terça-feira, 1 de julho de 2014

TOM DOYLE - MAN ON THE RUN - SENSACIONAL!

Não tem jeito. Não tem como escapar! Não existe possibilidade de fuga. Depois que se devora um livrão como esse de Tom Doyle, não tem forma de escapulir da estranha sensação de que ficamos meio-órfãos. Assim como os também imperdíveis livros de Barry Miles, Peter Amis Carlin, Peter Doggett, Geoff Emerick, Bob Spitz, Jonathan Gould e tantos outros. A verdade é que o ídolo é bem maior que o dono que carrega seu nome. Isso nunca vai mudar. Por mais que Paul McCartney tenha tantado nos anos 70 se livrar da imagem do “Beatle-Paul” jamais conseguiria ... “there’s a shadow hanging over me”. Toda a trajetória da carreira de McCartney durante os anos 1970 é incansavelmente esmiuçada no livro de Doyle – do começo até o fim. Desde o surgimento do conceito do Wings até o final, dez anos depois.
Em 1973, entediado com o ambiente no Reino Unido, Paul McCartney decidiu que o novo álbum dos Wings deveria ser gravado num território mais exótico. Pediu à gravadora EMI a lista dos estúdios que ela possuía pelo mundo. Havia opções como Mumbai (então Bombaim), Pequim e até mesmo o Rio de Janeiro. Mas escolheu Lagos, na Nigéria. Vivendo com Linda e as filhas numa fazenda na Escócia, em ambiente hippie-rural, esqueceu-se de se informar sobre o local. Não sabia que o período escolhido para a empreitada era de monções. A praia que esperava pegar com a família em setembro sofria com chuvas diárias. Pior, sequer tinha consciência de que o país havia acabado de passar por uma guerra civil, então o ambiente era para lá de hostil. Pois os McCartney, mais o guitarrista Denny Laine (o baterista Denny Seiwell havia pulado fora da banda na noite anterior ao embarque para o Nigéria, copiando o guitarrista Henry McCullough, que tinha abandonado o barco semanas antes) conceberam ali seu mais importante álbum, Band on the run (lançado em dezembro daquele ano), também o mais conhecido álbum de um Beatle depois do fim da banda.
Em Man on the run – Paul McCartney nos anos 1970, o jornalista escocês Tom Doyle não busca o ineditismo (as 300 páginas da fluida leitura não trazem nenhuma revelação que vá surpreender um beatlemaníaco). O autor procura sim chegar à persona de McCartney, um músico que começa a década completamente desacreditado de si mesmo. Para Doyle, a década de 1970 foi para McCartney um período de luta e fuga. Com o fim dos Beatles – e McCartney em litígio com os ex-companheiros na Justiça – ele inicia um período difícil da vida musical. Na pessoal, o clima também é de recomeço. Recém-casado com a fotógrafa norte-americana Linda Eastman, embarca num ambiente familiar que contradizia em tudo o glamour que acompanha os rockstars.
Com narrativa cronológica, que começa com o fim dos Beatles e termina com o assassinato de John Lennon, o livro veio de uma necessidade que o autor sentiu em tirar McCartney de sua zona de conforto. Ao longo da última década, realizou uma série de entrevistas com ele e sentiu, pouco a pouco, a armadura se abrir. “Para mim, uma imagem bem diferente começava a emergir, em nítido contraste com o tesouro (inter)nacional em geral percebido como ligeiramente oportunista e hesitante que, hoje em dia, canta na abertura dos Jogos Olímpicos ou se apresenta para a rainha... Por trás de sua forte imagem desse período, como um cantor de rock suave e de olhos de Bambi, ele era na verdade um indivíduo muito mais inclinado à contracultura”, escreveu Doyle.
O recorte da biografia de Doyle não é o período mais retratado na extensa bibliografia que existe sobre McCartney, daí que o tom, por vezes romanceado da narrativa, surja como um atrativo a mais. Depois do casamento e fugindo das constantes brigas com os Beatles, Paul se refugia com a mulher e Heather (filha de Linda, que ele criou) e Mary, a primogênita do casal, para a Escócia. Ali, o quarteto viveu da maneira mais rústica possível. Sem aquecimento, numa casa de poucos cômodos, McCartney se tornou Paul, o marceneiro. Consumidor voraz de maconha, teve até uma pequena plantação em casa – quando foi levado a juízo, justificou com a cara mais levada possível que recebia sementes de fãs e não sabia que aquela era de cannabis.
Tão hippie quanto foi a primeira turnê dos Wings, que em fevereiro de 1972 rodou 10 universidades inglesas. Os músicos viajavam num ônibus de dois andares, chegavam de surpresa nos locais e faziam apresentações, a 50 cents por cabeça. McCartney admite, mais de uma vez, que foi Linda quem o salvou. A mulher, cuja atuação musical sempre foi discutível, aparece como uma figura forte que tinha consciência de sua limitação como tecladista. Mas foi a maneira que a família – que cresceu com o nascimento dos três filhos que tiveram juntos – encontrou para permanecer unida. Entre muitos erros e acertos, o retrato apresentado por Doyle humaniza o maior artista vivo do rock.
Quanto a Band on the run, passadas sete semanas de gravação em Lagos, McCartney decidiu voltar à Inglaterra, onde o terceiro álbum dos Wings foi finalizado. Escapou ileso, ou quase, da aventura africana. Teve as fitas cassete originais roubadas por um grupo armado – como eram os únicos registros existentes, teve que gravar de novo as músicas, muitas das quais se lembrou de cabeça –; precisou provar ao músico Fela Kuti, que andava com um grupo de guarda-costas, que não tinha ido à Nigéria para “roubar” uma sonoridade africana; e de sofrer um ataque de pânico numa noitada, depois do consumo exagerado de maconha nigeriana. São histórias que, quatro décadas mais tarde, dão ainda mais sabor ao seu mais importante álbum fora dos Beatles. Confiram um trechinho: “Talvez, estranhamente, um dos elementos mais agradáveis para Paul em tudo isso foi receber o cachê da banda, metade do valor arrecadado com os ingressos, depois da apresentação, um saco de moedas de 50 centavos, que depois foi igualmente distribuído pelo cantor entre os músicos. Em virtude do fato de, após assinar com a NEMS, de Brian Epstein, em janeiro de 1962, os Beatles jamais terem lidado com dinheiro vivo que ganhavam por suas apresentações, isso era uma emoção inesperada. Foi a primeira vez em 10 anos que Paul viu dinheiro depois de um show, e ele gostou do aspecto ‘dignidade do trabalho’ do músico disso, sentindo-se como ‘Duke Ellington dividindo o dinheiro’ com sua banda.” (Sobre o primeiro show dos Wings, em 9 de fevereiro de 1972, no refeitório da universidade de Nottingham, norte da Inglaterra). Está tudo lá. Acho que R$ 50 pilas por tanta diversão e informação, é pouco. Eu dava 100!!! Manda mais!

6 comentários:

  1. O meu chegou ontem...já comecei a ler !!! Essa fase do Paul ,realmente é muito mal falada e comentada atualmente,alguns autores ( e até mesmo o Barry Miles no " Many Years From Now" )fazem parecer que a década de 70 foi menos importante na vida do Paul do que a fase Beatles.
    Meu interesse maior nesse livro é justamente o enfoque nesse período !! Pelo post Edu...com certeza não vou me decepcionar !!

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  2. Esse Baú está de uma pobreza franciscana... Onde estão as novas postagens?

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  3. ôpa! Olá Milene Santos. Nunca vi você por aqui, e já aparece reclamando? Sim! O Baú do Edu está totalmente capenga. Deixe seus comments em todas as postagens, que o negócio bomba!!!

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  4. Milene, se acompanhasse assiduamente o blog, teria notado que o Edu falou que estava lendo este livro. Não era óbvio que ele fazer um post depois de terminá-lo? Pelo menos espero que seja um grande fã dos Beatles.
    Até!

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  5. Agora, sem mais delongas, vou comprar o meu!

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  6. Também estou lendo (junto com muitos outras que estão na fila) mas estou gostando muito também! Edu, procurei no Baú e não achei nenhum comentário seu acerca do livro "Como John Lennon pode mudar sua vida", de 2006 e escrito por 3 brasileiros. Estou lendo e achando bem interessante, e se quiser comprar ainda se encontra em algumas lojas como o Extra, Americanas, Submarino e outras, e está na faixa de 31,00 a 54,00 reais, conforme pesquisa pelo Buscapé. Tem muitas fotos e uma abordagem bem interessante. Caso você venha a comprá-lo e lê-lo, gostaria de ver um post seu sobre o mesmo. Grande abraço e parabéns novamente pelas postagens. Esse amor pelos Beatles é o que nos une nesse seu maravilhoso blog. Um abraço e muita saúde e paz, que o resto a gente corre atrás.

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