Só para constar: essa é a postagem nº 6.500. Obrigadão a todos!
Essa postagem era para ser publicada só no dia 30 de agosto, mas já que está pronta, pra quê esperar? O texto que a gente confere agora é o principal do capítulo 6 - 'Da Próxima Vez A gente Acerta' do sensacional livro de James A. Mitchell - "John Lennon Em Nova York: Os Anos De Revolução".
Para John Lennon, o show beneficente One-to-One era muito mais
do que apenas uma apresentação única; o show de 30 de agosto de 1972 era para ser o
primeiro de muitos. “Eu estava pronto para sair em turnê por pura diversão”
disse Lennon à Rolling Stone sobre suas expectativas. “Eu não queria cair na
estrada por dinheiro. Minha vontade era sair por aí tocando, simplesmente.
Qualquer pretexto — caridade ou o que fosse — bastaria para me convencer.”
De volta a Nova York, John e Yoko passaram a segunda quinzena
de agosto ensaiando com a Elephant’s Memory. Reza a lenda que, devido às
queixas dos vizinhos contra as longas, intensas e ruidosas sessões num espaço
alugado na Rua 10, por eles batizado Butterfly Studios, os ensaios foram
transferidos para a Fillmore East, uma casa de espetáculos na 2a Avenida.
O fotógrafo Bob Gruen lembra que Lennon abraçou a intensa
programação de ensaios, deixando que sua paixão pela música superasse sua
ansiedade quanto ao desempenho. “O espaço estava totalmente impregnado do
espírito do rock and roll’’ disse Gruen.7 O denominador comum da música servia
para descontrair e unir o grupo, um vínculo que se mantinha durante os jantares
no Home, um restaurante na Rua 91 que Lennon passara a curtir, e, numa notável
ocasião, numa casa de Chinatown conhecida por oferecer um bar completo. Gruen
disse que essa longa noite ficou ainda mais longa quando Lennon — que sempre
pagava os jantares do grupo — se deu conta de que não tinha dinheiro. Como
ninguém mais tinha, serviram-se rodadas adicionais de bebidas enquanto esperavam
um dos assistentes de John e Yoko sair da cama para trazê-lo. A seleção final
seria feita entre dezenas de músicas preparadas pelo grupo, com arranjos
repassados um sem-número de vezes. Lennon cantava falando, ou sussurrando, para
não prejudicar a voz antes do show. Lennon confiava na música, diz Adam Ippolito, pelo menos no
que dizia respeito à banda. O som fora reforçado com acréscimos na seção de
ritmo: o baterista Jim Keltner, colaborador frequente nos dois primeiros álbuns
pós-Beatles de Lennon, e John Ward, ex-baixista da Elephants Memory. “Lennon se
sentia muito bem nesse momento’’ conta Ippolito. “O grupo estava afinado. E ele
estava pronto.” Os Elefantes precisavam estar preparados. O show representava
um salto de qualidade em relação a tudo o que a banda já fizera em sua
carreira: por mais entusiasmado que fosse o público do Max’s Kansas City, tocar
em casas noturnas era muito diferente de se apresentar em uma arena lotada de
gente ávida por aplaudir uma lenda da música. Os Elefantes se recordam de que
Lennon e a Apple fizeram questão de usar um equipamento adequado a grandes
arenas, como o Madison Square Garden. Lennon era tão pródigo com a sua música
quanto com os jornais underground e os ideais de esquerda, lembra Tex Gabriel.
“Os Lennon tinham um cara que era o responsável pela mala
preta’’ diz Gabriel. “Dentro da mala havia milhares de dólares em dinheiro
vivo; maços de dinheiro, como se fossem roubados de um banco ou algo assim.
John o mandou pegar uma bolada para comprar amplificadores Marshall e o que
mais fosse preciso. Alugar, não. Comprar.” Os Elefantes calcularam que Lennon
deve ter gasto uns 100 mil dólares com os equipamentos.
“Hoje nem parece tanto”, diz Van Scyoc, “mas 100 mil dólares
em equipamentos era um bocado de dinheiro naquela época.” Ele lembra que ficou
impressionado com a qualidade do material, um claro indicador de que Lennon
tinha planos muito maiores do que o show beneficente. Era o momento pelo qual
os Elefantes vinham esperando: a primeira turnê de Lennon como artista solo. “Quando
aquilo veio à tona, nós pensamos: ‘Meu Deus, trabalho!’ e caímos dentro”, diz
Van Scyoc. “Como Elephant’s Memory nós não tocávamos, nem no melhor dos nossos
sonhos, em lugares como o Garden. Tocamos uma vez para 3 mil formandos, mas
isso foi o auge, o máximo a que conseguimos chegar.” Mais do que um simples show, o “Concerto para Libertar as Crianças de
Willowbrook” — assim batizado pela revista Billboard — foi o clímax do
“One-to-One Day” em Nova York — palavras do prefeito John Lindsay. A
participação de Lennon não se limitou aos ensaios e à apresentação: ele e Yoko
reuniram 15 mil voluntários e pacientes de Willowbrook para um piquenique antes
do show no Sheep Meadow, com jogos, música, passeios de balão e encontros com
um ex-Beatle itinerante. Deliberadamente, fez-se pouco alarde do piquenique.
Lá, Lennon encontrou o equilíbrio que vinha buscando: usou sua fama para
promover a causa sendo apenas um a mais na multidão, e não o líder, o foco de
todos os holofotes — algo que seria inevitável quando subissem ao palco.
"BEM-VINDOS AO ENSAIO”, assim Lennon saudou as cerca de
15 mil pessoas que foram ao Madison Square Garden naquela tarde para o primeiro
dos dois shows. No palco substancialmente nu mal cabiam os músicos e os
amplificadores. A luz inclemente dos spots destacava os óculos de Lennon, de
aros metálicos redondos e lentes azuis. Ele usava uma roupa típica do Village —
camiseta sob uma jaqueta verde-oliva do Exército dos Estados Unidos com divisas
de sargento, um símbolo da Segunda Divisão de Infantaria e o nome Reinhardt.
Mas, apesar do aspecto confiante, os Elefantes sabiam que Lennon estava um
bocado nervoso. Havia muita coisa em jogo: provar o seu valor com um material
não muito bem-recebido pela crítica e — algo com que todos os ex-Beatles
tiveram de lidar - atender, ou não, as expectativas do público sobre as músicas
que iria tocar. Todos tinham suas expectativas, os Elefantes inclusive, como recorda
Gary Van Scyoc: “Nós queríamos tocar um monte de músicas dos Beatles” diz.
“Mas Lennon só topou fazer ‘Come Together’. Ensaiamos umas dez músicas, mas
essa era a quente; e foi nessa que mandamos ver.”
A banda teve a oportunidade de tocar na abertura do concerto
— ao lado de Sha Na Na, Roberta Flack, Melanie e Stevie Wonder, que se
apresentaram de graça, em benefício da causa. Mas o foco das atenções era
claro, assim como a esperança de um pouco de nostalgia musical. “Nós só vamos
voltar ao passado uma vez” enfatizou Lennon antes de atacar “Come Together”. Lennon
parece haver tentado se precaver quando brincou com a multidão: “Vocês
provavelmente se lembram dessa melhor do que eu (...) é sobre um old flattop.”
As palavras que cantou a partir do verso “Here come old flattop” — uma música
toda feita de fragmentos imagéticos - não batiam com as do LP Abbey Road, tão
conhecido pelos fãs. Além de tropeçar aqui e ali, como em “over you”, em vez de
“over me”, ele parecia não saber se o cabelo “ia até” ou “ficava abaixo” dos
joelhos. Cada tropeço era uma careta. “Eu acertei a letra quase toda”, disse ao término da canção.
Balançando a cabeça, sentou-se ao piano e arrematou: “Tenho que parar de
escrever essas letras doidas, cara; eu nem sei o que estou dizendo. Estou
ficando velho.”
Os Elefantes seguraram bem aquela onda, fazendo das tripas
coração para não decepcionar Lennon. Adam Ippolito diz que o show, que durou
mais de uma hora, foi uma pressão muito diferente e bem maior do que tocar uma
ou duas canções na TV. “Lennon estava inseguro e ficou chateado com alguns erros”
lembra Ippolito. “Mas a maioria nem percebeu.” O repertório, que continha uma
importante seleção de músicas de Some Time in New York City, permitiu à banda
demonstrar que não estava ali para substituir Paul, George e Ringo, mas, sim,
ocupar seu lugar na nova vida musical de Lennon. Foram cinco canções de Some Time: “Woman Is the
Nigger of the World”, “Sisters O
Sisters”, “Born in a Prison”, “We’re All Water” e, é claro, “New York City”,
que incendiou o público do Madison Square Garden. Os dois primeiros
álbuns pós-Beatles de Lennon foram bem representados: “Imagine” foi “um dos
carros-chefes do programa”, lembra Van Scyoc. De seu repertório solo, Lennon
tocou algumas canções famosas: “Instant Karma” a escaldante “Cold Turkey” e a
cantante “Give Peace a Chance”, acompanhada pelo público com os pandeiros
recebidos na entrada. A menos conhecida, “Well, Well, Well”, foi jocosamente
introduzida ao público como “uma canção de um dos discos que gravei desde a
minha saída dos Rolling Stones”.
Nervosismo à parte, Lennon bem que se divertiu. Seu melhor
sorriso nessa noite foi quando estraçalharam “Hound Dog” de Elvis Presley: um
rock da velha guarda que fez Lennon e Gabriel dançarem com suas guitarras e
Stan Bronstein sair pelo palco com uma moça a requebrar o corpanzil. Os Beatles
eram conhecidos por começar suas sessões de gravação brincando com as músicas
que tocavam nos dias do Cavern, um hábito que Lennon manteve com os Elefantes. “Nos
ensaios, costumávamos tocar essas músicas para esquentar” conta Van Scyoc.
“Não era uma coisa consciente, era um jeito de entrarmos em sintonia. Pegávamos
canções antigas de Chuck Berry, aquela coisa da década de 1950. Sempre que John
queria relaxar, era para lá que ia.”
O One-to-One teve momentos de puro Lennon — a essência de
sua vida artística. Mesmo num show destinado a uma causa humanitária, Lennon
conseguiu criar uma conexão pessoal de um modo que poucos músicos seriam
capazes de fazer. Ele continuava sendo um cantor-compositor essencialmente
pessoal, capaz de criar um vínculo íntimo com seu público. Quantos seriam
capazes de escrever uma canção como “Mother”? Quantos poderiam cantá-la de modo
tão sincero? Um único spot, acordes simples de piano e uma voz ferida que
revelava a sua dor mais profunda a milhares de amigos. “Ele botou aquilo tudo
pra fora”, diz Gabriel. Aquilo que o público viu deixou arrepiados os
guitarristas, que estavam a 3 metros. “Era Lennon nu e cru, totalmente real;
não tinha fingimento.” Quaisquer falhas e imperfeições cometidas naquela tarde e
noite eram suas, dissera com franqueza. Críticas à parte, Lennon deu toda a
impressão de que queria voltar lá e fazer melhor. “Da próxima vez a gente
acerta” falou, perto do fim do espetáculo, numa breve menção a falhas
ocasionais provavelmente nem percebidas pelo público. Mas não houve próxima
vez. John Lennon nunca mais deu um show completo; seu nome nunca mais brilhou
nos letreiros das grandes arenas do país e do mundo; uma ou outra breve
apresentação de uma ou duas músicas ao longo dos dois anos seguintes e só. Os
shows de Lennon no Madison Square Garden em 1972 ficaram como o ensaio-geral de
uma turnê inacabada, um legado de canções jamais ouvidas.
Sob certo aspecto, os concertos One-to-One foram um absoluto
sucesso. A atenção pública e a conscientização suscitadas pelo trabalho de Geraldo
Rivera geraram uma avalanche de benefícios. A quantidade de ajuda recebida, ao
longo dos anos, pelos pacientes e suas famílias, foi incalculável. Preocupado
com as recentes acusações de desvio de recursos gerados em shows beneficentes,
como aconteceu com Allen Klein no Concerto para Bangladesh de George Harrison,
Lennon declarou durante o espetáculo esperar que o dinheiro arrecadado chegasse
aos seus destinatários. E dessa vez ele chegou. Os fundos levantados foram canalizados
para três instituições beneficentes de Nova York, que os destinaram à
construção de moradias para os pacientes de Willowbrook, entre outros com
necessidades similares. A ABC pagou, segundo foi informado, 300 mil dólares
pelos direitos de filmagem e iniciaram-se negociações para a produção de um
álbum. As receitas de rádio e teledifusão e da venda de discos somariam mais de
1,5 milhão de dólares no decorrer do tempo. A contribuição de 60 mil dólares à
causa feita por Lennon na compra de ingressos para pacientes e cuidadores não
foi registrada nos relatórios do FBI; eles preferiam especular sobre as
contribuições de Lennon a beneficiários duvidosos. A receptividade dos fãs e da crítica foi diversa. O astro
principal recebeu os elogios de costume, mas Lennon se aborreceu uma vez mais
com a ânsia com que alguns se empenhavam em ridicularizar Yoko Ono, premiada
aos olhos de seus detratores com um excesso de vocais solos.
“Todo mundo adorou o grupo” lembra Gary Van Scyoc. “Mas a
presença dela era muito forte e isso incomodava um pouco as pessoas.” Mas nem
todos os críticos eram anti-Yoko. Um de seus defensores era Toby Mamis, da
revista Soul Sounds.9: “Muita gente não curte a música de Yoko Ono” escreveu Mamis.
“Mas eu penso que ela está buscando novos rumos para o rock e que nós devemos
ir junto para ver o que ela descobre. Tem muito avestruz por aí que enfia a
cabeça na terra e faz de conta que tudo será sempre como está agora. Isso não é
verdade. Alguém tem que descobrir para onde vamos e Yoko, dentre outros, está
procurando.” Mamis lembrou aos céticos que se tratava da primeira grande
produção própria de Lennon e que a Elephants Memory — “uma banda de hard rock
do cacete” — era o primeiro grupo estável de músicos com que Lennon trabalhara
desde os Beatles, com o qual ele gravou, ensaiou, “planejou e viveu a
expectativa de um show ao vivo”.
A conclusão da Rolling Stone era ambígua: “O desempenho [de
Lennon] foi uma prova daquilo que todo mundo sempre soube: que ele é um
compositor fantástico e um cantor poderoso, inteligente e expressivo.” Lennon
“parecia estar se divertindo muito”, ao conseguir a proeza de “dar vida a
‘Woman Is the Nigger of the World’, uma música horrível, afrontosa, cuja
correção política não compensa [a má qualidade da letra]’! Anos depois, em
1986, David Fricke, da Rolling Stone, fez um retrospecto do show por ocasião do
lançamento de um video do concerto. Separando o trigo do joio, Fricke aplaudiu
o “comovente entusiasmo do canto de Lennon” e “o surpreendente fôlego do programa’!
Elogiou a Elephant’s Memory — “uma banda de esquerda de Nova York” — por seu
sólido trabalho. O concerto do Madison Square Garden seria lembrado por sua
raridade e por seu conteúdo. “Lennon clássico” qualificou Fricke. “Ele está
todo aqui: seu humor, sua dor, sua ira e sua fé inabalável no poder do rock and
roll de mudar o mundo.”
Legal demais, não é? É sim! Pois quem gostou, faça um comentário bem bacana e não deixe de conferir também:
Fundamental e indispensável o livro "John Lennon in New York - Os Anos da Revolução". Esse episódio desse show foi determinante para que John encerrasse ali sua história com o show business definitivamente da forma como todos conhecemos. Viva John Lennon! Viva a Elephants's Memory! Viva Wayne Tex Gabriel! "Bom trabalho. Na próxima a gente acerta".
ResponderExcluirPois num é que o Baú guardou o chocolate da Páscoa pro momento certo?Excelente. Uma pena que Lennon não repetiu mais esse show. Certamente, como sempre ocorre, ele ficaria melhor que ótimo e daria um disco ainda melhor. Ou não foi o que aconteceu com o Rockshow?
ResponderExcluirMuito legal, Edu! Show!
ResponderExcluirPena que esse período tenha sido tão conturbado na via do John, a musica que ele fez nessa época são a mais roqueiras de sua carreira solo e apesar do concerto no Madison Square Garden não tenha ficado do jeiro que ele queria, mesmo assim foi muito bom.
ResponderExcluir"since a left the rolling stones" Hahahahhh!Morro de rir.
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