Texto publicado na coluna SÁBADO SOM de João Carlos de Mendonça em 26/12/2015.
De família judia, proprietária de lojas de móveis com sessões de instrumentos musicais e discos (NEMS – North End Music Stores), já aos 16 anos, BRIAN EPSTEIN queria ser “design de moda”, idéia repelida pelo pai, que o fez gerente do setor de discos da NEMS. Mais tarde esteve cursando teatro e serviu ao exército inglês, experiências que terminaram de forma desconcertante para o jovem. Como era homossexual, foi flagrado em situações que terminaram encobertas pelo poder da família. Imagino o que passava na cabeça daquele rapaz obstinado, inteligente, perspicaz e competente, numa época em que ser “gay” era crime. Previsto em lei. E quanto mais sucesso obtinha como gerente da loja, mais insatisfeito vivia. Nalgum lugar em sua mente, ele sabia que o seu talento envolvia o mundo artístico. Mas o que? Há várias histórias e na verdade, todas fazem sentido. Como proprietário de uma loja de discos seria natural que ele fosse o principal anunciante do jornal local MERSEY BEAT, para o qual escrevia artigos sobre música. Pode mesmo ter visto (e não percebido) os BEATLES diversas vezes na publicação. Considerando-se que era fã de música erudita, entre tantos grupos, cantores, fotos e matérias sobre a cena de Liverpool, poderia mesmo não ter associado nenhum daqueles conjuntos ao disco que um jovem solicitou e que, “tragicamente”, não localizou em sua loja. Tratava-se da canção “My Bonnie” com TONY SHERIDAN & THE BEATLES. Sendo o maior cliente das gravadoras na região, não foi difícil descobrir que o produto era de origem alemã, mas o conjunto era inglês de Liverpool e, conversando com uns e outros, ficou sabendo que o grupo exibia-se regiamente num “pub” local, o CAVERN, no horário do almoço. Tudo muito verossímil. Ao chegar ao CAVERN CLUB, efusivamente recebido, o elegante Brian queria conhecer o grupo de fato, mas como tinha encomendado diversas cópias do “disquinho”, pretendia antes de tudo, divulgar o produto contando com o apoio da casa. Mas ficou extasiado com o que viu e ouviu. Visionário, enxergou o que a maioria dos empresários pés-rapados do período nunca havia notado. O som diferente e poderoso da banda, que acabara de passar por uma experiência difícil e enriquecedora, tocando nos botecos e clubes de “strippers” barras-pesadas de Hamburgo e, principalmente o carisma deles. Isto ficou evidente ao conhecê-los pessoalmente. Até resolver “empresariar” o conjunto, Brian os viu várias vezes e apesar das irreverências, todos toparam porque perceberam sua classe e sua autêntica determinação. Até aceitaram suas condições. Epstein sabia que os cabelos e a música eram diferentes e empolgantes tanto quanto o estilo “rebelde”, “teddy boy” desleixado, não iria pegar. Acertou em cheio ao moldá-los com um visual meio andrógeno (para o período) em contraponto ao tipo James Dean de suas roupas (passaram a usar ternos). Mas jamais interferiu no som da banda. Nem é preciso observar com acuidade para constatarmos que os Stones, The Who, Yardbirds e todos os demais, adotaram o mesmo visual em seus primeiros álbuns. Brian Epstein foi à luta e mais do que os próprios Beatles, acreditava e apostava tudo naquele projeto. Com uma fita “demo” feita na DECCA (que os rejeitou), gastou muita sola de sapato, ouviu piadas, grosserias e conselhos desanimadores. E para todos tinha uma resposta pronta: “eles serão maiores que Elvis!”. Até o feliz encontro com o George Martin. E deu no que deu! Em dois anos Epstein era um milionário. Sua empresa passou a cuidar de vários outros artistas e, até JIMI HENDRIX fez parte de seu “cast”, mas a prioridade sempre foi Beatles. Todas aquelas gravadoras que rejeitaram o grupo viviam de lamentações e muitos empresários experientes o invejavam. Pisou na bola em alguns momentos, mas sempre mais por certa ingenuidade do que incompetência. Cercou-se dos melhores profissionais e fez o grupo deslanchar. Convenceu ED SULLIVAN a contratá-los e espalhou pelos EUA cartazes e “outdoors” com “OS BEATLES VÊM AI!” (bastante copiado posteriormente). Era mesmo a figura paterna, o elemento agregador, que suportava as idiossincrasias e até piadas insultuosas, especialmente de Lennon (sua biografia, “A CELLARFUL OF NOISE”, John chamava de “A CELLARFUL OF BOYS”). Se Brian moldou o visual do grupo quando no anonimato, alcançado o sucesso, deixou-os livremente “lançar” modas e jamais interferiu na evolução musical da banda. Apesar de tudo, sua homossexualidade o atormentava. Chegou a pensar em casar-se com a cantora ALMA COGAN, mas terminava sempre em noitadas com pilantras que, não raro, o espancavam, roubavam-no, chantageavam-no e depredavam suas residências. Embarcou sem pestanejar, junto com o grupo, no universo das drogas, o que mais ainda agravava seu sofrimento (depressão, insônia). E justamente, uma mistura de drogas com remédios contra insônia tomados com álcool o fez partir tão jovem. Aos 33 anos incompletos, BRIAN EPSTEIN levitou em 27 de agosto de 1967, logo após o lançamento do disco “Sgt. Pepper”. Os Beatles jamais tiveram a mínima desconfiança dele. E nunca se arrependeram. Sua morte desconcertou o ambiente e o conjunto se viu perdido no meio de advogados, documentos, contratos..., o que fatalmente precipitou o fim do sonho. Sem o velho EPY, o elemento catalisador, o homem ético e decente, o pai dos Beatles, ainda houve músicas e álbuns sublimes, mas o trem seguiu desgovernado por aquela longa e tortuosa estrada!
De família judia, proprietária de lojas de móveis com sessões de instrumentos musicais e discos (NEMS – North End Music Stores), já aos 16 anos, BRIAN EPSTEIN queria ser “design de moda”, idéia repelida pelo pai, que o fez gerente do setor de discos da NEMS. Mais tarde esteve cursando teatro e serviu ao exército inglês, experiências que terminaram de forma desconcertante para o jovem. Como era homossexual, foi flagrado em situações que terminaram encobertas pelo poder da família. Imagino o que passava na cabeça daquele rapaz obstinado, inteligente, perspicaz e competente, numa época em que ser “gay” era crime. Previsto em lei. E quanto mais sucesso obtinha como gerente da loja, mais insatisfeito vivia. Nalgum lugar em sua mente, ele sabia que o seu talento envolvia o mundo artístico. Mas o que? Há várias histórias e na verdade, todas fazem sentido. Como proprietário de uma loja de discos seria natural que ele fosse o principal anunciante do jornal local MERSEY BEAT, para o qual escrevia artigos sobre música. Pode mesmo ter visto (e não percebido) os BEATLES diversas vezes na publicação. Considerando-se que era fã de música erudita, entre tantos grupos, cantores, fotos e matérias sobre a cena de Liverpool, poderia mesmo não ter associado nenhum daqueles conjuntos ao disco que um jovem solicitou e que, “tragicamente”, não localizou em sua loja. Tratava-se da canção “My Bonnie” com TONY SHERIDAN & THE BEATLES. Sendo o maior cliente das gravadoras na região, não foi difícil descobrir que o produto era de origem alemã, mas o conjunto era inglês de Liverpool e, conversando com uns e outros, ficou sabendo que o grupo exibia-se regiamente num “pub” local, o CAVERN, no horário do almoço. Tudo muito verossímil. Ao chegar ao CAVERN CLUB, efusivamente recebido, o elegante Brian queria conhecer o grupo de fato, mas como tinha encomendado diversas cópias do “disquinho”, pretendia antes de tudo, divulgar o produto contando com o apoio da casa. Mas ficou extasiado com o que viu e ouviu. Visionário, enxergou o que a maioria dos empresários pés-rapados do período nunca havia notado. O som diferente e poderoso da banda, que acabara de passar por uma experiência difícil e enriquecedora, tocando nos botecos e clubes de “strippers” barras-pesadas de Hamburgo e, principalmente o carisma deles. Isto ficou evidente ao conhecê-los pessoalmente. Até resolver “empresariar” o conjunto, Brian os viu várias vezes e apesar das irreverências, todos toparam porque perceberam sua classe e sua autêntica determinação. Até aceitaram suas condições. Epstein sabia que os cabelos e a música eram diferentes e empolgantes tanto quanto o estilo “rebelde”, “teddy boy” desleixado, não iria pegar. Acertou em cheio ao moldá-los com um visual meio andrógeno (para o período) em contraponto ao tipo James Dean de suas roupas (passaram a usar ternos). Mas jamais interferiu no som da banda. Nem é preciso observar com acuidade para constatarmos que os Stones, The Who, Yardbirds e todos os demais, adotaram o mesmo visual em seus primeiros álbuns. Brian Epstein foi à luta e mais do que os próprios Beatles, acreditava e apostava tudo naquele projeto. Com uma fita “demo” feita na DECCA (que os rejeitou), gastou muita sola de sapato, ouviu piadas, grosserias e conselhos desanimadores. E para todos tinha uma resposta pronta: “eles serão maiores que Elvis!”. Até o feliz encontro com o George Martin. E deu no que deu! Em dois anos Epstein era um milionário. Sua empresa passou a cuidar de vários outros artistas e, até JIMI HENDRIX fez parte de seu “cast”, mas a prioridade sempre foi Beatles. Todas aquelas gravadoras que rejeitaram o grupo viviam de lamentações e muitos empresários experientes o invejavam. Pisou na bola em alguns momentos, mas sempre mais por certa ingenuidade do que incompetência. Cercou-se dos melhores profissionais e fez o grupo deslanchar. Convenceu ED SULLIVAN a contratá-los e espalhou pelos EUA cartazes e “outdoors” com “OS BEATLES VÊM AI!” (bastante copiado posteriormente). Era mesmo a figura paterna, o elemento agregador, que suportava as idiossincrasias e até piadas insultuosas, especialmente de Lennon (sua biografia, “A CELLARFUL OF NOISE”, John chamava de “A CELLARFUL OF BOYS”). Se Brian moldou o visual do grupo quando no anonimato, alcançado o sucesso, deixou-os livremente “lançar” modas e jamais interferiu na evolução musical da banda. Apesar de tudo, sua homossexualidade o atormentava. Chegou a pensar em casar-se com a cantora ALMA COGAN, mas terminava sempre em noitadas com pilantras que, não raro, o espancavam, roubavam-no, chantageavam-no e depredavam suas residências. Embarcou sem pestanejar, junto com o grupo, no universo das drogas, o que mais ainda agravava seu sofrimento (depressão, insônia). E justamente, uma mistura de drogas com remédios contra insônia tomados com álcool o fez partir tão jovem. Aos 33 anos incompletos, BRIAN EPSTEIN levitou em 27 de agosto de 1967, logo após o lançamento do disco “Sgt. Pepper”. Os Beatles jamais tiveram a mínima desconfiança dele. E nunca se arrependeram. Sua morte desconcertou o ambiente e o conjunto se viu perdido no meio de advogados, documentos, contratos..., o que fatalmente precipitou o fim do sonho. Sem o velho EPY, o elemento catalisador, o homem ético e decente, o pai dos Beatles, ainda houve músicas e álbuns sublimes, mas o trem seguiu desgovernado por aquela longa e tortuosa estrada!
Antes de qualquer coisa, ficou demais! Parabéns, JC!
ResponderExcluirEsse é um assunto delicado. Há muitas controvérsias sobre a relação de Brian e os Beatles. Primeiro sobre a história do tal Raymond Jones, o garoto que teria procurado o disco. Vários autores atestam que Alistair Taylor (que também já morreu), que na época era assistente pessoal de Brian, afirmou anos depois (quando Brian morreu) que foi pura lorota inventada por ele. O que é muito possível, comparado com a história das milhares de fãs que os esperavam os Beatles no aeroporto em Nova York em 64. Segundo muitos, mais da metade delas eram contratadas por Brian. Um golpe genial! Outros afirmam que quando ele entrou no Cavern, não se impressionou pelos Beatles ou pelo som deles, mas apaixonou-se de imediato por John Lennon e daí o interesse pela banda. E quase todos concordam (e eu compartilho) que os Beatles teriam acontecido com ou sem George Martin e Brian, como conjunto, ou individualmente. Mas hoje em dia, tudo isso se mostra irrelevante. O que é indiscutível e consenso entre todos, é o inigualável e genial talento de Brian para com os negócios e todo o marketing em torno do que quer que envolvesse “seus” rapazes. Quando resolveram encerrar as excursões, foi o fim para Brian. A verdade é que ele precisava muito mais dos Beatles, do que os Beatles precisavam dele. Mas, quando ele morreu, o castelo desmoronou e foi o que foi. Apenas minha opinião. Abração em todos!
Verdade Edu! Todavia,mesmo inventando o personagem, os fatos não são tão inverossímeis. De certa forma, tenho pra mim que a confluência de talentos, as circunstâncias inexplicáveis uniram Beatles, Brian e Martin. Embora, depois dos primeiros estrondos, restou evidente que os Beatles chegariam onde bem quisessem. Contudo, por não ser um picareta malandro do ramo, Brian tinha ascendência e unia o grupo. Creio que ele mesmo se via como empresário de outros artistas e "membro" dos Beatles.
ResponderExcluirE priu! Obrigadão JC por me deixar publicar aqui um dos melhores textos do Sábado Som. Valeu!!!
ResponderExcluirParabéns João Carlos, texto muito bom !!!
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