JORNAL DO BRASIL - Rio de Janeiro, sexta-feira, 22 de fevereiro de 1985.
JOHN LENNON, ESCRITOR
Uma viagem cheia de trocadilhos
Joaquim Ferreira dos Santos
Logo no inicio dos Beatles, quando John Lennon virou para uma platéia chique e pediu que não aplaudisse – “basta balançar as jóias” – desconfiou-se que era intelectual. Não exibia muito isso. Deixava os óculos em casa – as meninas de Liverpool também não olhavam para gente assim – e apertava os olhos para alcançar os rostos da primeira fila. Nas músicas também não complicava. Falava de garotas e garotos de mãos dadas. No problems. Mas isso foi no inicio.O livro Um atrapalho no trabalho, que está sendo lançado esta semana pela Brasiliense, reúne as duas obras de Lennon no setor : In His Own White e A Spaniard In the Works. O primeiro é de 1964,o segundo,de 1965,Dois anos fundamentais na vida do moço,No primeiro ele começou a fumar maconha,no outro,entregou-se ao LSD,A mente de Lennon ampliou-se tanto que as palavras comuns já não lhe serviam.Começou a embaralhá-las em trocadilhos,a fazer imagens inalcançáveis aos caretas.O resultado está nesse Atrapalho no Trabalho: Letrinhas ao léu numa viagem de ácido. No lançamento dos livros na Inglaterra, os críticos compararam o Beatle intelectual aos experimentos literários de James Joyce, Lewis Carrol, gente desse nível. “Tem solecismos e imaginética só encontráveis em Edward Lear, com possibilidades líricas jamais exploradas”, disse alguém. São pequenas histórias, contos, poesias, bilhetes, como se quiser chamar, tudo vazado na mais tumultuada das linguagens. Se Guimarães Rosa apertasse um teria ficado assim. Lennon junta palavras, sons, associa imagens, e o resultado pode ser algo como “Paspelham passaligeiros e passeuntes ambos e ambos “. Ou : “Eram uma vilinha e borboatos indescensos se esparramilhavam entre os desabitantos que moravam lá “. No Brasil , Lennon contou com a parceria do tradutor, poeta e folósofo Paulo Leminski. Ele entrou no barato nonsense do autor e entremeou o texto com aparições de Joãozinho Trinta ,Vanderlea e outros. Fez bem, o mestre aprovaria. Com toda aquela fumaça nos miolos, o mundo reverente aos seus pés e cansado de escrever "Love me Do" com McCartney, Lennon ensinou a soltar o verbo – tivesse ele o sentido que tivesse. São histórias amargas, de humor negro e morbidez. Lennon começava a acertar publicamente as contas com seu passado de menino abandonado pela mãe e pelo pai, obrigado a viver com Tia Mimi. Depois viria o grito primal, canções depressivas como "Yer blues" ,os escândalos de Yoko Ono e aquela maneira de encarapitar os óculos no nariz e contemplar a humanidade com o escárnio de uma coruja. A festa do Randolfo no livro, mostra bem esse clima estranho.Todos os amigos aparecem para comemorar o aniversário do Randolfo, mas nada de presentes. Preferem assassinalos aos gritos de “pelo menos ele não morreu sozinho”! Um Atrapalho no Trabalho é ilustrado por desenhos do próprio Lennon, que antes de chegar aos Fabs Four esteve em uma escola de artes em Liverpool. Tinha jeito para a coisa. São cartuns de traço original, despojado, reveleando uma galeria de aleijões, tipos com muitos ou nenhum braço, cegos, solitários, sempre um jeito maligno no canto da boca. Coisa de talento, mas de astral lá embaixo. Mais tarde, já no corpo a corpo com Yoko nas manifestações pela paz, Lennon faria desenhos de seus embates sexuais com a japonesa. Tudo Explicitíssimo. Depois parou. Dizem que Yoko invejava os pendores do marido também para as artes plásticas, coisa que ela, apesar do esforço, não tinha. Nem a Rolling Stone confirma a história. Mas o certo é que Lennon desistiu dos lápis. E ocupava as mãos fazendo pão (?) no Dakota. Vinte anos depois, os trocadilhos de Um Atrapalho no Trabalho aparecem com a mesma curiosidade excêntrica que tinha o Rolls Royce psicodélico que Lennon pintou e encheu de vidros escuros para passear ingógnito pelas ruas de Londres. Uma curtição da loucura pop dos anos 60. Foram os únicos livros de Lennon e ninguém exatamente sabe por quê. Diga-se também que jamais lhe foi perguntado o motivo, pois poderia ser compreendido como uma cobrança de novas obras. Não seria o caso. O livrinho soa como certas canções que Lennon escreveu quando os Beatles ficaram cultos, idolatrados como novos Beethovens e tudo lhes era permitido. Um pouco antes de morrer, em 1980, Lennon criticou-as: - “I’m The Walrus”, por exemplo – disse – tinha um jeito pretencioso de que queria dizer muita coisa. Mas nada. Era só enrolação! Quem estiver interessado em acompanhar os alienantes passeios pelos buracos de queijo que, em 1965 e 1966, a droga desenhava na cabeça de Lennon, deve ouvir o LP Beatle daquele ano, Rubber Soul. A faixa “Nowhere Man” é sobre um personagem idiota que poderia estar numa desatas histórias de Um Atrapalho no Trabalho. Só que ele é filtrado pela música genial de Lennon. Ainda bem que ele insistiu na guitarra e guardou a máquina de escrever.TRISTE MICHEL
“Não havia razão para Michel ficar triste naquela manhã (o patifezinho); todo mundo gostava dele (o canalha). Tinha toda a noite de um dia duro aquele dia, pois Michel era um dos Vigias de Olho de Falcão. Sua mulher, Bernnie, muito controlada essa senhora, tinha embarulhado seu desjejunto mas ele ainda estava triste. Era estranho para alguém que tinha com quem e uma mulher muito bem. 4 da manhã quando seu fogo estava ardindo lapido um politchau estava por alali matatando o tempto.
- Bomdiadia, Michel, o poilitchau disse Circe porque era murdo e súbito e não podia Dirceu.
- Como vai sua excelentíssima esponja, Michel, Dirce o politchau.
- Calabouço sobre esse assunto!
- Pensei que fossê você murdo e súbito e não pudesse Dirceu, disse o politchau.
- E o que é que eu vou fazer agora com todos os meus livros murdos e súbitos?, disse Michel, sacando rapidamente seu problema com um tiro certeiro.” JOHN LENNON - UM ATRAPALHO NO TRABALHO “Um Atrapalho no Trabalho”. Foi o título em português da compilação dos únicos dois livros de John Lennon: “In His Own Write” (1964) e “A Spaniard In The Works” (1965). Livro lançado pela editora Brasiliense em 1985 e traduzido e adaptado brilhantemente pelo saudoso Paulo Leminsky. Raríssimo. Item de colecionador.
JOHN LENNON, ESCRITOR
Uma viagem cheia de trocadilhos
Joaquim Ferreira dos Santos
Logo no inicio dos Beatles, quando John Lennon virou para uma platéia chique e pediu que não aplaudisse – “basta balançar as jóias” – desconfiou-se que era intelectual. Não exibia muito isso. Deixava os óculos em casa – as meninas de Liverpool também não olhavam para gente assim – e apertava os olhos para alcançar os rostos da primeira fila. Nas músicas também não complicava. Falava de garotas e garotos de mãos dadas. No problems. Mas isso foi no inicio.O livro Um atrapalho no trabalho, que está sendo lançado esta semana pela Brasiliense, reúne as duas obras de Lennon no setor : In His Own White e A Spaniard In the Works. O primeiro é de 1964,o segundo,de 1965,Dois anos fundamentais na vida do moço,No primeiro ele começou a fumar maconha,no outro,entregou-se ao LSD,A mente de Lennon ampliou-se tanto que as palavras comuns já não lhe serviam.Começou a embaralhá-las em trocadilhos,a fazer imagens inalcançáveis aos caretas.O resultado está nesse Atrapalho no Trabalho: Letrinhas ao léu numa viagem de ácido. No lançamento dos livros na Inglaterra, os críticos compararam o Beatle intelectual aos experimentos literários de James Joyce, Lewis Carrol, gente desse nível. “Tem solecismos e imaginética só encontráveis em Edward Lear, com possibilidades líricas jamais exploradas”, disse alguém. São pequenas histórias, contos, poesias, bilhetes, como se quiser chamar, tudo vazado na mais tumultuada das linguagens. Se Guimarães Rosa apertasse um teria ficado assim. Lennon junta palavras, sons, associa imagens, e o resultado pode ser algo como “Paspelham passaligeiros e passeuntes ambos e ambos “. Ou : “Eram uma vilinha e borboatos indescensos se esparramilhavam entre os desabitantos que moravam lá “. No Brasil , Lennon contou com a parceria do tradutor, poeta e folósofo Paulo Leminski. Ele entrou no barato nonsense do autor e entremeou o texto com aparições de Joãozinho Trinta ,Vanderlea e outros. Fez bem, o mestre aprovaria. Com toda aquela fumaça nos miolos, o mundo reverente aos seus pés e cansado de escrever "Love me Do" com McCartney, Lennon ensinou a soltar o verbo – tivesse ele o sentido que tivesse. São histórias amargas, de humor negro e morbidez. Lennon começava a acertar publicamente as contas com seu passado de menino abandonado pela mãe e pelo pai, obrigado a viver com Tia Mimi. Depois viria o grito primal, canções depressivas como "Yer blues" ,os escândalos de Yoko Ono e aquela maneira de encarapitar os óculos no nariz e contemplar a humanidade com o escárnio de uma coruja. A festa do Randolfo no livro, mostra bem esse clima estranho.Todos os amigos aparecem para comemorar o aniversário do Randolfo, mas nada de presentes. Preferem assassinalos aos gritos de “pelo menos ele não morreu sozinho”! Um Atrapalho no Trabalho é ilustrado por desenhos do próprio Lennon, que antes de chegar aos Fabs Four esteve em uma escola de artes em Liverpool. Tinha jeito para a coisa. São cartuns de traço original, despojado, reveleando uma galeria de aleijões, tipos com muitos ou nenhum braço, cegos, solitários, sempre um jeito maligno no canto da boca. Coisa de talento, mas de astral lá embaixo. Mais tarde, já no corpo a corpo com Yoko nas manifestações pela paz, Lennon faria desenhos de seus embates sexuais com a japonesa. Tudo Explicitíssimo. Depois parou. Dizem que Yoko invejava os pendores do marido também para as artes plásticas, coisa que ela, apesar do esforço, não tinha. Nem a Rolling Stone confirma a história. Mas o certo é que Lennon desistiu dos lápis. E ocupava as mãos fazendo pão (?) no Dakota. Vinte anos depois, os trocadilhos de Um Atrapalho no Trabalho aparecem com a mesma curiosidade excêntrica que tinha o Rolls Royce psicodélico que Lennon pintou e encheu de vidros escuros para passear ingógnito pelas ruas de Londres. Uma curtição da loucura pop dos anos 60. Foram os únicos livros de Lennon e ninguém exatamente sabe por quê. Diga-se também que jamais lhe foi perguntado o motivo, pois poderia ser compreendido como uma cobrança de novas obras. Não seria o caso. O livrinho soa como certas canções que Lennon escreveu quando os Beatles ficaram cultos, idolatrados como novos Beethovens e tudo lhes era permitido. Um pouco antes de morrer, em 1980, Lennon criticou-as: - “I’m The Walrus”, por exemplo – disse – tinha um jeito pretencioso de que queria dizer muita coisa. Mas nada. Era só enrolação! Quem estiver interessado em acompanhar os alienantes passeios pelos buracos de queijo que, em 1965 e 1966, a droga desenhava na cabeça de Lennon, deve ouvir o LP Beatle daquele ano, Rubber Soul. A faixa “Nowhere Man” é sobre um personagem idiota que poderia estar numa desatas histórias de Um Atrapalho no Trabalho. Só que ele é filtrado pela música genial de Lennon. Ainda bem que ele insistiu na guitarra e guardou a máquina de escrever.TRISTE MICHEL
“Não havia razão para Michel ficar triste naquela manhã (o patifezinho); todo mundo gostava dele (o canalha). Tinha toda a noite de um dia duro aquele dia, pois Michel era um dos Vigias de Olho de Falcão. Sua mulher, Bernnie, muito controlada essa senhora, tinha embarulhado seu desjejunto mas ele ainda estava triste. Era estranho para alguém que tinha com quem e uma mulher muito bem. 4 da manhã quando seu fogo estava ardindo lapido um politchau estava por alali matatando o tempto.
- Bomdiadia, Michel, o poilitchau disse Circe porque era murdo e súbito e não podia Dirceu.
- Como vai sua excelentíssima esponja, Michel, Dirce o politchau.
- Calabouço sobre esse assunto!
- Pensei que fossê você murdo e súbito e não pudesse Dirceu, disse o politchau.
- E o que é que eu vou fazer agora com todos os meus livros murdos e súbitos?, disse Michel, sacando rapidamente seu problema com um tiro certeiro.” JOHN LENNON - UM ATRAPALHO NO TRABALHO “Um Atrapalho no Trabalho”. Foi o título em português da compilação dos únicos dois livros de John Lennon: “In His Own Write” (1964) e “A Spaniard In The Works” (1965). Livro lançado pela editora Brasiliense em 1985 e traduzido e adaptado brilhantemente pelo saudoso Paulo Leminsky. Raríssimo. Item de colecionador.
Edu, este livro ainda se encontra à venda ? Ainda mais traduzido por um gênio como Leminski!deve ser ótimo.
ResponderExcluirNão que eu saiba, João.Imagino que deva estar fora de catálogo há muitos anos. O meu, é a edição original de 1985. Mas com sorte, quem sabe vasculhando pelos sebos. Abração!
ResponderExcluirUm Livro legal de mais , ainda mais com a tradução do Leminski !!
ResponderExcluirEssencial !!!
Há 20 anos que estou na busca por esse livro. Já até o li uma vez emprestado por uma colega de escola...mas não me canso e um dia eu vou ter ele nas minhas mãos !!
Sugiro procurar na Estante Virtual. Já achei algumas preciosidades lá.
ResponderExcluirSugiro procurar no site Estante Virtual. Já achei algumas preciosidades lá.
ResponderExcluirAiaiaiia...eu busco este livro também!
ResponderExcluirUm dia consigo!