Depois da tragédia da morte do Presidente Kennedy que abalou os Estados Unidos (e o mundo) em 22 de novembro de 1963, a América ainda vivia dias de luto quando começou a se preparar para um verdadeiro Tsunami que vinha do outro lado do Atlântico. Aqui, a gente confere um pedacinho do livrão “Os Beatles, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos” do pesquisador e jornalista Jonathan Gould. Valeu!
A mais nova e brilhante jóia na coroa do império das comunicações dos Estados Unidos era a televisão, que, nos vinte anos desde a Segunda Guerra Mundial, crescera de novidade tecnológica a mídia de entretenimento mais popular do país. Em 1963, as três redes comerciais tinham, em sua grande maioria, abandonado o formato de comédia, variedades e dramas ao vivo que haviam caracterizado a breve “era dourada” da transmissão televisiva em favor de um rígido regime semanal de programas gravados. Como retratado na televisão, o dia americano era dedicado à intriga romântica das novelas e ao consumismo desenfreado dos game shows. A noite americana, por sua vez, se dividia entre comédias dramáticas ambientadas em subúrbios afluentes e dramas moralistas violentos, que consistiam principalmente em séries policiais e em faroestes, inseridas em qualquer contexto moderno ou histórico concebível, menos em subúrbios afluentes. O quadro era completado por coberturas ao vivo de esportes, programas de variedades em horário nobre e tarde da noite e programação diurna voltada a crianças e adolescentes. Mas a produção padrão, juntamente com os comerciais que tornavam a coisa toda possível, eram novelas, game shows, sitcons policiais e faroestes. “O sonho da violência e o fato da segurança. O sonho do fracasso e a certeza do sucesso - aqui está o centro de nossa nova comédia”, escreveu o crítico Leslie Fiedler.
Enquanto o público americano convivia todas as noites com heróis e vilões da Velha Fronteira, o país era conduzido por um presidente com predisposição à telegenia, cuja campanha se baseara na promessa de uma Nova Fronteira. John F. Kennedy foi o primeiro presidente americano nascido no século XX, o primeiro a crescer em meio ao cinema, ao rádio e à idealização cintilante dos anúncios de revistas - o primeiro presidente americano a ter a sensibilidade moldada no caldeirão da cultura de massa moderna. No jovem político que emergiu desse panorama, antigas afinidades entre o homem político e o teatral foram combinadas com efeito impressionante.
Foi a boa fortuna de Kennedy crescer na era dos filmes e do rádio e, então, concorrer à presidência no momento preciso em que a televisão, ao combinar o espetáculo de uma mídia com a intimidade da outra, emergia como o novo estágio da vida pública nos Estados Unidos. Equilibrado e nunca extravagante, Kennedy personificava o celebrado aspecto cool da mídia televisiva; como “frequentador” dela, projetava o ar de um homem que cuidava de seus interesses (de importância vital) sem atuar para as câmeras ou ignorar sua presença. Na atmosfera de crise dos primeiros dois anos de mandato, ele transformou o pronunciamento presidencial na televisão em uma tour de force teatral e a entrevista coletiva presidencial televisada em um veículo para sua personalidade. Na televisão, como presidente, Kennedy exibia inteligência ágil e sagacidade provocativa, irônica e habilmente calculadas. Com um profundo fascínio por seu próprio reflexo na mídia, a sinceridade e a confiança aparentes na habilidade em controlar o aparato da publicidade desarmavam e cativavam a imprensa. Como resultado, o presidente, sua bela esposa, os filhos pequenos, seus irmãos e irmãs e toda a sua família se tornaram a grande matéria de capa do início dos anos 1960 em revistas de circulação em massa, como Life, Look e The Saturday Evening Post.
Para os adolescentes americanos, os Beatles apareceram pela primeira vez como figuras obscuras, periféricas às atenções voltadas a esse drama nacional. Alguns teriam visto os artigos breves sobre a apresentação da banda no Royal Variety Show que saíram na Time e na Newsweek em meados de novembro, uma semana antes da morte de Kennedy. Outros, na área metropolitana de Nova York, teriam visto a matéria na The New York Times Magazine uma semana depois do assassinato - até mesmo se a atenção tivesse sido chamada por pais distraídos (“olha só quanto cabelol”) — ou lido as reportagens curtas em Vogue, Life e The New Yorker que apareceram durante o mês de dezembro. No entanto, a maioria dos adolescentes americanos não teria visto nada disso. A primeira percepção dos Beatles viria na semana de férias entre o Natal e o Ano-Novo, quando estações de rádio do país todo começaram a tocar “I Want to Hold Your Hand”. Depois do dia1º de janeiro, enquanto os estudantes retornavam do feriado natalino, o som da música no rádio era acompanhado pela chegada do disco às lojas, e a novidade dos Beatles começou a se espalhar pelas escolas dos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, enquanto a imprensa americana se ocupava em recapitular os eventos de 1963 com uma série de tributos elegíacos a John F. Kennedy, a transmissão de Jack Paar dos Beatles tocando “She Loves You” deu a inúmeros jovens o primeiro lampejo, até então, não apenas da banda se apresentando, mas também das fãs frenéticas e estridentes. Isso foi seguido, em meados do mesmo mês, pelo lançamento às pressas pela Capitol do LP Meet The Beatles. Daí até a chegada do quarteto em fevereiro, o álbum serviria de ponto focal da beatlemania nos EUA. Ao comprá-lo, como fizeram mais de meio milhão de pessoas na primeira semana depois do lançamento, os fãs se sentiam afirmando sua participação no fenômeno da beatlemania. Na capa, a fotografia sombria de Robert Freeman estava em sintonia providencial com o clima contemporâneo no país (“rir em público, se puder, em vez de se preocupar ou chorar sozinho, é o que está na moda”, aconselhou de maneira infeliz a revista Seventeen às leitoras na edição de janeiro). Muita coisa podia ser interpretada a partir da meia-luz obscura da capa do álbum: tons de empatia, sensibilidade e, acima de tudo, uma sensação algo estranha de mistério. As notas que a Capitol Records acrescentou à contracapa descreviam os Beatles como “a maior e mais quente sensação da história do showbiz inglês”. Músicos que desfrutassem desse tipo de sucesso deveriam estar, na verdade, sorrindo. Mas foi a foto da capa que cativou os jovens, com a implicação de que havia um outro lado nessa música e no sucesso que viera com ela. Quem eram eles? De onde vinham? E por que chegavam a nós agora?
Ao mesmo tempo, enquanto a imprensa americana se ocupava em recapitular os eventos de 1963 com uma série de tributos elegíacos a John F. Kennedy, a transmissão de Jack Paar dos Beatles tocando “She Loves You” deu a inúmeros jovens o primeiro lampejo, até então, não apenas da banda se apresentando, mas também das fãs frenéticas e estridentes. Isso foi seguido, em meados do mesmo mês, pelo lançamento às pressas pela Capitol do LP Meet The Beatles. Daí até a chegada do quarteto em fevereiro, o álbum serviria de ponto focal da beatlemania nos EUA. Ao comprá-lo, como fizeram mais de meio milhão de pessoas na primeira semana depois do lançamento, os fãs se sentiam afirmando sua participação no fenômeno da beatlemania. Na capa, a fotografia sombria de Robert Freeman estava em sintonia providencial com o clima contemporâneo no país (“rir em público, se puder, em vez de se preocupar ou chorar sozinho, é o que está na moda”, aconselhou de maneira infeliz a revista Seventeen às leitoras na edição de janeiro). Muita coisa podia ser interpretada a partir da meia-luz obscura da capa do álbum: tons de empatia, sensibilidade e, acima de tudo, uma sensação algo estranha de mistério. As notas que a Capitol Records acrescentou à contracapa descreviam os Beatles como “a maior e mais quente sensação da história do showbiz inglês”. Músicos que desfrutassem desse tipo de sucesso deveriam estar, na verdade, sorrindo. Mas foi a foto da capa que cativou os jovens, com a implicação de que havia um outro lado nessa música e no sucesso que viera com ela. Quem eram eles? De onde vinham? E por que chegavam a nós agora?
Gostei.
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