjunção de características inerentes a certas bandas de rock que convencionou-se rotular de power pop. Essas bandas cresceram influenciadas pelas beat bands dos anos 60 (Beatles, Who, Kinks, Zombies), pitadas de Motown e surf music (principalmente Beach Boys) e tentavam reviver as glórias passadas de todo o movimento sessentista, utilizando-se de melodias pop grudentas, doces harmonias vocais e riffs energéticos de guitarra.
Em 1970 os ingleses do Badfinger, apadrinhados por Paul McCartney, alcançaram o quarto lugar nas paradas britânicas e sétimo nas americanas, com "Come And Get It", presente do padrinho Macca. Se no início a forte ligação com os Beatles ajudou a impulsionar a carreira, depois de estabelecidos, a proximidade com a maior banda de todos os tempos se mostrou traiçoeira. A crítica só referia ao Badfinger como "Beatles de segunda categoria": Por conta do padrinho; por gravarem pela Apple (gravadora de propriedade dos Beatles); por terem tirado o nome da banda da letra de uma música dos Besouros; e por produzirem um som altamente influenciado pelos... Beatles! O declínio da banda e a falta de dinheiro levou ao suicídio, em 1975, uma das mentes criativas do Badfinger, o guitarrista/vocalista Pete Ham. Em 78 os membros remanescentes reviveram o grupo, lançando um novo álbum no mesmo ano e um subseqüente em 81. Porém disputas judiciais e desentendimentos entre os próprios integrantes causou outra tragédia: o suicídio do baixista/vocalista Tom Evans, em 1983.
Outro ícone precursor do power pop foi o grupo americano The Raspberries. Liderado pelo vocalista/guitarrista Eric Carmen, o grupo obteve relativo sucesso comercial, chegando a emplacar um quinto lugar na parada americana de sucessos, com a arrasa-quarteirão de refrão grudento, "Go All The Way". Lançaram, de 1971 a 1975, quatro álbuns, verdadeiras cartilhas do power pop. Eric Carmen, já em carreira solo, produziu mais alguns hits e ainda se mantém na ativa. Os outros ex-membros andam ensaiando uma volta sob o nome Raspberries, sem a presença de Carmen.
Provavelmente a mais cultuada e injustiçada banda do estilo, o Big Star e seu líder Alex Chilton, através de melodias Beatles, harmonias Byrds e guitarras Who, explorou temas e texturas mais pessoais e introspectivos - por vezes melancólicos. Talvez por isso nunca tenham tido, à época, o devido reconhecimento, amargando um retumbante fracasso comercial. Entre 1972 e 1975, os americanos de Memphis gravaram três álbuns considerados bíblias do gênero: "# 1 Record", "Radio City" e "Third/Sister Lovers (lançado apenas em 1978, três anos após o fim da banda). Nesse mesmo ano, Chris Bell, número dois do Big Star, deprimido, estava de volta à sua cidade natal, trabalhando no restaurante de seu pai. Acabou morrendo em um acidente de carro. O hoje incensado Alex Chilton permanece na ativa, tendo excursionado com a banda americana Posies como grupo de apoio.
"Esses grupos de power pop são uma porcaria". Esse é o típico comentário mal humorado que pode convencer, com meia dúzia de palavras, meio milhão de leitores a torcerem o nariz para o alvo da intempérie verbal. Porque o comentário indignado partiu de ninguém menos que o maior crítico de rock da história - Lester Bangs - em sua última entrevista. O momento era o início dos anos 80 e talvez Bangs tivesse razão. Ou meia razão. À época, a new wave iniciava um processo de invasão da rádios comerciais e, uma miscelânea de rótulos e maneirismos musicais era ventilada por parte de críticos e djs, confundindo a tudo e todos. Onde Duran Duran era power pop, Replacements era new wave. Alguns apostariam até no entrelaçamento estético do power pop e punk rock, quando os Ramones se utilizavam de melodias ganchudas e riffs cativantes, compactados em não mais que dois ou três minutos de música. Mas essas máquinas de rotulagem nunca foram lá muito precisas. Ou justas. Alguns heróis da resistência como The Plimsouls, The Bongos, The Knack, Dwight Twilley Band, não puderam evitar que a nova onda de sintetizadores desligasse o power de suas guitarras elétricas. Mas a opaca luzinha do standby permaneceu bravamente acesa por longos dez anos.
1991. Sob os ares revigorantes da nova década, a história reservou uma irônica e desapercebida retomada. Pareceu cena do filme Coração Valente, com o personagem de Mel Gibson levantando a saia escocesa e mostrando os fundilhos brancos, quase transparentes aos fleumáticos ingleses: Sim, do país das Highlands, a Escócia, veio o contra-ataque power pop, e não da tradicional escola inglesa sixtie, aquela que preparou os recrutas da British Invasion e os transformou em heróis de todas as gerações do power pop. "Bandwagonesque", segundo álbum da banda escocesa Teenage Fanclub, recebe o título de 'Álbum do ano' em várias publicações especializadas pelo mundo afora. Em entrevista, três meses após lançamento do álbum, ao (hoje extinto) semanário inglês Melody Maker, Norman Blake - líder do Teenage - profetizou: "O importante não é fazer um disco relevante em 1991 ou 1992, mas fazer um disco que soará bem pelos próximos 50 anos." Com "Bandwagonesque" novas 'velhas' propostas são oferecidas ao moribundo power pop. Melodias generosamente bezuntadas de mel, sobrepostas com camadas de distorção aplicadas até o talo, em canções de amor cínicas e agridoces, mas ainda assim, canções de amor.
A partir dali, toda a produção armazenada nos porões do underground é incentivada a emergir e encorajar milhares de novos seguidores a reverenciar a majestade melodia. Do outro lado do Atlântico veio a resposta ianque. Ainda no ano de 1991, nasceram duas obras americanas fundamentais ao power pop moderno: "International Pop Overthrow" do Material Issue e "Girlfriend" de Matthew Sweet. O sucesso comercial pleno não veio (com exceção, três anos após, para o álbum de estréia do Weezer que vendeu mais de 2 milhões de cópias), porém iniciou-se uma nova revolução silenciosa. "Sem dúvida a internet foi um dos fatores importantes para essa retomada do power pop nos anos 90", explica Bruce Brodeen da Not Lame. "As bandas e fãs de repente estavam em conexão direta um com o outro, erguendo a power pop music ao ponto em que ela se encontra hoje. Claro, a qualidade e o talento dessa música também foram fundamentais nesse novo florescimento do estilo", completa Brodeen. E nessa revolução, o amor pela canção e pela melodia deveria exigir qualquer esforço, e a busca pelo sucesso comercial, relegada ao segundo plano.
Garotinhos curiosos, com os dedos empoeirados de tanto fuçar a coleção de LPs dos pais, povoavam milhares de lares nos anos 70. Fascinados pelos detalhes da capa de Sgt. Peppers dos Beatles (e depois estupefatos com os detalhes sonoros que emanavam do vinil), se apaixonaram pela banda de Lennon e McCartney e toda a revolução músico-cultural que acompanhou a história do quarteto inglês.
Os garotinhos cresceram, formaram bandas e prestaram a homenagem. É a nova geração do power pop. A estética sessentista revive, 30 anos depois, principalmente calcada no chamado 'som Beatles'. Bandas americanas como The Mockers, Cloud Eleven, Gigolo Aunts e Orange Peels, se esmeram na constante busca da canção pop perfeita. A forte influência setentista, esculpe o som, das também americanas, Chewy Marble, Vandalias, The Shazam e Jupiter Affect. Fundamentalmente a cena mundial do power pop se concentra na terra do Tio Sam. Mas grandes bandas têm surgido em vários pontos do globo, como: You Am I na Austrália; Sloan e The Flashing Lights no Canadá; Silver Sun e Supernaturals na Escócia; Cecilia Ann e Cooper na Espanha; The Merrymakers e Drowners na Suécia. Todos jovens nem nascidos enquanto, por exemplo, os Beatles estiveram ativos. E hoje buscam apaixonadamente a possibilidade de reviver épocas onde a juventude era mais ingênua, espontânea e original. Os noventa querendo ser sessenta.
Em um mundo onde prevalece a lógica do 'menos é mais', esperto é o infiel, 'vida boa' é o golpista; popular pode ser o que se vende, o que engana, o que vai güela a baixo. E a pergunta não cala: Por que o power pop como estilo dos mais assobiáveis, com refrãos memoráveis e melodias adesivas, esteticamente puro pop, não é popular? Chris Colingwood, guitarrista da banda americana Fountains Of Wayne tem sua tese: "Toda a mídia (rádios, gravadoras, TVs, revistas) está dominada por algumas grandes corporações americanas. Se é bem mais fácil vender 100 clones da Britney Spears, é nisso que eles irão investir". Há quem ache, como James Broad do Silver Sun, que o problema é do próprio estilo, por ser muito derivativo. Talvez essa seja uma visão vaga e simplista demais. Já David Bash, idealizador do maior festival power pop do mundo - o International Pop Overthrow - e que sempre militou na cena por amor à música, se mostra o sonhador de pés no chão: "Os grandes selos parecem não acreditar que há uma viabilidade ou talvez um grande e suficiente público para a power pop music. Eles acreditam que os garotos não iriam comprar porque não é [a música] "nervosa" suficiente. Mas a verdade é que toda vez que toco power pop para o público mainstream, incluindo a garotada, eles simplesmente amam! Gostaria que os grandes selos e as rádios acordassem para esse fato!" Está dado o recado, David.
Fora em fenômenos isolados, dificilmente o power pop terá apelo comercial relevante no mundo atual da música. O bom mocismo, a postura às vezes cínica, mas quase sempre politicamente correta, a falta da rebeldia agressiva e ostensiva afasta o público juvenil. E a melodia doce, os temas de amor, os arranjos simples e a visão ingênua e sonhadora da vida acaba não interessante ao ouvinte mais 'maduro'.
Enquanto oferecer uma flor à namorada for brega, devolver troco errado for coisa de otário, e se emocionar com a canção preferida for boiolice, o power pop estará, irremediavelmente, fora de qualquer moda.
Agradecimentos especias: POWER POP STATION
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