terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

THE BEATLES EM WASHINGTON - BOB SPITZ


Aqui, a gente segue com a leitura do do livrão "The Beatles - A Biografia", de Bob Spitz, com outra parte capítulo "Era Uma vez na América" – iniciada há dois dias, nas postagens sobre a apresentação no Ed Sullivan. Agora, os Beatles estão em Washinton D.C. – foram de trem, debaixo de neve. Como já sabemos, no Coliseum, eles arrebentaram e estavam bem radiantes durante e depois do espetáculo. Infelizmente, na festa da embaixada, uma idiotinha estragou tudo. Vamos conferir?
O Washington Coliseum era o maior lugar em que já haviam tocado, um antigo ginásio de 18 mil lugares no centro da cidade, que sediava principalmente lutas de boxe e jogos de hóquei sobre o gelo. Brian não os havia preparado para o tamanho do lugar, tampouco havia dito alguma coisa sobre o palco incomum. A estrutura tinha sido mon­tada como para uma luta de boxe, o que significava que tocariam em uma plataforma no meio de um círculo, uma disposição que exigiria a movimentação dos equipamentos a cada poucas músicas.
O espetáculo foi aberto por três atrações que aqueceram a plateia: um grupo britâ­nico chamado Caravelles; o velho amigo Tommy Roe, companheiro da primeira turnê no Reino Unido; e as Chiffons*. Os planos dos Beatles de assistir ao número das garotas foram descartados quando Murray the K apareceu sem avisar, determinado a transmitir seu pro­grama do camarim deles. Foi quase um alívio quando chegou a hora de tocar. *George foi processado e condenado em 1986 a pagar uma indenização de 587 mil dólares à Bright Tunes - seu sucesso solo “My Sweet Lord” (1970) teria infringido os direitos autorais da canção “He’s Só Fine”, das Chiffons.
Na maioria dos auditórios circulares, os artistas entram em cena por tú­neis subterrâneos, mas ali, devido ao rinque, era impossível chegar ao palco sem marchar entre a plateia. Então, Harry Lynn, o produtor, mandou três DJs com pe­rucas-Beatles irem distrair a multidão, enquanto os rapazes, cercados por qua­renta seguranças, passavam rápido pelo corredor sob uma ensurdecedora rajada de gritos. Uma explosão ofuscante de flashes banhou o ginásio de luz. E, então, ou­tra onda de gritos, mais altos e mais descontrolados ecoou pelas paredes. “A reação da plateia foi impressionante”, Paul comentou sem fôlego alguns minutos após o show, classificando aquela como “a recepção mais espetacular que já ouvi na vida”. Logo que chegaram ao palco, os Beatles souberam que aquela não seria uma apresen­tação qualquer. A atmosfera era elétrica e vagamente perigosa, com um público infla­mado que fazia lembrar lugares como o Wilson Hall, em Garston. Destemidos, eles se acomodaram em um palco do tamanho de um selo postal, com fãs transbordando pelas beiradas. 
Era como uma “corrida de obstáculos” em meio a braços que tentavam agarrá-los e cabos que serpenteavam pelo chão. Ringo se equilibrava precariamente em cima de uma plataforma circular que, sob circunstâncias ideais, deveria ter funcionado como base para a sua bateria. Os amplificadores, empoleirados, ameaçavam tombar sob a menor provocação.
“Boa-noite, Washington!”, gritou Paul ao microfone, dando tempo para os outros ligarem os instrumentos e tomarem fôlego. Uma equipe de filmagem estava gravando o espetáculo para futura transmissão por canal fechado, e desde os primeiros acordes de “Roll Over Beethoven” a plateia — adoles­centes na maioria ficou ensandecida. Várias dezenas de policiais contornavam o palco, observando a plateia com apreensão, para logo entrar em ação, agarrando fãs que ten­tavam pular sobre o conjunto. “Todos os ingredientes da Beatlemania estão aqui em Wa­shington”, relatou a NME, incluindo, como a publicação notou, “o arremesso de confeitos ‘feijõezinhos’ e jujübas” — não as jujubas macias e moles da terra natal, mas suas primas americanas, mais duras, chamadas de “jelly babies”. “Naquela noite, nós fomos exatamente fuzilados por aquelas malditas coisas”, lembrou George. “Para piorar as coisas, estávamos em um palco aberto para todos os lados, então elas nos atingiam de todas as partes [...] saraivadas de miniprojéteis duros como pedras chovendo sobre a gente”.
No fim das contas, isso não fez a mínima diferença para a qualidade do espetá­culo. A apresentação dos Beatles naquela noite foi iluminada por algo especial, vindo de dentro. Eles tocaram com a intensidade eletrizante, anfetaminada vista pela última vez em Hamburgo, indo muito além das usuais apresentações eficientes e rigidamente controladas. “Ringo, em particular, tocou feito um louco”, escreveu Albert Goldman, “revelando um fogo que ninguém suspeitava existir sob seu estilo discreto”. Era menos um menosprezo pela habilidade de Ringo do que a revelação do poder implícito contido em seu estilo enérgico e Consistente. Algo primitivo o dominou transformando cada impulso, cada batida, em energia pura. Seus braços sacolejavam febrilmente e sua cabeça sacudia com um balançar demoníaco, fazendo-o parecer, por vezes, convulsivo e, por outras, dinâmico e hercúleo.
Nem importava que “a acústica fosse horrível” ou que o equipamento tivesse de ser apressadamente ajustado depois de cada música. Nem isso, em nenhum momento, interrompeu a fluidez ou a tensão contagiante que se espalha­vam pelo ginásio. Durante a última música, uma versão fantástica e banhada de suor de “Long Tall Sally”, a plateia manteve-se de pé, gritando descontroladamente em um único e ensandecido urro.
Depois, os Beatles ficaram atordoados de exaustão e euforia. Ringo, em especial, estava encantado com os fãs. “Eles poderiam ter me rasgado em pedaços e eu não me importaria”, disse nos camarins, encharcado de suor. O show durou apenas 28 minutos.
Os Beatles não ficaram para nenhum tapinha nas costas de última Hora. Ao contrário, foram rapidamente levados para a embaixada britânica, a alguns quilômetros do ginásio, onde uma festa regada à champanhe e um baile de máscaras beneficente em sua honra os espe­rava. Esse era exatamente o tipo de coisa que eles evitavam rotineiramente, festas cheias de engomadinhos e de outros tipos refinados que os viam como uma novidade a usufruir. A em­baixada estava lotada de diplomatas britânicos bem-vestidos e suas famílias, a quem os Beatles ofereciam um lampejo muito bem-vindo de orgulho nacional. Bandejas de comida refinada se estendiam de um lado ao outro do salão de festas. Quando os rapazes fizeram sua entrada descendo por uma grandiosa escadaria em forma de cisne pata a rotunda, todos os presentes se voltaram para recebê-los. Foi um gesto extremamente simpático. O embaixador britânico, Sir David Ormsby-Gore, mostrou-se agradável e hospitaleiro, e chegou a rir quando Ringo, que o olhou de cima a baixo, perguntou: “Então, o que o senhor faz?”
Mas, afinal, era uma festa da embaixada, uma ocasião bastante pomposa e que nem de longe tinha o tipo de público que agradava aos rapazes. Disseram a eles que seria uma “festinha tranquila” para os atribulados funcionários da embaixada, mas o prédio estava tomado por uma multidão agressiva e antipática — “uma porção de deslumbrados metidos”, como George Martin os descreveu. “As_ pessoas nos focavam quando passavam por nós”, relembrou John, nada contente com a situação. Segundo Ringo, foi como se os Beatles esti­vessem em exposição, “como num zoológico”. Paul fez o máximo para “trocar gentilezas” com os convidados, mas aquilo foi demais até para ele. Quando uma “mulher levemente bêbada” o envolveu com os braços e quis saber seu nome, Paul, respondeu: “Roger. Roger McClusky Quinto”, antes de se esquivar. 
Naquela noite foi Ringo quem, imitando ironicamente o sotaque da aristocrática faculdade de Eton, conseguiu convencer John a não fazer uma cena enquanto anunciava os vencedores da rifa da embaixada, desafiando os ganhadores a trocar suas cópias autogra­fadas de Meet The Beatles por uma de Frank Sinatra. No entanto, durante o desenrolar do sorteio, uma debutante se esgueirou por trás de Ringo e cortou um chumaço de seu cabelo com uma tesourinha de unhas. Aquilo já era demais. Ringo virou-se e disse: “Que diabo você acha que está fazendo?” Ele estava furioso, totalmente fora de si. “Este pessoal aqui é aterrorizante — muito pior que as fãs”, ele espumou. John rumou para a porta, balbuciando xingamentos, com Ringo logo atrás dele, pedindo um táxi. Foi o melhor que puderam fazer para evitar uma cena. “Eles estavam muito tristes”, lembrou o fotógrafo Harry Benson, que fazia parte da comitiva dos Beatles. “John, em particular. Eles não ficaram enraivecidos. Estavam humilhados”.

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