Há dez anos, quando Sgt. Pepper’s completou 40 anos, a edição nº 214 da finada revista Bizz fez uma matéria de capa com 10 páginas sobre o álbum que revolucionou toda a história da música pop. Claro que uma revistinha dessas não ia nunca fazer um superespecial sobre o álbum, seus autores e suas canções. Preferiram ater-se no territoriozinho que sempre julgaram conhecer tão bem. São dezenas de depoimentos dos artistas brazucas sobre suas impressões do discaço na época do seu lançamento. A maioria são bons e favoráveis, restando a meia dúzia de babacas, tentar reduzir a importância desse evento. Seja como for, aqui, a gente confere, com a exclusividade de sempre, todos esses depoimentos da matéria.
No mundo inteiro, em 1967, os jovens saíam das sombras e propunham uma nova postura: paz e amor, a flor contra os canhões. O espírito bélico e autoritário dos governos foi atingido em cheio. Era uma verdadeira revolução cultural em marcha, e os Beatles estavam na crista da onda. Após quase cinco meses de gravações, num esquema hollywoodiano de produção, com 700 horas enfurnadas no famoso estúdio em Abbey Road e o custo de 100 mil dólares (um absurdo para um LP da época), eles lançavam, em 1º de junho de 1967, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Eram 12 canções, aparentemente desconexas, mas o todo acabava se fundindo numa espécie de suíte que era o retrato cantado de toda uma geração. As faixas se encadeavam naturalmente, sem pausa, recurso sofisticado usado dez anos antes no jazz pelo trompetista Miles Davis e a banda dirigida por Gil Evans. A ousadia orquestral de Sgt. Pepper e a atmosfera enigmática de suas letras chocaram os fãs de carteirinha dos Beatles, e o álbum se tornou um divisor de águas não só na carreira do grupo, mas nos meios musicais e até na cultura como um todo. A emblemática imagem da capa do disco explicava o que estava acontecendo: os Beatles de terninho e cabelo no velho figurino mod, representados por bonecos de cera, davam lugar aos Beatles coloridos e psicodélicos, totalmente soltos no espaço, partindo para uma nova aventura, seguidos por artistas do mundo inteiro. Entretanto, se hoje parece claro que Sgt. Pepper deu o norte para o universo pop de seu tempo, um olhar mais atento notará que os Beatles o dividiram: muitos artistas reagiram negativamente, assumindo para sempre sua condição de bonecos de cera. Foi o que aconteceu também no Brasil. A equipe da BIZZ saiu a campo e ouviu 32 testemunhas oculares que, 40 anos depois, falam do impacto que Sgt. Pepper teve em sua arte e sua vida. São depoimentos instigantes, alguns surpreendentes, que revelam a (involuntária, mas fundamental) influência dos quatro de Liverpool na definição dos caminhos futuros da música brasileira.
CAETANO VELOSO
Gil já vinha falando dos Beatles, sobretudo por causa de “Strawberry Fields Forever”. Nessa época, demonstrar interesse pelos Beatles ou por qualquer coisa do rock era um pecado contra a nacionalidade, o socialismo e o bom gosto. Havia uma dicotomia entre Jovem Guarda e O Fino da Bossa, entre iê-iê-iê e MPB. O tropicalismo se opôs a essa divisão. O que ouvi no Sgt. Pepper foi imaginação e liberdade. Roberto e Erasmo eram fãs dos Beatles porque faziam parte do pop rock. Mas nós já partíamos de "A Day in the Life". O grande lance foi encontrar os Mutantes, que já soavam como os Beatles de “A Day in the Life". Eu amava a sequência das faixas em Sgt. Pepper, que se estruturavam como um filme. E ao longo dos meses ia mudando minhas preferências... mas “A Day in the Life” era a mais radical e ficou sendo a preferida. Acho que Gil partiu mais diretamente de ideias dos Beatles do que eu. De todo modo, há aquela escala descendente em “Fixing a Hole” que usamos conscientemente em "Alegria, Alegria”. E "Superbacana”tem uma harmonia calcada em “ForNoOne”, canção do Revolver que tem todo o espírito do Sgt. Pepper.
RENATO BARROS - RENATO & SEUS BLUE CAPS
Nós da jovem guarda sempre aproveitamos mais o lado romântico dos Beatles. Até pensei em fazer coisas parecidas com Sgt. Pepper, mas, naquela época, você ficava muito refém da gravadora. A gente não tinha essa liberdade toda de criar coisas novas, e quem aproveitou Sgt. Pepper, de fato, foi a rapaziada da tropicália. Com o sucesso começou a aparecer muita coisa meio mela-cueca na jovem guarda. Para nós restava a receita de sempre gravar aqueles clichês românticos.
CHACAL - POETA E DIRETOR DO CEP 20.000
Demorou até as pessoas se acostumarem àquela mutação. Havia uma sensação de “que viagem é essa?” Era um som que, assim como nas raves de hoje com o ecstasy, só funcionava bem com um baseado ou um ácido. As pessoas tomavam LSD e pegavam o LP para ver as fotos se mexendo. Vivi muito isso.
RITCHIE
Tinha acabado de fazer 15 anos e estudava num colégio interno, em Dorset, sudoeste da Inglaterra. O intervalo durava 40 minutos e Sgt. Pepper, 30. Perfeito, em todos os sentidos. Lembro da exata sensação de estar presenciando algo extraordinário, desde o primeiro riff escaldante da faixa-título até o derradeiro acorde de “A Day in the Life”. Era um retrato perspicaz, um olhar carinhoso sobre o "englishwayoflife”, tão visual, uma suíte musical em vez de uma coleção de canções. Quando cheguei ao Brasil, em 1972, os Mutantes, meus primeiros amigos brasileiros, logo deixaram claro o quanto os Beatles os haviam influenciado. Participava de longas jam sessions só de Beatles na casa dos pais de Sérgio e Arnaldo. Era nossa “senha”.
PEDRO PASSOS - GERENTE DA LOJA DE DISCOS MODERN SOUND, RIO DE JANEIRO
Foi o auge de uma época moderna. As pessoas costumavam olhar muito para a loja, e a capa do Sgt. Pepper chamava muita atenção. Era dupla, com aquele encarte... Entretanto, curiosamente, o disco mais marcante para a gente foi Help!, por causa do filme. Havia um cinema na galeria e as filas eram enormes. A gente chegou a importar algumas cópias do LP para atender o público. Os discos dos Beatles vendiam muito bem. Até mesmo quando o grupo acabou, continuaram vendendo, inclusive os discos solo.
LÔ BORGES
Eu era beatlemaníaco já fazia uns três anos, desses de ficar na porta da loja esperando sair disco novo. Meu predileto sempre foi Revolver, mas eu gosto demais de Sgt. Pepper. Ele é como uma aula, assim como os discos do Chico Buarque eram uma aula, os do Led Zeppelin, Jimi Hendrix. Mas dos Beatles eram a aula de que eu mais gostava! Nos anos 60, eu e Beto Guedes tínhamos uma banda cover dos Beatles, os Beavers. Sempre fiquei intrigado com a transição da faixa - titulo para“With a Little Help from My Friends”, quando eles anunciam o“Biiilyyy Sheeeears"e aí entra o “Billy ” — que é o Ringo, né? Para mim, soou como um convite, do tipo “entrem na banda junto com a gente!”. Eu aceitei o convite, entrei e nunca me arrependi.
CLÁUDIO WILLER - POETA ENSAÍSTA, BEAT BRASILEIRO
Eu tinha a impressão de que os Beatles nunca se repetiam. Cada disco é único — se Help! era mais lírico, mais animado, Sgt. Pepper tinha mais invenção. Pelo menos um comentarista da literatura beat, Bruce Cook, diz que os Beatles se inspiraram nesse movimento. Eu diria que a beat generation iniciou um tipo de ambiente, do anticonvencionalismo... e os Beatles fizeram parte desse ambiente de contracultura.
ALADIN - GUITARRISTA DOS JORDANS
Quando fui para Londres com os Jordans, Sgt. Pepper tinha acabado de sair, mas tudo o que eu queria era ver de perto os Shadows, que nos inspiravam muito mais. Logo no primeiro dia, fomos a um restaurante italiano. O (saxofonista) Irupê seguiu para o banheiro e voltou tentando dizer que tinha visto um sujeito “que era a cara do Ringo”. Íamos comer, quando passaram pelo salão principal três caras caminhando juntos. Um deles realmente tinha a cara do Ringo e os outros a do Paul McCartney e do John Lennon... Eram os Beatles de verdade! Eles estavam ali porque havia um laboratório logo em frente ao restaurante. Saímos correndo atrás deles. Subimos uma escada ao lado e vimos uma porta entreaberta. Batemos e John Lennon nos atendeu. Nos cumprimentou e olhou para meu braço, onde eu segurava cinco LPs dos Jordans, que ele pegou para ele. Ringo tinha ouvido versões das músicas deles feitas pelo Sérgio Mendes e queria saber como tocar bossa nova. O Foguinho, nosso baterista, tentou ensiná-lo, e sem falar inglês! Notei que eles estavam olhando slides e só depois fui sacar que era uma visita para supervisionar o próximo filme do grupo, Yellow Submarine.
GILBERTO GIL
Em 1967, (os baianos) havíamos acabado de iniciar nossa vida artística no sul, com uma disposição enorme para tudo que fosse musicalmente novo e estimulante. Por causa de Rubber Soul e Revolver, já se instalara, em muitos de nós, jovens criadores iniciantes, um senso de pertencimento a uma nova corrente da música e da cultura planetárias. Apesar dessa condição de fãs-já-quase-adeptos, o impacto de Sgt. Pepper foi muito além do esperado. O grau de inovação, invenção e ousadia embriagou a todos. O último fenômeno do tipo, para mim, havia sido Samba Esquema Novo, de Jorge Ben: encantamento, júbilo e paixão em alta voltagem. Os trabalhos de João Gilberto e Jorge Ben haviam despertado em mim fantasias e sonhos extraordinários, e agora os Beatles vinham se somar ao elenco de minhas maiores paixões. Sgt. Pepper foi o disco que lhes concedeu esse altar em meu coração.
ZÉ RODRIX
Soube do lançamento do Sgt. Pepper quando Revolver ainda estava fazendo efeito por aqui. Na época, os discos de artistas estrangeiros levavam seis meses ou mais para ser lançados aqui. Só consegui ouvir uma faixa ou outra no programa de rádio do Big Boy. Mas logo depois, rolou o Festival da Record de 1967, e Ricardo Vilas e eu nos hospedamos no hotel Danúbio. Ficamos ao lado do apartamento de Gilberto Gil e Nana Caymmi, e o disco tocava no apartamento deles o dia inteiro! Ainda que através das paredes, ouvi tudo muito bem. E ouço até hoje e a cada audição encontro novidades em todas as faixas. É um dos discos que mais me marcaram. Os Beatles fizeram o que lhes deu na veneta, sem se guiar pelo que era certo ou errado, do que vendia ou não. É um disco feito rigorosamente segundo as necessidades artísticas. Isso que é mais fascinante. É de uma liberdade criativa absurda. Deixou claro que, na música, estávamos livres para usar quaisquer meios para nos expressar, que sem liberdade e sem risco não existe arte.
ANTONIO PETICOV - ARTISTA PLÁSTICO
No dia que o disco foi lançado no Brasil, eu fiz a minha primeira exposição individual. No caminho para a galeria, parei no centro de São Paulo e vi uma loja coberta de Sgt. Pepper e comprei no ato. Toquei no vemissage, em primeira mão, o disco fresco, e as pessoas adoraram. Pela primeira vez um disco era um objeto inteiro, tinha um conceito, apesar de se poder escutar as músicas em separado. Na época, a “inteligência” brasileira via com maus olhos tudo que fosse estrangeiro. Da mesma forma que eu era roqueiro, drogado, e só fui descobrir a beleza da bossa nova anos depois, acho que a MPB só foi assimilar Sgt. Pepper depois. Porque os Beatles começaram de forma ingênua, mas foram se sofisticando, falando de coisas mais sérias...
TONY CAMPELLO – IRMÃO DA CELY CAMPELLO
O disco é importante, mas foi a gênese daquele rock mais sofisticado que nos anos 70 começou a virar erudição, com Emerson, Lake and Palmer. A alegria e a espontaneidade deram lugar a um papo cabeça. Eu até tenho Sgt. Pepper em casa, mas gosto mais da capa que do som. Ela tinha um apelo comercial e visual absurdo. Os Beatles sabiam das três coisas principais na indústria fonogrâfica: primeiro, o comércio; segundo, o comércio; terceiro, o comércio. Eu não era bem fã dos Beatles, gostava de uma coisa ou outra. John Lennon, sim, tinha cara e alma de rock’n’roll. Não o Paul McCartney, que sempre foi um chato. Quando assassinaram o Lennon, eu falei para a Folha de S.Paulo que tinham matado o beatle errado.
NENÊ BENVENUTTI – OS INCRÍVEIS
Não dá pra comparar nada com Sgt. Pepper. Nem a jovem guarda, nem o tropicalismo, nem os próprios Beatles. Aquilo foi uma viagem musical alucinógena genial, que rompeu com o comum e inovou a música pop do mesmo jeito que o fusion fez com o jazz. Aquelas melodias com arranjos tão ousados fizeram a minha cabeça.
EDUARDO SUPLICY
Há 40 anos, eu fazia pós-graduação nos EUA. O Eduardo, que é o Supla, ainda era um bebê, então ele passou a primeira idade dele ouvindo essas músicas no rádio. Quando voltamos ao Brasil, ele até formou uma banda cover dos Beatles. “With a Little Help from My Friends” é uma música de que gosto muito. Do Sgt. Pepper é a minha preferida, tenho sempre vontade de cantar junto. Sei que esse álbum tem toda uma cultura (hippie) em tomo dele, mas eu tinha filhos pequenos e estava dedicado aos estudos. O que me interessava mais eram as questões relativas ao envolvimento dos EUA no Vietnã e as manifestações, contra a guerra, de Bob Dylan e Joan Baez — que eu assistI no ginásio da universidade em San José, na Califórnia.
ERASMO CARLOS
Tenho uma vaga lembrança da época do lançamento do disco, bicho. Ele me bateu como aquela coisa lisérgica, de ficar ouvindo as guitarras ao contrário, os vocais de trás pra frente. E havia o folclore da capa, do suposto velório do Paul, tudo atraiu a atenção. Depois, fiz experiências sob influência direta do Sgt. Pepper, quando gravei “Saudosismo” (em 1970) ou quando trabalhei com Rogério Duprat (em 1971). Os Beatles eram meus contemporâneos e influenciados por Chuck Berry, o tipo de rock’n’roll que a gente gostava. Da música que eles faziam, a gente curtia o lado romântico e ingênuo, semelhante ao da jovem guarda. Mas a partir de Sgt. Pepper, quem pegou a influência deles diretamente foi o pessoal da tropicália. A jovem guarda não acompanhou... Eu até entendo os motivos. Quem quis seguir, seguiu; quem não quis, tudo bem. Não se pode ir contra o que se está sentindo.
ROGÉRIO DUPRAT
Em 1967, todo mundo já conhecia o Sgt. Pepper e, é claro, quando viram meus arranjos disseram “é esse cara aí”. Porque eu não era nem melhor nem pior do que os outros. Estávamos todos a fim disso ai. Não é que eu tenha dado aula a eles (os tropicalistas), pelo contrário. Eu aprendi pra burro com os Mutantes, com Gil, com Caetano, sobre como fazer algo popular e avançado, uma coisa na frente dos Beatles. Porque os Beatles não saberiam fazer “Panis et Circenses" por exemplo. Nenhuma peça dos Beatles era tão avançada. Quer dizer, não quero denegrir os Beatles nem nada, mas os Mutantes eram melhores do que eles.
RONNIE VON
Não vejo Sgt. Pepper como um divisor de águas, mas como a continuação de Revolver. É fascinante, mas não é "o” disco revolucionário da carreira deles. Ele simplesmente acabou sendo mais palatável do que você abrir um disco com “Taxman” e logo depois ter "Eleanor Rigby ” — algo às avessas do que nos acostumamos a escutar vindo dos Beatles. Sgt. Pepper é um disco que tem começo meio e fim, coisa que Revolver não tinha. Talvez aí esteja o segredo de ele ser uma peça mais fácil de digerir.
CARLOS ALBERTO LOPES – RADIALISTA
A verdade é que quando Sgt. Pepper chegou, quase ninguém entendeu nada por aqui. O público comprava porque era Beatles, mas entender o álbum mesmo, só umas poucas pessoas esclarecidas. O povão era muito levado pelo ritmo e pela diversão da música. O pessoal da jovem guarda, na minha opinião, não digeriu Sgt. Pepper até hoje. Acho que só os Mutantes, um tempo depois, conseguiram pegar a influência dessa nova fase dos Beatles e transformar em música boa.LANNY GORDINNa época, eu morava com meus pais, em São Paulo, e Sgt. Pepper se tornou meu disco preferido. O começo de carreira dos Beatles era a fase de “I Want Hold Your Hand” e “She Loves You”, depois subiram a escada, em que cada disco foi um degrau. Sgt. Pepper mudou a concepção que tínhamos de rock nacional e tradicional.
JÚLIO MEDAGLIA
Sgt. Pepper foi a grande resposta dos Beatles àqueles que pensavam que eles haviam caído na linearidade e no cancioneirismo redundante. Se de um lado a América mandava torpedos poderosíssimos para um novo rock com figuras como Hendrix, Janis e Zappa, de outro entrava no circuito beatle a figura de Yoko Ono. Com grande experiência em diversas áreas da vanguarda de então, ela motivou os moleques ingleses a reassumir a liderança e apontar mais uma vez o caminho da música do futuro. Sgt. Pepper era provocação musical, literária, comportamental, social, política, estética, filosófica. Motivou a música inteligente brasileira a abrir seus horizontes para milhões de novos componentes. O tropicalismo foi uma das conseqüências disso. Meu arranjo de “Tropicália” já incluía discursos, ruídos, mudanças bruscas de ideias, sonoridades não do repertório da MPB etc. Estávamos sintonizados, e as ideias explodiam dos dois lados do oceano.
JORGE BENJOR
É um disco maravilhoso, embora eu goste mais do Revolver. Mas tem o Submarino Amarelo também... O principal foi saber que, além dos quatro músicos, também havia um grande maestro ali, um arranjador.
TOM ZÉ
Foi a audição mais curiosa da minha vida. Aconteceu numa viagem que fiz com Caetano da Bahia pra São Paulo, em outubro de 1967, o disco tinha acabado de sair. Eu não ouvia muito os lançamentos, então Caetano se trancou comigo num quarto na casa do (empresário) Guilherme Araújo e foi traduzindo letra por letra, dando as informações colaterais. Fiquei muito impressionado. Na mesma noite fomos ver (a peça) O Rei da Vela — foi um dia de sargentos e reis!
LÚCIA DUARTE - VIÚVA DO DJ NEWTON DUARTE, O BIG BOY
Newton tinha as melhores conexões possíveis com a EMI internacional e com a Odeon no Brasil. Ele fazia parte do mailing vip de todas as gravadoras, nacionais e estrangeiras. E era bastante conhecido e respeitado no meio musical também fora do Brasil. Nós éramos um dos maiores mercados de discos do mundo e o Big Boy era o maior formador de opinião do mercado daqui. Ele recebeu o disco e o tocou no mesmo dia de seu lançamento na Inglaterra, 1º de junho, e um dia antes do lançamento nos EUA. Depois vieram dizer que, por causa do fuso horário, o disco acabou sendo tocado no Brasil antes mesmo de sair na Inglaterra. Foi uma consagração pessoal e profissional, como DJ, jornalista e fã.
LENO – DA DUPLA LENO & LILIAN
Eu saí de uma gravação do programa Jovem Guarda, em São Paulo, e fui a uma loja de discos na avenida São João para procurar o Sgt. Pepper — sabia que tinha acabado de sair. Vi aquela capa de plástico dupla da Odeon, ouvi um trecho na loja... Confesso que de início não gostei, achei esquisita aquela coisa de orquestra. Mas depois desbundei! Algum tempo depois, comprei o LP importado, mono — até hoje eu prefiro a mixagem mono, o som fica mais concentrado — e peguei a ponte-aérea com o disco. Sentei ao lado de dois garotos americanos, de uns 13 anos. Puxei assunto com eles e ficamos falando sobre rock. Eles vieram com um papo de “ih, Beatles já era, cara! O negócio agora é Jefferson Airplane”. Eles ainda não haviam ouvido o Sgt. Pepper. Acho que eles devem ter mudado de ideia depois...
RITA LEE
Caí de boca, como o resto do planeta. Foi um manuscrito bíblico encontrado nas cavernas patafísicas que de repente ficou ao alcance de todos que tinham sede de subir aos céus e gritar aleluia. Acho que o fato de os Mutantes terem entrado de sola na brasilidade louca do tropicalismo — que foi o momento Sgt. Pepper do Brasil — fez com que não virássemos caretas. Eu contava vantagens de ter uma música mencionando meu nome (“Lovely Rita"), cheguei até a mentir que uma época trabalhei de “meter maid”em Londres e quase multei o Paul McCartney...
Gil já vinha falando dos Beatles, sobretudo por causa de “Strawberry Fields Forever”. Nessa época, demonstrar interesse pelos Beatles ou por qualquer coisa do rock era um pecado contra a nacionalidade, o socialismo e o bom gosto. Havia uma dicotomia entre Jovem Guarda e O Fino da Bossa, entre iê-iê-iê e MPB. O tropicalismo se opôs a essa divisão. O que ouvi no Sgt. Pepper foi imaginação e liberdade. Roberto e Erasmo eram fãs dos Beatles porque faziam parte do pop rock. Mas nós já partíamos de "A Day in the Life". O grande lance foi encontrar os Mutantes, que já soavam como os Beatles de “A Day in the Life". Eu amava a sequência das faixas em Sgt. Pepper, que se estruturavam como um filme. E ao longo dos meses ia mudando minhas preferências... mas “A Day in the Life” era a mais radical e ficou sendo a preferida. Acho que Gil partiu mais diretamente de ideias dos Beatles do que eu. De todo modo, há aquela escala descendente em “Fixing a Hole” que usamos conscientemente em "Alegria, Alegria”. E "Superbacana”tem uma harmonia calcada em “ForNoOne”, canção do Revolver que tem todo o espírito do Sgt. Pepper.
RENATO BARROS - RENATO & SEUS BLUE CAPS
Nós da jovem guarda sempre aproveitamos mais o lado romântico dos Beatles. Até pensei em fazer coisas parecidas com Sgt. Pepper, mas, naquela época, você ficava muito refém da gravadora. A gente não tinha essa liberdade toda de criar coisas novas, e quem aproveitou Sgt. Pepper, de fato, foi a rapaziada da tropicália. Com o sucesso começou a aparecer muita coisa meio mela-cueca na jovem guarda. Para nós restava a receita de sempre gravar aqueles clichês românticos.
CHACAL - POETA E DIRETOR DO CEP 20.000
Demorou até as pessoas se acostumarem àquela mutação. Havia uma sensação de “que viagem é essa?” Era um som que, assim como nas raves de hoje com o ecstasy, só funcionava bem com um baseado ou um ácido. As pessoas tomavam LSD e pegavam o LP para ver as fotos se mexendo. Vivi muito isso.
RITCHIE
Tinha acabado de fazer 15 anos e estudava num colégio interno, em Dorset, sudoeste da Inglaterra. O intervalo durava 40 minutos e Sgt. Pepper, 30. Perfeito, em todos os sentidos. Lembro da exata sensação de estar presenciando algo extraordinário, desde o primeiro riff escaldante da faixa-título até o derradeiro acorde de “A Day in the Life”. Era um retrato perspicaz, um olhar carinhoso sobre o "englishwayoflife”, tão visual, uma suíte musical em vez de uma coleção de canções. Quando cheguei ao Brasil, em 1972, os Mutantes, meus primeiros amigos brasileiros, logo deixaram claro o quanto os Beatles os haviam influenciado. Participava de longas jam sessions só de Beatles na casa dos pais de Sérgio e Arnaldo. Era nossa “senha”.
PEDRO PASSOS - GERENTE DA LOJA DE DISCOS MODERN SOUND, RIO DE JANEIRO
Foi o auge de uma época moderna. As pessoas costumavam olhar muito para a loja, e a capa do Sgt. Pepper chamava muita atenção. Era dupla, com aquele encarte... Entretanto, curiosamente, o disco mais marcante para a gente foi Help!, por causa do filme. Havia um cinema na galeria e as filas eram enormes. A gente chegou a importar algumas cópias do LP para atender o público. Os discos dos Beatles vendiam muito bem. Até mesmo quando o grupo acabou, continuaram vendendo, inclusive os discos solo.
LÔ BORGES
Eu era beatlemaníaco já fazia uns três anos, desses de ficar na porta da loja esperando sair disco novo. Meu predileto sempre foi Revolver, mas eu gosto demais de Sgt. Pepper. Ele é como uma aula, assim como os discos do Chico Buarque eram uma aula, os do Led Zeppelin, Jimi Hendrix. Mas dos Beatles eram a aula de que eu mais gostava! Nos anos 60, eu e Beto Guedes tínhamos uma banda cover dos Beatles, os Beavers. Sempre fiquei intrigado com a transição da faixa - titulo para“With a Little Help from My Friends”, quando eles anunciam o“Biiilyyy Sheeeears"e aí entra o “Billy ” — que é o Ringo, né? Para mim, soou como um convite, do tipo “entrem na banda junto com a gente!”. Eu aceitei o convite, entrei e nunca me arrependi.
CLÁUDIO WILLER - POETA ENSAÍSTA, BEAT BRASILEIRO
Eu tinha a impressão de que os Beatles nunca se repetiam. Cada disco é único — se Help! era mais lírico, mais animado, Sgt. Pepper tinha mais invenção. Pelo menos um comentarista da literatura beat, Bruce Cook, diz que os Beatles se inspiraram nesse movimento. Eu diria que a beat generation iniciou um tipo de ambiente, do anticonvencionalismo... e os Beatles fizeram parte desse ambiente de contracultura.
ALADIN - GUITARRISTA DOS JORDANS
Quando fui para Londres com os Jordans, Sgt. Pepper tinha acabado de sair, mas tudo o que eu queria era ver de perto os Shadows, que nos inspiravam muito mais. Logo no primeiro dia, fomos a um restaurante italiano. O (saxofonista) Irupê seguiu para o banheiro e voltou tentando dizer que tinha visto um sujeito “que era a cara do Ringo”. Íamos comer, quando passaram pelo salão principal três caras caminhando juntos. Um deles realmente tinha a cara do Ringo e os outros a do Paul McCartney e do John Lennon... Eram os Beatles de verdade! Eles estavam ali porque havia um laboratório logo em frente ao restaurante. Saímos correndo atrás deles. Subimos uma escada ao lado e vimos uma porta entreaberta. Batemos e John Lennon nos atendeu. Nos cumprimentou e olhou para meu braço, onde eu segurava cinco LPs dos Jordans, que ele pegou para ele. Ringo tinha ouvido versões das músicas deles feitas pelo Sérgio Mendes e queria saber como tocar bossa nova. O Foguinho, nosso baterista, tentou ensiná-lo, e sem falar inglês! Notei que eles estavam olhando slides e só depois fui sacar que era uma visita para supervisionar o próximo filme do grupo, Yellow Submarine.
GILBERTO GIL
Em 1967, (os baianos) havíamos acabado de iniciar nossa vida artística no sul, com uma disposição enorme para tudo que fosse musicalmente novo e estimulante. Por causa de Rubber Soul e Revolver, já se instalara, em muitos de nós, jovens criadores iniciantes, um senso de pertencimento a uma nova corrente da música e da cultura planetárias. Apesar dessa condição de fãs-já-quase-adeptos, o impacto de Sgt. Pepper foi muito além do esperado. O grau de inovação, invenção e ousadia embriagou a todos. O último fenômeno do tipo, para mim, havia sido Samba Esquema Novo, de Jorge Ben: encantamento, júbilo e paixão em alta voltagem. Os trabalhos de João Gilberto e Jorge Ben haviam despertado em mim fantasias e sonhos extraordinários, e agora os Beatles vinham se somar ao elenco de minhas maiores paixões. Sgt. Pepper foi o disco que lhes concedeu esse altar em meu coração.
ZÉ RODRIX
Soube do lançamento do Sgt. Pepper quando Revolver ainda estava fazendo efeito por aqui. Na época, os discos de artistas estrangeiros levavam seis meses ou mais para ser lançados aqui. Só consegui ouvir uma faixa ou outra no programa de rádio do Big Boy. Mas logo depois, rolou o Festival da Record de 1967, e Ricardo Vilas e eu nos hospedamos no hotel Danúbio. Ficamos ao lado do apartamento de Gilberto Gil e Nana Caymmi, e o disco tocava no apartamento deles o dia inteiro! Ainda que através das paredes, ouvi tudo muito bem. E ouço até hoje e a cada audição encontro novidades em todas as faixas. É um dos discos que mais me marcaram. Os Beatles fizeram o que lhes deu na veneta, sem se guiar pelo que era certo ou errado, do que vendia ou não. É um disco feito rigorosamente segundo as necessidades artísticas. Isso que é mais fascinante. É de uma liberdade criativa absurda. Deixou claro que, na música, estávamos livres para usar quaisquer meios para nos expressar, que sem liberdade e sem risco não existe arte.
ANTONIO PETICOV - ARTISTA PLÁSTICO
No dia que o disco foi lançado no Brasil, eu fiz a minha primeira exposição individual. No caminho para a galeria, parei no centro de São Paulo e vi uma loja coberta de Sgt. Pepper e comprei no ato. Toquei no vemissage, em primeira mão, o disco fresco, e as pessoas adoraram. Pela primeira vez um disco era um objeto inteiro, tinha um conceito, apesar de se poder escutar as músicas em separado. Na época, a “inteligência” brasileira via com maus olhos tudo que fosse estrangeiro. Da mesma forma que eu era roqueiro, drogado, e só fui descobrir a beleza da bossa nova anos depois, acho que a MPB só foi assimilar Sgt. Pepper depois. Porque os Beatles começaram de forma ingênua, mas foram se sofisticando, falando de coisas mais sérias...
TONY CAMPELLO – IRMÃO DA CELY CAMPELLO
O disco é importante, mas foi a gênese daquele rock mais sofisticado que nos anos 70 começou a virar erudição, com Emerson, Lake and Palmer. A alegria e a espontaneidade deram lugar a um papo cabeça. Eu até tenho Sgt. Pepper em casa, mas gosto mais da capa que do som. Ela tinha um apelo comercial e visual absurdo. Os Beatles sabiam das três coisas principais na indústria fonogrâfica: primeiro, o comércio; segundo, o comércio; terceiro, o comércio. Eu não era bem fã dos Beatles, gostava de uma coisa ou outra. John Lennon, sim, tinha cara e alma de rock’n’roll. Não o Paul McCartney, que sempre foi um chato. Quando assassinaram o Lennon, eu falei para a Folha de S.Paulo que tinham matado o beatle errado.
NENÊ BENVENUTTI – OS INCRÍVEIS
Não dá pra comparar nada com Sgt. Pepper. Nem a jovem guarda, nem o tropicalismo, nem os próprios Beatles. Aquilo foi uma viagem musical alucinógena genial, que rompeu com o comum e inovou a música pop do mesmo jeito que o fusion fez com o jazz. Aquelas melodias com arranjos tão ousados fizeram a minha cabeça.
EDUARDO SUPLICY
Há 40 anos, eu fazia pós-graduação nos EUA. O Eduardo, que é o Supla, ainda era um bebê, então ele passou a primeira idade dele ouvindo essas músicas no rádio. Quando voltamos ao Brasil, ele até formou uma banda cover dos Beatles. “With a Little Help from My Friends” é uma música de que gosto muito. Do Sgt. Pepper é a minha preferida, tenho sempre vontade de cantar junto. Sei que esse álbum tem toda uma cultura (hippie) em tomo dele, mas eu tinha filhos pequenos e estava dedicado aos estudos. O que me interessava mais eram as questões relativas ao envolvimento dos EUA no Vietnã e as manifestações, contra a guerra, de Bob Dylan e Joan Baez — que eu assistI no ginásio da universidade em San José, na Califórnia.
ERASMO CARLOS
Tenho uma vaga lembrança da época do lançamento do disco, bicho. Ele me bateu como aquela coisa lisérgica, de ficar ouvindo as guitarras ao contrário, os vocais de trás pra frente. E havia o folclore da capa, do suposto velório do Paul, tudo atraiu a atenção. Depois, fiz experiências sob influência direta do Sgt. Pepper, quando gravei “Saudosismo” (em 1970) ou quando trabalhei com Rogério Duprat (em 1971). Os Beatles eram meus contemporâneos e influenciados por Chuck Berry, o tipo de rock’n’roll que a gente gostava. Da música que eles faziam, a gente curtia o lado romântico e ingênuo, semelhante ao da jovem guarda. Mas a partir de Sgt. Pepper, quem pegou a influência deles diretamente foi o pessoal da tropicália. A jovem guarda não acompanhou... Eu até entendo os motivos. Quem quis seguir, seguiu; quem não quis, tudo bem. Não se pode ir contra o que se está sentindo.
ROGÉRIO DUPRAT
Em 1967, todo mundo já conhecia o Sgt. Pepper e, é claro, quando viram meus arranjos disseram “é esse cara aí”. Porque eu não era nem melhor nem pior do que os outros. Estávamos todos a fim disso ai. Não é que eu tenha dado aula a eles (os tropicalistas), pelo contrário. Eu aprendi pra burro com os Mutantes, com Gil, com Caetano, sobre como fazer algo popular e avançado, uma coisa na frente dos Beatles. Porque os Beatles não saberiam fazer “Panis et Circenses" por exemplo. Nenhuma peça dos Beatles era tão avançada. Quer dizer, não quero denegrir os Beatles nem nada, mas os Mutantes eram melhores do que eles.
RONNIE VON
Não vejo Sgt. Pepper como um divisor de águas, mas como a continuação de Revolver. É fascinante, mas não é "o” disco revolucionário da carreira deles. Ele simplesmente acabou sendo mais palatável do que você abrir um disco com “Taxman” e logo depois ter "Eleanor Rigby ” — algo às avessas do que nos acostumamos a escutar vindo dos Beatles. Sgt. Pepper é um disco que tem começo meio e fim, coisa que Revolver não tinha. Talvez aí esteja o segredo de ele ser uma peça mais fácil de digerir.
CARLOS ALBERTO LOPES – RADIALISTA
A verdade é que quando Sgt. Pepper chegou, quase ninguém entendeu nada por aqui. O público comprava porque era Beatles, mas entender o álbum mesmo, só umas poucas pessoas esclarecidas. O povão era muito levado pelo ritmo e pela diversão da música. O pessoal da jovem guarda, na minha opinião, não digeriu Sgt. Pepper até hoje. Acho que só os Mutantes, um tempo depois, conseguiram pegar a influência dessa nova fase dos Beatles e transformar em música boa.LANNY GORDINNa época, eu morava com meus pais, em São Paulo, e Sgt. Pepper se tornou meu disco preferido. O começo de carreira dos Beatles era a fase de “I Want Hold Your Hand” e “She Loves You”, depois subiram a escada, em que cada disco foi um degrau. Sgt. Pepper mudou a concepção que tínhamos de rock nacional e tradicional.
JÚLIO MEDAGLIA
Sgt. Pepper foi a grande resposta dos Beatles àqueles que pensavam que eles haviam caído na linearidade e no cancioneirismo redundante. Se de um lado a América mandava torpedos poderosíssimos para um novo rock com figuras como Hendrix, Janis e Zappa, de outro entrava no circuito beatle a figura de Yoko Ono. Com grande experiência em diversas áreas da vanguarda de então, ela motivou os moleques ingleses a reassumir a liderança e apontar mais uma vez o caminho da música do futuro. Sgt. Pepper era provocação musical, literária, comportamental, social, política, estética, filosófica. Motivou a música inteligente brasileira a abrir seus horizontes para milhões de novos componentes. O tropicalismo foi uma das conseqüências disso. Meu arranjo de “Tropicália” já incluía discursos, ruídos, mudanças bruscas de ideias, sonoridades não do repertório da MPB etc. Estávamos sintonizados, e as ideias explodiam dos dois lados do oceano.
JORGE BENJOR
É um disco maravilhoso, embora eu goste mais do Revolver. Mas tem o Submarino Amarelo também... O principal foi saber que, além dos quatro músicos, também havia um grande maestro ali, um arranjador.
TOM ZÉ
Foi a audição mais curiosa da minha vida. Aconteceu numa viagem que fiz com Caetano da Bahia pra São Paulo, em outubro de 1967, o disco tinha acabado de sair. Eu não ouvia muito os lançamentos, então Caetano se trancou comigo num quarto na casa do (empresário) Guilherme Araújo e foi traduzindo letra por letra, dando as informações colaterais. Fiquei muito impressionado. Na mesma noite fomos ver (a peça) O Rei da Vela — foi um dia de sargentos e reis!
LÚCIA DUARTE - VIÚVA DO DJ NEWTON DUARTE, O BIG BOY
Newton tinha as melhores conexões possíveis com a EMI internacional e com a Odeon no Brasil. Ele fazia parte do mailing vip de todas as gravadoras, nacionais e estrangeiras. E era bastante conhecido e respeitado no meio musical também fora do Brasil. Nós éramos um dos maiores mercados de discos do mundo e o Big Boy era o maior formador de opinião do mercado daqui. Ele recebeu o disco e o tocou no mesmo dia de seu lançamento na Inglaterra, 1º de junho, e um dia antes do lançamento nos EUA. Depois vieram dizer que, por causa do fuso horário, o disco acabou sendo tocado no Brasil antes mesmo de sair na Inglaterra. Foi uma consagração pessoal e profissional, como DJ, jornalista e fã.
LENO – DA DUPLA LENO & LILIAN
Eu saí de uma gravação do programa Jovem Guarda, em São Paulo, e fui a uma loja de discos na avenida São João para procurar o Sgt. Pepper — sabia que tinha acabado de sair. Vi aquela capa de plástico dupla da Odeon, ouvi um trecho na loja... Confesso que de início não gostei, achei esquisita aquela coisa de orquestra. Mas depois desbundei! Algum tempo depois, comprei o LP importado, mono — até hoje eu prefiro a mixagem mono, o som fica mais concentrado — e peguei a ponte-aérea com o disco. Sentei ao lado de dois garotos americanos, de uns 13 anos. Puxei assunto com eles e ficamos falando sobre rock. Eles vieram com um papo de “ih, Beatles já era, cara! O negócio agora é Jefferson Airplane”. Eles ainda não haviam ouvido o Sgt. Pepper. Acho que eles devem ter mudado de ideia depois...
RITA LEE
Caí de boca, como o resto do planeta. Foi um manuscrito bíblico encontrado nas cavernas patafísicas que de repente ficou ao alcance de todos que tinham sede de subir aos céus e gritar aleluia. Acho que o fato de os Mutantes terem entrado de sola na brasilidade louca do tropicalismo — que foi o momento Sgt. Pepper do Brasil — fez com que não virássemos caretas. Eu contava vantagens de ter uma música mencionando meu nome (“Lovely Rita"), cheguei até a mentir que uma época trabalhei de “meter maid”em Londres e quase multei o Paul McCartney...
ARNALDO BAPTISTA – OS MUTANTES
Gil morava no hotel Danúbio, em São Paulo, com Nana Caymmi, e nós fomos até lá porque os Mutantes iam gravar a música “Bom Dia” com Nana. Ele tinha conseguido uma fita do Sgt. Pepper. Assim que ele colocou aquilo no gravador, toda visão que eu tinha do mundo tomou-se tangível. Àquela audição culminou com o que queríamos fazer, que era a combinação de banda de rock e orquestra. Foi o disco que mais me influenciou e ouso dizer que é a melhor fase da banda. Ainda que as personalidades de cada beatle ficasse mais explicita do que nunca. O Sgt. Pepper tinha um lado polifônico inédito, de alternar sons de orquestra, vozes, de tudo quanto é instrumento, efeitos de automóveis, telefone... E fizeram isso só com oito canais! Quando visitei o (estúdio) Abbey Road, deparei com um ambiente tecnológico que permitia que os Beatles se aprofundassem em seus sonhos musicais. Entendi a estrutura que havia por trás do Sgt. Pepper e me certifiquei de que o disco foi mesmo um florescimento de tecnologia, poesia e aventura.
SÉRGIO DIAS – OS MUTANTES
Eu me lembro de estar em casa sozinho, ouvindo o disco de luzes apagadas e pirar. Cada disco dos Beatles era como se os extraterrestres descessem na Terra e fizessem uma coisa que você nunca tinha visto na vida. Cada um que vinha mudava sua vida. A porrada era tamanha que você tinha de mudar completamente seus conceitos, sua maneira de tocar. E Sgt. Pepper era e ainda é um escândalo. Os sons das guitarras, os vocais, a construção das músicas... Eu toco o disco de ponta a ponta, até os erros. Como eu e o Arnaldo vínhamos de uma família com uma formação profunda de música clássica, então a música não era tão difícil para nós. Técnicamente era até bem fácil, o desafio estava no conceito. O trecho final de "A Day inthe Life"... Lembro-me de ter mostrado a música para minha mãe, que é uma grande pianista, e ela ter ficado impressionada. Aquela progressão de orquestra é divina.
PAULO CÉSAR BARROS - RENATO & SEUS BLUE CAPS
Eu nem sou um cara 100% entendido em Beatles, o que decepciona muitos fãs do Renato & Seus Blue Caps. Acho que Sgt. Pepper representou grande mudança... mas acho que depois dele tudo ficou meio (pausa)... os Beatles começaram a viajar demais nas ideias, foi uma fase de drogas, eles começaram a discordar muito. Os primeiros anos eram mais verdadeiros, no peito. Eu assistia aos Beatles na televisão, tocando ao vivo, e via que a sonoridade era a mesma do disco, a pulsação toda. Em 1967, eles se enriqueceram musicalmente, mas tudo o que antes era feito com pura alma começou a ser destruído. As coisas ficaram mais técnicas, rolaram mais brigas, começou a individualidade. Sempre debatí muito sobre isso, porque Sgt. Pepper é uma unanimidade. Claro que eles continuaram a fazer coisas llndas, mas o som já vinha com melancolia. Eu ouvia e ficava me sentindo pra baixo.
MYLTON SEVERIANO – JORNALISTA
Não lembro de um disco ter me causado tanta estupefação — talvez quando eu descobri Mozart — quanto Sgt. Pepper. Eu já era um pai de família e o disco me impactou como se eu fosse um adolescente. Havia um racha entre meus colegas jornalistas, muitos deles abominavam os Beatles. Os mais comunistões os viam como um braço do imperialismo. Eu também vinha de uma família comunista, em casa não entrava nem chiclete nem Coca- Cola, mas tive percepção que aquilo era bem mais do que um simples produto. Depois de Sgt. Pepper, era evidente uma sofisticação geral nos arranjos do rock, vide (a Influência sobre o maestro) Rogério Duprat. Aquela foi a centelha da cultura pop no Brasil.
HÉLCIO SERRANO - DONO DA LENDÁRIA (E EXTINTA) HI-FI DISCOS, DE SÃO PAULO
Quando a edição brasileira chegou à loja, dois meses de espera depois, todo mundo percebeu que aquela era a trilha sonora para as nossas viagens de ácido. Decidi fazer uma festa à altura para comemorar o disco: vestindo uma túnica oriental prata e dourada, coloquei plantas e cadeiras no meio da rua, em frente à Hi-Fi, e botei o disco pra rodar. A loja ficava na rua Augusta, que era o centro cultural de São Paulo nos anos 6o. Uma amiga veio com o uísque e os garçons. Quem passava de moto, parava e ficava um pouco. Depois, resolvi mergulhar nessa história de influência oriental e citara. Fui para a índia e segui até o Nepal, com roupa de indiano e muito haxixe a tiracolo. Não tem como eu dizer o que me levou a gostar de Beatles ou porque eles me fizeram ir para índia. Simplesmente resolvi e fui. Sempre fiz tudo por inteiro — e Sgt. Pepper é um álbum que só se ouve por inteiro.
MAURÍCIO DE SOUZA
Gosto muito dos Beatles, mas não sou um fã como meu irmão Márcio ou alguns roteiristas que já colocaram John, Paul, George e Ringo fazendo “pontas ” nas j nossas HQs. Até por isso, em 1990, desenvolvi o projeto Beatles 4 Kids. Fomos à Inglaterra e nos reunimos com representantes do grupo. A ideia foi encaminhada para a aprovação de Yoko Ono, Paul, Ringo e George. Infelizmente, houve um veto — até hoje não sei de quem. Mas como acho os Beatles 4 Kids um projeto 4 Ever, quem sabe não tentamos retomá-lo um dia?
MANOEL BARENBEIN - PRODUTOR DO TROPICALISMO
Os Beatles eram cinco. Sem a participação de George Martin, as canções não teriam sido as mesmas, pois ele transformava as ideias dos músicos em algo vivo. Isso ajudou a dar unidade a Sgt. Pepper, coisa que não se vê nos discos de hoje. Músicas como “A Day in the Life” contam com um estilo de descrição cinematográfica, em que os efeitos sonoros contribuem para constituir uma situação. Foi essa uma das inspirações de Rogério Duprat, que fazia trilhas para cinema, ao finalizar, por exemplo, a faixa “Panis et Circensis” dos Mutantes, com a ambientação de uma sala de jantar. Quando um diretor da Philips, em 1967, veio me perguntar sobre os Mutantes, eu usei os Beatles como referência: “É um rock estilo Beatles, com humor zombeteiro, bem inglês”. Disse que acreditava naquilo e ele acabou contratando a banda. Quando completei 64 anos, botei para tocar a música “When I’m Sixty-four”para tentar compreender o que eles queriam dizer com ela. Cheguei à conclusão que no mundo de hoje não há mais lugar para o romantismo que os Beatles pregaram com sua música na década de 60.
Gosto muito dos Beatles, mas não sou um fã como meu irmão Márcio ou alguns roteiristas que já colocaram John, Paul, George e Ringo fazendo “pontas ” nas j nossas HQs. Até por isso, em 1990, desenvolvi o projeto Beatles 4 Kids. Fomos à Inglaterra e nos reunimos com representantes do grupo. A ideia foi encaminhada para a aprovação de Yoko Ono, Paul, Ringo e George. Infelizmente, houve um veto — até hoje não sei de quem. Mas como acho os Beatles 4 Kids um projeto 4 Ever, quem sabe não tentamos retomá-lo um dia?
MANOEL BARENBEIN - PRODUTOR DO TROPICALISMO
Os Beatles eram cinco. Sem a participação de George Martin, as canções não teriam sido as mesmas, pois ele transformava as ideias dos músicos em algo vivo. Isso ajudou a dar unidade a Sgt. Pepper, coisa que não se vê nos discos de hoje. Músicas como “A Day in the Life” contam com um estilo de descrição cinematográfica, em que os efeitos sonoros contribuem para constituir uma situação. Foi essa uma das inspirações de Rogério Duprat, que fazia trilhas para cinema, ao finalizar, por exemplo, a faixa “Panis et Circensis” dos Mutantes, com a ambientação de uma sala de jantar. Quando um diretor da Philips, em 1967, veio me perguntar sobre os Mutantes, eu usei os Beatles como referência: “É um rock estilo Beatles, com humor zombeteiro, bem inglês”. Disse que acreditava naquilo e ele acabou contratando a banda. Quando completei 64 anos, botei para tocar a música “When I’m Sixty-four”para tentar compreender o que eles queriam dizer com ela. Cheguei à conclusão que no mundo de hoje não há mais lugar para o romantismo que os Beatles pregaram com sua música na década de 60.
Daqui a 10 anos estaremos comemorando os 60 anos do Sgt. Pepper's.
ResponderExcluirSe Deus quiser.
É Márcio Pereira... se ainda aqui estiver vou estar comemorando meus 64 anos de vida. Vou fazer a mesma análise de Manoel Barenbeim, ouvir “When I’m Sixty-four” e assim poder sentir seus efeitos colaterais.
ResponderExcluirO interessante é que aqui no Brasil ficou clara essa divisão: a 1ª fase dos Beatles = jovem guarda; psicodelia em diante = tropicália.
ResponderExcluirÉ verdade, Júlio. E esses "tropicalistas" se acham os reis da cocada...tsc, tsc.
ResponderExcluirComprei a revista na época e achei muito fraca a materia, era muito depoimento e pouca história do disco. Mas a capa da revista ficou 100%
ResponderExcluirSgt. Pepper faz parte da trinca de ouro dos Beatles - Rubber Soul , Revolver e Sgt.Pepper. LPs fundamentais na história da musica mundial. Agora sobre Rogerio Duprat achar Mutantes superior aos Beatles é de uma arrogância muito idiota. Os Mutantes conseguiram inscrever seu nome na história e tiveram importância na história da música brasileira, No entanto, nunca passaram de uma banda de rock medíocre, com músicos e compositores no máximo medianos.Nunca foram referência nem mesmo para a geração do rock brasileiro dos anos 80. Tony Campello, esse conheci pessoalmente, e não sei porque ele sempre teve um rancor por Paul McCartney, uma especie de inveja.
ResponderExcluirTambém achei uns depoimentos meio sem graça, tipo enchendo linguiça, ficou essa divisão estranha de Jovem Guarda e Tropicalismo que prá mim foi um furo.
ResponderExcluirrealmente o Rogério falar tudo aquilo dos Mutantes e Caetano dizer algumas bobagens. depoimentos da Jovem Guarda tbm não disseram nada, o mais claro e pelo que vimos e ouvimos é do Renato Barros que com sua maestria de fazer as versões dos Beatles ainda dá para ver o início de tudo isso, mas parou por aí e depois desse álbum não fizeram mais nada de Beatles. Sobre o Tony Campelo tbm achei e continuo convicto que John Lennon era o único Beatles verdadeiro, Paul sempre foi invejoso e só fez merda, hj tenta justificar um monte de besteira que fez...basta ver que musicalmente nos filmes e épocas festivas só se ouve músicas de John Lennon... Inclusive até em épocas de Coronavirus.... Hj com 70 isso tudo me encheu o saco...
Prezado anônimo, comentários de anônimos NÃO são publicados, ok?
ResponderExcluirCliquei no meu email, o pq não sair meu nome não entendi, oq faria isso??? De QQ forma me desculpe...
ResponderExcluirAchei muito estranho Edu, não sair...
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