O belíssimo e inspirado texto que a gente confere a seguir, foi escrito e publicado por nosso querido amigo João Carlos W. Mendonça em sua coluna "Sábado Som". Tenho orgulho de ser amigo desses caras! Valeu, JC. Arrasou!
Apesar de passados mais de 40 anos, foi não foi, publicam-se livros e críticas sobre o mais polêmico disco dos anos 60. Uns, cheios de paixões exageradas e irreais. Outros, destilando críticas e cobranças ainda mais sem sentido. Estes, geralmente, falam de falsa unidade, que não há um tema central ou que o álbum não é “conceitual”. Há até quem o censure, por ser tão bom que desvirtuou o rock, influenciando outros artistas negativamente. Mas a verdade é bem outra. Essa gente, às vezes até tenta disfarçar, fazendo crer que está "contextualizando" o SGT. PEPPER'S LONELY HEARTS CLUB BAND dos BEATLES. Balela !
Em 1966, mesmo após o lançamento do disco REVOLVER, a Beatlemania mantinha-se no auge. Apesar de terem virado "marijuaneiros" via Dylan desde 64 e já estarem empreendendo viagens pelo planeta LSD, a banda continuava se exibindo pelo mundo, com seus pobres amplificadores VOX de 100 watts competindo com a gritaria histérica da platéia, que variava entre 30 e 60 mil adolescentes por show. Com a tecnologia atual, tudo ficou fácil e simples, mas em 66, mesmo em pequenos teatros, era impossível produzir música ao vivo com a qualidade que discos como o citado Revolver e o Rubber Soul exigiam. Não havia como. Assim, em apresentações que não passavam dos 30 minutos, o conjunto era obrigado a repetir seus primeiros sucessos noite após noite. Imagino que, para quem vinha criando obras como Tomorrow Never Knows, For No One, I Want To Tell You, Norwegian Wood e In My Life, repetir She Loves You, Love Me Do, Can't Buy Me Love e que tais, deveria ser um tremendo saco... àquelas alturas. Para piorar, eram constantemente ameaçados pela violência dos fãs, da KKK, dos radicais direitistas japoneses e, no caso das Filipinas, chegaram a levar uns pontapés. Nesse ponto, o grupo definitivamente resolveu encerrar as turnês. Decisão unânime. E muito ousada.
Os Beatles estavam deslumbrados com a música do disco “Pet Sounds” dos Beach Boys (e do cérebro de Brian Wilson). Este álbum abalou positivamente a criatividade deles que, eram tão autoconfiantes e autosuficientes que, mais competiam musicalmente entre si do que com qualquer outro artista. Mesmo assim, formavam uma entidade hermeticamente fechada, alicerçada por uma amizade sólida, construída na quase-infância. Ralaram e chegaram até ali juntos, unidos, e fora os quatro, apenas Neil Aspinall e Mal Evans (amigos desde Liverpool) e um pouco Brian Epstein e George Martin, participavam da intimidade da banda. Para ilustrar, cito o caso de um membro do THE BYRDS que perguntou a Harrison sobre "espiritualidade" e ouviu deste que "NÓS ainda não sabemos nada sobre isso!”. Quando Paul McCartney caiu de uma bicicleta, quebrou um dente e feriu o lábio superior esquerdo, para disfarçar o inchaço, deixou crescer o bigode e foi assim que se apresentou para as primeiras sessões do Pepper. Os outros acharam aquilo o máximo e dias depois, lá estavam todos de bigodes (inclusive Neil e Mal).
Com o fim das turnês, resolveram dar-se um tempo com retorno marcado para novembro de 66. Lennon foi filmar na Almeria, levando na mala, além daquelas pílulas, as brochuras A Experiência Psicodélica (Leary) e O Livro Tibetano dos Mortos, voltando com “Strawberry Fields Forever” quase pronta. George Harrison foi passar 2 meses em uma casa/barco no Ganges, estudando música e filosofia hindu com Ravi Shankar, e voltou com sitar, tabla, swordmandell, sarod e outros instrumentos musicais indianos. Ringo ficou em casa engordando (SIC). E Paul ? Ah, Macca escreveu a trilha do filme The Family Way e zarpou pros EUA para encontrar a namorada e sondar as turmas dos Beach Boys, Byrds e Jefferson Airplane. Na viagem de volta, veio-lhe a idéia para o novo álbum quando, curiosamente, Mal Evans, que o acompanhava, perguntou o que significavam as letras “S e P” naqueles saquinhos do jantar e Paul respondeu: "salt and pepper" (sal e pimenta) e BLÉM! Tocou o sino. Dali para Sgt. Pepper foi um pulo.
Bom, já temos as origens do Sargento Pimenta e dos "bigodes". No reencontro, Paul colocou aquela "idéia" que teve no avião: “Este não será um disco dos Beatles, mas daquela BANDA DO CLUBE DOS CORAÇÕES SOLITÁRIOS DO SARGENTO PIMENTA. Que tipo de música eles fazem ? Todos. Sem amarras, vamos compor qualquer tipo de canção, de letras, de arranjos etc. O disco será como uma apresentação desta banda com suas músicas e temas diferentes. Portanto, poderemos fazer o que quisermos”. Observem que o "conceito" é exatamente nenhum conceito... ou todos. Em momento algum, note-se, alguém falou ou sugeriu um TEMA PREPONDERANTE a ser seguido. Bom, mas de onde saiu essa história de "álbum conceitual"? Ora, desse mesmo "povo" que agora reclama. Vejamos: Quando Lennon chegou com a idéia de STRAWBERRY FIELDS, ainda durante as gravações, McCartney apresentou “Penny Lane” (lembram da competição de que falei acima ?). Estas duas jóias raras deveriam entrar no disco, mas a EMI queria lançar um compacto urgente e, à contragosto, eles cederam as músicas, únicas prontas até então. Com o lançamento do single, a gravadora publicou cartazes com parte do mapa de Liverpool, indicando os 2 locais da cidade: o orfanato STRAWBERRY FIELDS e o girador central do bairro de PENNY LANE. Qualquer um que conheça estas letras, sabe que apesar de parecerem evocativas, elas tendem bem mais para o surrealismo psicodélico da época. Mas imediatamente, os agora revisionistas, alardearam que o novo disco traria como tema central “a região nordeste e a infância dos Beatles”. Seria evocativo. Mas quem do “staff” do grupo falou nisso?
Na verdade, como sempre o fizeram, eles queriam apenas compor mais um disco diferente. Sem repetir fórmulas. Até então, jamais tiveram a oportunidade de fazer um álbum com paciência e dedicação exclusivas. Queriam explorar as possibilidades de um estúdio, e não foi fácil. Não existiam as maquininhas mágicas de hoje, nem sintetizadores e computadores, nem números de canais de gravação ilimitados. Eles só tinham 4 canais. As sonoridades e timbres nunca antes ouvidos, foram produzidos na base da imaginação e muito suor. Os engenheiros e técnicos liderados pelo produtor George Martin, fizeram milagres. Inventaram um aparelho para dobrar a voz, ligaram microfones em caixas Leslie, quase colocaram Lennon "pendurado de cabeça para baixo, girando" para cantar e, Martin, na impossibilidade de usar um órgão Calíope, já fora de fabricação, gravou os sons de uma antiga produção numa fita, picotou-a em pequenos pedaços, misturou tudo e tornou a colar os pedacinhos de forma aleatória, criando o efeito desejado para a canção For “The Benefit Of Mr. Kite”. Um pequeno martelo foi utilizado em “Getting Better” , acionado contra as cordas de um piano.Usaram grupos de metais, músicos indianos e uma orquestra com 45 integrandes. As canções brotaram com naturalidade e o produto final foi, como combinado, realmente um catálogo de estilos, letras e sons de tirar o fôlego.Tinha o raga espiritual de “Within You Without You”, o vaudeville de “When I'm 64”, o circo do “Mr. Kite”, as "viagens" de Alice em “Lucy In The Sky With Diamonds”, a exuberância sonora de “A Day In The Life” e o comovente lamento de "pais aflitos" na irônica e bela “She's Leaving Home”, entre outras inventivas criações. Até que Neil Aspinall deu a idéia de a banda repetir a música título no final. E foi feito mas, eles modificaram o andamento e a letra que agora, anunciava o final do show. Tudo amarradinho como se fosse um concerto de verdade do grupo do Sargento. De fato, tudo era novidade naquele trabalho. Até um “apito para cães” foi registrado no finalzinho do disco.
Se os críticos de então e os revisionistas de agora "insistem" no tal disco conceitual que eles próprios inventaram, vale lembrar que após concluírem o repertório do trabalho, os Beatles deixaram para o George Martin a tarefa de distribuir e ordenar as canções do Pepper. E este o fez conforme seu ponto-de-vista, e fez bem. Mas se fosse um trabalho conceitual, certamente os Beatles fariam questão de “interferir” em algo tão “fundamental”. Na verdade, naquele momento eles já estavam gravando e filmando uma espécie de extensão do Pepper, chamada Magical Mystery Tour. E no ano seguinte já estavam de volta de Pepperland, prontos para uma nova aventura longe, bem distante da Terra da Pimenta. Algo absolutamente branco. O ÁLBUM BRANCO.
Como se diz por aqui,agora eu fiquei ancho.Uma produção elegante, com fotos fantásticas... se eu tivesse escrito sobre "Minhas Férias" ficaria sensacional. Valeu EDU! Muito obrigado. À noite vou me "gabar" lá no Face!
ResponderExcluirEsse texto ficou sensacional, JC. Não canso de falar!
ResponderExcluirMuito bom! Gostei demais. Como faço para acessar o Sábado Som?
ResponderExcluirÓtimo Texto JC !!!
ResponderExcluirMeus Parabéns !!!
Muito bom mesmo , adorei , vou copiar e guardar !!!!
Concordo, o conceito estava no som e na liberdade de criar , tudo mais veio depois rotulado pelos " críticos " !!!
Catarina, você entra pelo Facebook.
ResponderExcluirJoão Carlos Mendonça.
http://www.facebook.com/groups/415203508548976/
ResponderExcluirCatarina Valadares e o Valdir. Se quiserem ajudar o link é este acima. Com a devida autorização do Mestre Edu !