Em "Lembranças de Lennon" John fala sobre tudo, até assuntos que não lhe eram agradáveis, como por exemplo a rejeição sofrida por Yoko Ono pelos outros Beatles. Fala sobre os momentos bons e ruins vividos no grupo, sobre suas músicas preferidas e aquelas que ele odiou ter feito. Não poupa ninguém, de Paul McCartney (o mais citado) a George Harrison, passando por Bob Dylan e Mick Jagger. Sobram farpas para todos. Há passagens memoráveis, como quando ele diz que não sabia porque não deu uma porrada no George Harrison após uma observação infeliz do amigo sobre a Yoko Ono, ou quando Paul McCartney chegava pra ele com dez canções prontas e dizia: "vamos gravar", e John argumentava: "Não tenho nada pronto, mas se você me der uns dias posso inventar algo". Já não era segredo pra ninguém que a parceria Lennon/McCartney tinha acabado após o álbum Sgt. Pepper’s, mas aqui Lennon disseca com detalhes os últimos dias da maior banda de Rock n’ Roll de todos os tempos. Resumindo, um livro imperdível. Oportunidade única de conhecer melhor a personalidade deste artista que é, em minha opinião, o maior mito da história do rock. Na Saraiva, 27 reais. Como sempre, com a mais absoluta exclusividade, a gente confere somente aqui no nosso blog preferido, a apresentação escrita por Yoko Ono e a introdução assinada pelo autor Jann S. Wenner. E mais lá embaixo ainda, um trechinho em que Lennon esbanja sua genialidade ao falar de “God”. Abração pessoal e não esqueçam que está rolando a promoção dos álbuns vermelho e azul.
APRESENTAÇÃO – YOKO ONO
Sempre me perguntam: "Se o John estivesse vivo, o que acha que ele estaria fazendo?". Em geral, respondo algo do tipo: "Ele era um Artista e sempre foi inovador. Gostava de experimentar o novo. É bem provável que hoje ficaria fascinado com a internet. Toda hora falava no advento da Aldeia Global. E teria vibrado ao ver que agora isso é realidade".
Por outro lado, ler este Lembranças de Lennon "revisto" me fez despertar. (De certo modo, "revisto" sugere uma versão domesticada! Que inferno!) Agora me lembro de que John foi punk antes mesmo de Sid Vicious. E rapper antes do rap. O que John Lennon estaria fazendo hoje? Muito provavelmente teria se juntado aos rappers ao mesmo tempo em que se meteria na internet. Lembranças de Lennon é puro Lennon. Não é um livro para ler antes de dormir. O leitor vai andar pelo quarto a cada novo parágrafo. Foi o que aconteceu comigo. É um verdadeiro soco no estômago. Para quem não gosta de emoções fortes, um conselho: feche a janela quando for pegar o livro - você pode sentir vontade de pular.
Politicamente incorreto? É preciso adequar as palavras de John ao contexto da época. Em 1970, o mundo inteiro se voltava contra ele, a começar pelos amigos. Embora estivéssemos casados havia mais de um ano, a imprensa ainda não tinha sossegado. "Ele se casou com uma mulher oito anos mais velha" era a piada preferida. Eu era taxada de "cobra", sem mencionar "japa", "china" e até "vadia". Eis um exemplo da imprensa "se divertindo" conosco: ilustrando um enorme artigo, uma revista famosa publicou um desenho horroroso de página inteira em que eu aparecia segurando John numa coleira, ele representado como um pequeno besouro. "Rennon e sua admiladola excrusiva" era o título. John achava que eu tinha sido, no mínimo, desrespeitada. Todo mundo acreditava que John estivesse louco. Ele se sentia sufocado. Mesmo assim, tentava ignorar os ataques e mandar vibrações positivas para as pessoas. No ano seguinte, cantaria "Imagine all the people iving life in peace".
Nesta entrevista de 1970, no entanto, John tentou revidar e não se saiu bem. Não foi sutil nem sensato e, fugindo à regra, nem mesmo esperto. Ainda assim, se mostrou doce e bem-humorado, sem fazer esforço nenhum. Esse é o John. Prove de sua energia!
Enquanto lia, dei-me conta de que estava pulando as perguntas do Jann e meus comentários irritantes. (Por que nós não ficamos de boca fechada?) Para variar, Jann, o génio de 24 anos, dirigia com maestria a cena. E eu era uma figurante, rindo nas horas certas e erradas. Era tudo o que podíamos fazer diante das palavras de John, que prosseguia sem pausas! Não havia ninguém como ele, e nunca haverá. Sinto saudades.
Posso ouvir o John dizendo: "Tudo bem, pessoal, enfia isso lá. Vocês estão ficando à vontade demais". Yoko Ono - Julho de 2000.
INTRODUÇÃO –
JANN S. WENNER
Sem ter lido Lembranças de Lennon desde sua primeira publicação - em 1971, na Rolling Stone -, a princípio fiquei curioso e maravilhado ao reler a entrevista. Depois me vi de volta a um tempo e a um lugar que imaginava inexistentes. Hoje percebo que a entrevista foi prejudicada pela então pouca experiência do entrevistador - responsável pela ausência de metodologia e de uma abordagem metódica -, mas talvez seja justamente essa uma das razões para a conversa com John Lennon, bem como os frutos dela, ter sido tão apaixonada, desconcertante e sincera. (Eu tinha 24 anos, e John, 30.) Em vez de uma discussão profunda sobre os velhos tempos e as canções, o que temos aqui é uma exposição franca - e com frequência dolorosa - de temas novos e urgentes e um autorretrato do artista como nunca mais pude presenciar.
Nos primeiros anos da Rolling Stone, a amizade de John e Yoko trouxe muitos benefícios para mim. Tudo começou com a publicação das fotografias do disco Two Virgins na revista. Apoiamos os dois na cruzada pela paz e nos álbuns solo. E, com o passar dos anos, nos tornamos um de seus principais meios de comunicação com o público - o que estimulou a Rolling Stone, trouxe legitimidade e chamou a atenção para a revista, que começava ase evidenciar. Em meio a tudo isso, surgiu o relacionamento que culminaria em Lembranças de Lennon.
Ao lermos o livro, é importante lembrar que em 1970 os Beatles eram o maior fenómeno da Terra; eram "mais famosos que Jesus", nas palavras de John. E desde então não houve nada parecido. A publicação desta entrevista marcou a primeira vez que um dos Beatles - e, como se não bastasse, o homem e líder que havia fundado o grupo - saía do círculo protegido e adorado dos contos de fadas para, enfim, contar a verdade.
Principalmente pela necessidade que John tinha de perseguir a verdade, por ter chegado ao fim da terapia primai, por estar explodindo de raiva em relação à mitologia açucarada criada em torno dos Beatles e à versão de Paul McCartney para o rompimento - e também por ter em mim e na Rolling Stone um veículo predisposto e solidário -, John desabafa aqui com toda a espontaneidade, veemência e despreocupação características de toda primeira vez. Lembranças de Lennon surpreende por oferecer uma compreensão real do homem - de quem era e como se sentia - e também da paixão e da perspicácia que depositava em quase tudo que fazia. Afora alguns discos, é o único lugar em que pude enxergar John Lennon de tal forma.
Grande parte da entrevista é tão fascinante ("As turnês dos Beatles pareciam o Satyricon do Fellini"), tão sincera ("Ou sou um gênio ou sou maluco, o que será?"), tão brilhante ("O Paul disse: 'Come and see the show'. Mas eu disse: 'I read the news today, oh boy'."), tão intensa e colérica ("Para ser o que os Beatles foram, é preciso se humilhar completamente"), que, correndo o risco de contar o final, gostaria de apresentar as perguntas e as respostas que concluem o trabalho para dar uma ideia do que vem pela frente:
- Não tenho mais nada para perguntar.
- Bom, que maravilha.
- Tem alguma coisa a acrescentar?
- Não, não consigo pensar em nada positivo e agradável para conquistar seus leitores.
- Faz ideia de como vai ser quando estiver com 64 anos, como em "When I'm Sixty-Four"?
- Não. Espero que a gente seja um casal simpático vivendo no litoral da Irlanda ou em outro qualquer, revendo o álbum de recortes das nossas loucuras.
Para a edição revista, as fitas originais foram retranscritas. Acrescentamos várias partes deixadas de lado na primeira vez por discrição (embora isso seja difícil de acreditar) e corrigimos erros ocasionados pela pressa daquele momento. Além disso, os muitos comentários de Yoko foram recuperados, respeitando a ordem de perguntas e respostas das fitas. Sou muito grato a Holly George-Warren, a solícita editora e guardiã da Rolling Stone Press, por supervisionar o projeto e editar pessoalmente o texto. Toda a renda desta publicação e das edições passadas tem sido doada a organizações que lutam pelo controle da venda e do uso de armas de fogo. É claro, sou grato a Yoko Ono não apenas por ter arranjado a entrevista, mas também por consentir que seja republicada tantos anos depois. Jann S. Wenner Nova York - Julho de 2000
- Não tenho mais nada para perguntar.
- Bom, que maravilha.
- Tem alguma coisa a acrescentar?
- Não, não consigo pensar em nada positivo e agradável para conquistar seus leitores.
- Faz ideia de como vai ser quando estiver com 64 anos, como em "When I'm Sixty-Four"?
- Não. Espero que a gente seja um casal simpático vivendo no litoral da Irlanda ou em outro qualquer, revendo o álbum de recortes das nossas loucuras.
Para a edição revista, as fitas originais foram retranscritas. Acrescentamos várias partes deixadas de lado na primeira vez por discrição (embora isso seja difícil de acreditar) e corrigimos erros ocasionados pela pressa daquele momento. Além disso, os muitos comentários de Yoko foram recuperados, respeitando a ordem de perguntas e respostas das fitas. Sou muito grato a Holly George-Warren, a solícita editora e guardiã da Rolling Stone Press, por supervisionar o projeto e editar pessoalmente o texto. Toda a renda desta publicação e das edições passadas tem sido doada a organizações que lutam pelo controle da venda e do uso de armas de fogo. É claro, sou grato a Yoko Ono não apenas por ter arranjado a entrevista, mas também por consentir que seja republicada tantos anos depois. Jann S. Wenner Nova York - Julho de 2000
- Como você montou a litania de "God"?
- O que é litania?
- A frase "i don’t believe in magic", com a qual a música começa.
- Ah, da mesma maneira que muitas das letras: apenas saiu. "God" foi uma fusão de quase três músicas. Tive a ideia: Deus é um conceito através do qual medimos a nossa dor. E, quando temos uma frase dessas, basta soltar a primeira melodia que vem à cabeça. A melodia é aquela simples de [cantando] "God is the concept... bomp-bomp-bomp-bomp", porque gosto desse tipo de música. Então só me deixei levar. [Cantando] "I don't believe in magic..." E tudo ficava passando na minha cabeça: a mágica, o I Ching, a Bíblia...
- Quando soube que estava caminhando para o verso "I don't believe in Beatles"?
- Não sei quando foi que percebi que estava colocando de lado todas aquelas coisas em que não acreditava. Eu poderia ter continuado. Era como uma lista de presentes de Natal... Onde parar? Churchill... E de quem foi que me esqueci? Quando chegou a esse ponto, vi que tinha que dar um basta... Pensei em deixar um espaço em branco e dizer: "Preencha você mesmo com o nome de alguém em quem não acredite". Fugiu do controle. Mas os Beatles acabaram sendo a última referência porque é como dizer que já não acredito em mitos, e os Beatles são o maior dos mitos. Não acredito. O sonho acabou. E não estou falando apenas que os Beatles chegaram ao fim, falo de toda a geração. O sonho acabou, e tive que encarar pessoalmente a tal realidade.
- O que é litania?
- A frase "i don’t believe in magic", com a qual a música começa.
- Ah, da mesma maneira que muitas das letras: apenas saiu. "God" foi uma fusão de quase três músicas. Tive a ideia: Deus é um conceito através do qual medimos a nossa dor. E, quando temos uma frase dessas, basta soltar a primeira melodia que vem à cabeça. A melodia é aquela simples de [cantando] "God is the concept... bomp-bomp-bomp-bomp", porque gosto desse tipo de música. Então só me deixei levar. [Cantando] "I don't believe in magic..." E tudo ficava passando na minha cabeça: a mágica, o I Ching, a Bíblia...
- Quando soube que estava caminhando para o verso "I don't believe in Beatles"?
- Não sei quando foi que percebi que estava colocando de lado todas aquelas coisas em que não acreditava. Eu poderia ter continuado. Era como uma lista de presentes de Natal... Onde parar? Churchill... E de quem foi que me esqueci? Quando chegou a esse ponto, vi que tinha que dar um basta... Pensei em deixar um espaço em branco e dizer: "Preencha você mesmo com o nome de alguém em quem não acredite". Fugiu do controle. Mas os Beatles acabaram sendo a última referência porque é como dizer que já não acredito em mitos, e os Beatles são o maior dos mitos. Não acredito. O sonho acabou. E não estou falando apenas que os Beatles chegaram ao fim, falo de toda a geração. O sonho acabou, e tive que encarar pessoalmente a tal realidade.
EU TENHO!!
ResponderExcluirNão sei porque, mas as pessoas que não conhecem John ficam furiosas com ele após lerem esse livro, rsrsrs. Acho que o fã releva muita coisa, já que sabe o tenso contexto da época da entrevista.
Edu, acho que já li quase todo conteúdo desse livro em outros lugares. Há mesmo novidades que justifiquem adquiri-lo?
ResponderExcluirMinha pergunta é a mesma do João Carlos: vale a pena? Já existem tantas coisas publicadas sobre o John.
ResponderExcluirJoão Carlos, novidades à essa altura é meio complicado, mas te garanto que toda vez que você lê esse livro você encontra alguma coisa nas entrelinhas. (faz tempo que li, mas nele tem o manuscrito de God e outros rascunhos de John, se é que isso lhe interessa)
ResponderExcluirEsta última entrevista de John é muito comentada. É a cara dele, polêmica através da ironia e sarcasmo! Um gênio sempre...
ResponderExcluirAtenção: esta não é a última e sim a mais significativa, feita em 1970 logo após o fim dos Beatles. O Murilo está certo, sempre há mais alguma coisa guardada.
ResponderExcluirEdu, você sabe dizer o que foi publicado primeiro entre essa entrevista e o álbum McCartney de 1970? Porque o álbum de Paul acompanhava uma rápida auto-entrevista com um desabafo semelhante aos de John.
ResponderExcluirEdu, você sabe dizer o que foi publicado primeiro entre essa entrevista e o álbum McCartney de 1970? Porque o álbum de Paul acompanhava uma rápida auto-entrevista com um desabafo semelhante aos de John.
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