quinta-feira, 9 de outubro de 2014

ROLLING STONE ENTREVISTA JOHN LENNON - 1975

Eis John Lennon: braços finos, vestindo uma camiseta amar­rotada sem mangas, pés descalços, dedos delicados segurando um cigarro marrom e pegando uma xí­cara de café quente. Um sol pálido de inverno invade o apartamento no sétimo andar do edifício Dakota, um imóvel caro que parece uma pilha de lembranças do século 19 na esquina da 72nd Street com a Cen­tral Park West. Mais cedo, o porteiro irlandês ficou surpreso quando perguntei por John, porque Yoko Ono havia morado sozinha aqui durante um ano. O prédio, com gárgulas e torreões abobadados, já viu muita coisa e abrigou muita gente, de Lauren Bacall e Rex Reed, à cenas do filme O Bebé de Rosemary.Agora, John Lennon está falando com uma voz suave e calma, as velhas raivas cortantes desaparecidas por um tempo, enquanto o barulho das ruas de Nova York penetra na sala. Ele voltou com Yoko há três dias, depois de um ano louco e doloroso separados, e há uma sensação cinzenta de ressaca na sala clara. Encostado em uma parede, um piano branco é um convite para começar de novo; uma árvore é emoldurada por uma janela, uma planta, por outra, ambas em uma atitude de simplicidade zen, cheia de espaços. Aos 34 anos, Lennon está entrando na maturidade como homem e ar­tista e parece ter cada vez menos medo de se expor.

Um ano atrás, ele e Yoko se se­pararam e algumas pessoas come­moraram. Vivemos em uma época estranha. Então, como se viesse do nada, chegou Walls and Bridges - John teve um single de grande sucesso com "Whatever Gets You Thru the Night" e a música era mesmo maravilhosa: cheia de in­venção, doçura e remorso. Mais do que nada, as canções eram ensaios em autobiografia; as letras e melo­dias de um homem tentando en­tender uma parte enorme de sua vida: "Estive do outro lado/Mos­trei tudo a você, não tenho nada a esconder...
O que se segue é o resultado de duas longas conversas com John Lennon ao final de um ano difícil.
Como está sua vida agora?
Vida. Estamos em 1975, não? Bom, acabei de fechar o acor­do sobre as finanças dos Beatles. Deve ter acontecido no mês passado, demorou três anos. No dia em que você veio, parece que me mudei de volta para cá. Quan­do esta entrevista for publicada, não sei... é uma grande mudan­ça. Talvez seja por isso que estou dormindo mal. Como um amigo disse, saí para comprar café e jornal e não voltei [risos]. Ou vice--versa: sempre é escrito assim, sabe. Todos nós. O homem saiu. Nunca é tão simples.
O que aconteceu entre você e Yoko? Quem decidiu terminar o relacionamento?
Bom, não é uma questão de quem decidiu. Acabou. Por que aca­bamos voltando? [Com voz pomposa] Acabamos voltando porque foi diplomaticamente viável... Qual é. Voltamos simplesmente por­que nos amamos.
Amei sua frase: "A separação não deu certo."
É isso. Não deu. E a reação à separação foi toda aquela loucura. Eu parecia uma galinha sem cabeça.
Qual foi o acordo fInal dos Beatles?
Até este ano, todos os valores iam para um só lugar - todos os discos solo, os meus, de Ringo, de Paul. Agora, até os royalties an­tigos dos Beatles vão para quatro contas separadas. É isso. Todos disseram que, ao assinar este documento, não estávamos mais vinculados uns aos outros. Besteira. Ainda somos donos desta coisa chamada Apple.
Ainda há um sentimento bom entre vocês?
Sim, sim. Falei com Ringo e George ontem. Não falei com o Paul porque ele estava dormindo. George e Paul estão se falando em Los Angeles agora. Não há nada acontecendo entre nós, só na cabeça das pessoas.


O que você acha da turnê mais recente de George?
Não foi a melhor coisa já feita. Ele passou por uma espécie de moi­nho. Provavelmente foi a vez dele de ser massacrado. Quando está­vamos juntos, havia períodos em que os Beatles eram bons, os Bea­tles eram ruins - não importava o que fizéssemos. O público, incluin­do a mídia, às vezes é um pouco submisso. George é ruim agora, e acho que não importava o que fi­zesse na turnê.
George disse à Rolling Stone que, se você quer os Beatles, escu­te o Wings.
Não li o que o George disse, então não tenho o que comentar. [Pausa] Band on theRun é um ótimo álbum. O Wings é um grupo quase tão con­ceituai quanto o Plastic Ono Band. O Plastic Ono era um grupo concei­tuai, o que significa que quem es­tivesse lá era a banda. E o Wings muda o tempo todo. Quer dizer, eles são os músicos de apoio de Paul. Não importa quem toque - não dá para chamar de Wings, mas é a música do Paul McCartney. E é coisa boa.
George disse que poderia tocar com você novamente, mas não com Paul. Como você se sente?
Eu poderia tocar com todos eles. O George tem o direito de dizer isso e provavelmente mudará de ideia até sexta-feira. Sabe, todos somos humanos, podemos mudar de opinião. Então, não considero nenhuma das minhas declarações, ou nenhuma das de­clarações deles, como a última palavra sobre o assunto. Se tocar­mos, os jornais só saberão disso depois. Se formos tocar, simples­mente iremos tocar.
Walls and Bridges tem um quê de arrependimento. Você se senta e conscientementefaz um álbum assim?
Não, bem... vamos dizer que o ano passado foi extraordinário para mim, pessoalmente. E estou quase impressionado por con­seguir botar qualquer coisa para fora, mas gostei de fazer Walls and Bridges - e não foi difícil entrar em estúdio para gravá-lo. Estou surpreso por não ter sido tudo bluuuuuugggggh-hhhh. [Pausa] Tive um ano bem peculiar, e estou feliz por algo ter saído. De certa forma, o disco descreve como foi o ano, mas não do jeito esquizo-frênico que esse período real­mente foi. Acho que levei um choque tão grande que o im­pacto não transpareceu. Há alguma coisa dele no álbum. Tem a ver com a idade e Deus sabe o que mais, mas somen­te a superfície foi tocada em Walls anã Bridges, entende?
Do que se tratou o ano?
Bom, não dá para mencio­nar uma só coisa. Começou, de alguma forma, no final de 73, quando eu estava fazendo este álbum de rock com Phil Spector [Rock 'n' Roll, lançado em 1975]. Teve muito a ver comigo e Yoko. De repente, fiquei sozinho. Quan­do percebi, estava acordando bêbado em lugares estranhos ou lendo sobre minha pessoa nos jornais fazendo coisas extraordi­nárias, metade das quais fiz, metade não. Você conhece o jogo. Eu me vi em uma espécie de sonho louco durante um ano. Esti­ve em muitos sonhos malucos, mas este... foi bem intenso. Então, tentei me recuperar daquilo. [Pausa longa] Enquanto isso, ávida continuava e não te deixaria ficar sentado de ressaca, de qual­quer forma. Foi como se algo - provavelmente eu mesmo - ficas­se me batendo enquanto eu tentava fazer algo. Ainda estava ten­tando levar uma vida normal e o chicote continuava a toda - por oito meses. Provavelmente foi só medo e por estar sozinho, fican­do velho, você vai entrar nas paradas de sucesso? Será que não vai ter sucesso? Toda essa bobagem, sabe. Mas passei por isso, esta­mos em 75 agora, eu me sinto melhor e estou sentado aqui e não jogado em um lugar esquisito curtindo ressaca.
Por que se sente melhor?
Porque sinto que fiz a viagem de Sinbad - lutei contra todos esses monstros e voltei. [Pausa longa] Estranho.
Richard Perry lhe descreveu como um produtor excelente, mas talvez um pouco apressado demais.
É verdade [risos].
Só que, aparentemente, ao gravar os discos dos Beatles, você era detalhista e lento.
Não, nunca fui detalhista e lento. Produzi "I Am the Walrus" na mesma velocidade em que produzi "Whatever Gets You Thru the Night". Era minucioso em algumas coisas como sou agora. Se há uma qualidade que às vezes atrapalha meu talento, é que fico ente­diado logo se nada é feito rapidamente. Só que "I Am the Walrus" soa como uma produção maravilhosa. "Strawberry Fields Fore-ver" soa como uma grande produção. Faço isso o mais rápido que posso sem perder (a) o sentimento e (b) o caminho. Pessoalmen­te, a faixa mais longa em que passei tempo foi "Revolution 9", que era uma música abstrata em que usei muitos loops de fita e coisa do tipo. Ainda assim, fiz em uma sessão, mas aceito essa crítica e também sou crítico comigo mesmo.
Há alguém que você gostaria de produzir? Bob Dylan, por exemplo?
Dylan seria interessan­te, porque acho que ele fez um grande álbum com Blood on the Tracks, mas ainda não gosto muito dos músicos de apoio. Acho que poderia ser um ótimo pro­dutor para ele. Então, se você está lendo isto, Bob, sabe... e Presley. Gostaria de ressuscitar Elvis, mas fi­caria com tanto medo dele que não sei se poderia fazer isso.
Elton John reviveu "Lucy in the Sky With Diamonds" e DavidBowie gravou "Across the Universe". O que acha deles?
Gosto e respeito ambos. Sou mais próximo de Elton, porque o conheço há mais tempo e passei mais tempo com ele. Elton meio que apareceu na sessão de Walls and Bridges - chegou, tocou piano e acabou cantando "Whatever Gets You Thru the Night" comigo. O que foi um grande tiro no braço. Eu tinha feito três quartos dela e estava pensando "E agora, o que fazemos?" Inclu­ímos um camelo ou um xilofone? Este tipo de coisa. Então ele veio e disse "Ei, vou tocar piano!" Daí ouvi que ele estava tocando "Lucy" e fiquei sabendo por um amigo - porque ele era tímido -será que eu poderia aparecer quando ele gravasse "Lucy"? Talvez tocar nela, mas simplesmente estar lá? Então, fui, cantei no re­frão e contribuí com a parte de reggae no meio. Depois, também por meio de um amigo em comum, ele perguntou se eu subiria ao palco com ele se a música chegasse ao número 1, respondi que sim, sem jamais poder adivinhar que a música chegaria ao topo.
Como você se relaciona com os astros do rock dos anos 70? Pensa em si mesmo como um tio, um pai, um velho rival?
Depende de quem for. Se for Mick, ou a Velha Guarda, como os chamo, sim, são a Velha Guarda. Elton e David são os nova­tos. Não me sinto como um velho tio, querido, porque não sou tão mais velho do que metade deles [risos], mas sim, estou interessa­do no pessoal novo. Lembro que ouvi "Your Song" de Elton John nos Estados Unidos - foi um dos primeiros grandes sucessos dele - e pensei: "Ótimo, esta é a primeira novidade que acontece desde que surgimos". Foi um passo à frente. Havia algo na voz dele que era um aprimoramento sobre todos os vocais ingleses até então. Você consideraNova York seu lar agora? Ah, sim. Estou aqui, bom, já é quase o quarto ano. É o máximo de tempo que passei longe da Inglaterra. Fiquei em Londres, vejamos, 64,65, 66, 67 - realmente em Londres, porque na época havia a Beatlemania e todos acabávamos como muitos roqueiros: morando a uma hora de distância de Londres, no inte­rior, em propriedades enormes. Não dava para morar em Londres porque as pessoas te incomodavam muito. Então, moro em Nova York há mais tempo do que realmente morei em Londres.
Por um período você se envolveu bastante em causas ra­dicais. Ultimamente, parece ter voltado à sua arte deforma mais direta. O que aconteceu?
Vou te dizer o que aconteceu literalmente. Saí do barco, só que era um avião que pousou em Nova York, e as primeiras pessoas que entraram em contato comigo foram Jerry Rubin e Abbie Hoffman. Simples assim. Quando dei por mim, estou fazendo shows beneficentes para John Sinclair [poeta e ativis-tã\ e uma ou outra coisa.
Como isso afetou seu trabalho?
Quase o arruinou, de certa forma. Virou jornalismo e não poesia, e basicamente sinto que sou um poeta. Não do jeito for­mal - não tenho educação - então normalmente tenho de es­crever das maneiras mais simples. Daí, comecei a levar mais a sério em outro nível, dizendo: "Estou refletindo o que está acon­tecendo, certo?" Bom, não funciona assim. Não dá certo como música pop ou o que quero fazer. Simplesmente não faz sentido.
É a lição comum que aprendi em meus tenros 34 anos. Assim que você se agarra em alguma coisa, pensa: "A vida diz respei­to a isso". O ruim é que a maioria das pessoas encontra o cha­péu de palha e se segura nisso, como seu melhor amigo que con­seguiu o emprego no banco aos 15 anos e parecia ter 28 antes mesmo de completar os 20. Seja um chapéu religioso, político ou apolítico - seja lá o que for, sempre procurando esses cha­péus de palha. Acho que descobri que é perda de tempo. Não é preciso usar um chapéu. Simplesmente ir em frente e trocar de roupa é o melhor. É só isso o que acontece: mudança. Em um momento, senti que, se continuasse batendo a cabeça na parede, não teria mentalmente aquela idade - ao continuar crian­do, consciente ou inconscientemente, situações extraordinárias sobre as quais acabaria escrevendo. Só que talvez não tenha nada a ver com isso. Ainda estava tentando evitar algo, mas do jeito er­rado. Chame isso de idade ou qualquer coisa.
Isso se chama "crescer"?
Não quero crescer, mas estou cansado de não crescer desta forma. Encontrarei um jeito diferente de não crescer. Há uma ma­neira melhor de fazer isso do que torturando seu corpo, e depois sua cabeça. A culpa! É uma coisa tão estúpida, e fico furioso por ser estúpido porque não gosto de gente estúpida. Parece que faço as coisas que mais desprezo, praticamente. Tudo isso para - o quê? - evitar ser normal. Tenho um grande medo desta coisa normal. Sabe, as pessoas que passam no vestibular, que vão para o traba­lho, que não se tornaram roqueiras, que se conformaram! É isso o que estou tentando evitar, mas estou cansado de tentar evitar com violência, entende? Tenho de fazer isso de outra forma. Acho que conseguirei. Penso que o simples fato de ter percebido isso é um bom passo à frente. 'Vivo em 1975' é o meu novo lema. Deci­di que quero viver.
Você se imagina como artista aos 50 ou 60 anos?
Nunca me vi não sendo um artista. Sempre tive essa visão de ter 60 anos e escrever livros para crianças. Não sei por quê. Sem­pre tive essa sensação de dar o que Wind in the Willows e Alice no País das Maravilhas e A Ilha do Tesouro me deram aos 7 ou 8 anos. Os livros que realmente abriram o meu ser.
Quem você ouve agora?
Ainda sou um homem de discos. Não há ninguém - incluindo eu mesmo - na Terra de quem consigo escutar um álbum inteiro. Ninguém. A mesma voz se repetindo... não dá para sustentar isso.
Então, não fico sentado ouvindo os discos de artistas, a não ser que sejam meus amigos. Gosto de "Shame, Shame, Shame" de Shirley & Company. Algumas dessas coisas no estilo disco. Uma das minhas preferidas no ano passado foi "I Can Help", de Billy Swan. Esse é uma verdadeira imitação do Elvis das antigas.
Um dia você ficará livre do fato de ter sido um Beatle?
Eu me acostumei - praticamente - com o fato de que qual­quer coisa que fizer será comparada com a dos outros Beatles. Se aprendesse bale, minha dança seria comparada com a habilidade de Paul no boliche. Tenho de viver com isso, mas aprendi algo no ano passado: não posso deixar o Top 10 dominar minha arte. Se meu valor só for julgado por estar ou não no Top 10, então é me­lhor desistir. Se eu deixar o Top 10 dominar minha arte, ela mor­rerá, e o fato de estar ou não no Top 10 é discutível. Há um perigo ali, para todos os que estão envolvidos com arte, de precisar tanto daquele amor que... na minha área, isso se manifesta no Top 10.
Então, este último ano, de algumas maneiras, foi para de­cidir se você queria ser um artista ou pop star?
É. O que estou fazendo? O que estou fazendo? Enquanto isso, eu ainda lançava trabalhos, mas no fundo pensava: O que você quer ser? O que está procurando? É isso. Sou um artista, cara, não um cavalo de corrida.

6 comentários:

  1. Tenha esta revista, ella aprsenta um material muito bom sobre o John.

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  2. Tenho. Mais sempre vale a pena reler.

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  3. "...Qual­quer coisa que fizer será comparada com a dos outros Beatles. Se aprendesse bale, minha dança seria comparada com a habilidade de Paul no boliche."

    Demais, kkk!
    Quem não gostaria de entrevistar o John?!?!

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  4. Entrevista fantástica do John que eu ainda não tinha lido!!! Muito bom!!!

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  5. Puxa, Edu, valeu! A muito tempo procuro a revista Rolling Stones especial com as entrevistas do John Lennon e não encontro, aqui encontrei uma parte e fiquei com água na boca. Procuro em todas as bancas e sebos de Vitória, aqui no Espirito Santo e não encontro, mas vou continuar procurando. Obrigado por postas parte dessa revista. Esse blog é 10.

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  6. Há tempos passados saiu um livro com essa entrevista muito mais completa, eu presentiei a um amigão também Beatlemaníaco e não encontro outro para comprá-lo, as não importa esta página que acabei de ler, me satisfaz; Valeu!

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