sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ARQUIVOS DO FUNDO DO BAÚ - PAUL McCARTNEY

Depois de algum tempo, está de volta nossa coluna "Tesouros do Fundo Do Baú", desta vez, com uma matéria sobre Paul McCartney publicada na saudosa revista Som Três de maio de 1980. Espero que gostem. Abração! Não deixem de conferir as outras matérias dessa coluna no link: http://arquivosdoobaudoedu.blogspot.com/


UM RICO SENHOR QUE NÃO QUER AS DORES DO MUNDO
Paul McCartney corteja a meia-idade com solene desprezo pelas grandes responsabilidades

Por RAY COLEMAK - Fotos: KEYSTONE
A cuidadosa dieta vegetariana não conseguiu deter o crescimento e a flacidez da barriga. É ainda pequena, mas progride a pouca quantidade de inconvenientes cabelos brancos e melancólicas rugas. Afinal, não há milhões de discos vendidos, fama lendária ou condecoração da Rainha Elizabeth que impeça um homem de envelhecer, mesmo que ele se chame Paul McCartney.
Com 37 anos e quatro filhos (uma adotiva), Paul não é mais o sonhador adolescente que secretamente idealizava formar com John Lennon uma dupla de composição tão famosa e importante quanto Rodgers e Hammerstein. Finda a deificação beatlemaniaca, estabelecido o nome e a reputação de seu novo grupo, Wings, McCartney tornou-se, antes de ídolo juvenil e ex-mito, o que, por justiça, é mérito apreciável, um astuto homem de negócios, dono da maior editora independente de música e responsável pela maior operação de transferência de copyrights de que se tem noticia. Provavelmente foi sua a mais polpuda declaração de renda de pessoa física na Inglaterra, cerca de 52 milhões de dólares. Além do catálogo dos Beatles, ele detém os direitos autorais do falecido Buddy Holly (que transfere diretamente à viúva) e reparte os lucros de clássicos como Stormy Weather, Autumn Leaves e Grease.
Além disso, de todos os ex-Beatles - adjetivo do qual jamais se livrarão - ele é o único a manter-se plenamente ativo, prolífico e bem-sucedido. Enquanto George Harrison refulge ocasionalmente com pouca intensidade e Ringo Starr apega-se com unhas e dentes a uma pobre carreira cinematográfica, John Lennon sequer se permite voltar ao trabalho, buscando a vida em família que jamais teve. No entanto, McCartney disputa vendagens e lotações com o mesmo vigor de sempre - seu mais recente álbum, Coming Up, e o compacto de mesmo titulo são sucesso em todo o mundo - e consegue ainda chegar com facilidade às primeiras páginas com mais frequência e destaque do que os próprios e incessantes rumores de reunião dos Beatles.
Recentemente, em janeiro, Paul apareceu nas manchetes, detido no aeroporto de Tóquio com 220 gramas de maconha. Não foi a primeira vez que teve problemas com a polícia por posse de drogas (antes, casos semelhantes ocorreram na Inglaterra e na Austrália). Mas dessa vez tratava-se da família McCartney chegando com os Wings ao Japão para apresentações esperadas desde o tempo dos Beatles. E agora ele estava com 37 anos e quatro filhos a tiracolo. "Tínhamos voado de Nova Iorque para Tóquio", disse ele meses após sua prisão, "e eu podia escolher entre jogar tudo fora e ser tolo o bastante para pôr a erva em minha mala. Mas, por alguma razão, não imaginei que não seria assim tão fácil levá-la para dentro do Japão. Culturas diferentes. Na hora que descobriram tudo, no aeroporto, imediatamente pensei: burro, pateta! Embora eu achasse que não estava cometendo crime algum, esquecera que aquilo poderia significar até sete anos de trabalhos forçados." Quando foi notificado da sentença máxima, ele conta que a primeira reação foi "começar a suar, por dias a fio. Na primeira noite, não dormi, na segunda tive uma tremenda dor de cabeça. O corpo da gente passa a refletir e dominar todas essas reações. Mas, de certa forma, foi bom porque reduzi o cigarro e fiz bastante exercício. Aliás, era a única coisa que poderia fazer, pois não tinha papel, lápis, nem instrumento". No fundo, o incidente serviu para lembrá-lo do próprio Palácio de Buckingham. "Nada disso teria tanta repercussão se eu não fosse uma figura pública. Quando a gente começa a sentir-se responsável, vira o próprio establishment. Na época em que tornei-me MBE (Membro da Ordem do Império Britânico) poderia ter-me transformado numa figura extremamente caridosa e fazer coisas como visitar o Duque de Edimburgo e participar de campanhas de segurança nas estradas. Mas sou apenas eu mesmo e estou tentando cuidar de minha vida. Se me envolvo em pregações que não me interessam particularmente e sinto-me responsável por isso ou aqui­lo, então não posso ser eu mesmo. Jamais gostei de autoridade. Cada um faz seu julgamento. Não quero ser ou sentir-me responsável. Afinal, entrei nisso tudo por causa da música e não para ser uma figura pública." Os outros Beatles não parecem partilhar a mesma opinião em relação a McCartney. Para os três, Paul era o que mais cortejava a fama e por ela tudo faria, nem que isso significasse adaptar-se constantemente para tirar todo o proveito possível de novas tendências musicais. Até hoje ele tem fama de ditador, o que fica evidente em seu novo LP, no qual compôs e executou todas as faixas sozinho. Mas, para ele, a intransigência não era exclusividade sua. "Os Beatles tiveram chances de ser totalmente irresponsáveis e pequenos Hitlers" - é a sua versão - "Mas veja bem o que pregávamos" - continua, recuperando a candura" - paz e amor. Nunca foi o oposto. Sempre tentávamos dizer o que considerávamos certo. Quando perguntavam nossas opiniões sobre, digamos, maconha, seria muito fácil mentir. Mas isso seria hipocrisia, se tínhamos chegado até ali tendo como base nossas próprias idéias. Se eu tivesse pensado cientificamente a respeito do que gostaria de fazer na vida, talvez jamais tivesse chegado à música. Talvez achasse que seria melhor virar professor".
No entanto, Paul terminou por firmar-se exclusivamente na música. Em vez de empregar seu dinheiro em terras ou na indústria, preferiu investí-lo na compra de copyrights e cuidou da continuação de sua carreira quando os Beatles se separaram, em 1970. "O Wings formou-se apenas porque na época eu me preocupava se seria apenas uma ex-lenda. Perguntei a George e a Ringo sobre seus planos, se achavam que deveríamos voltar a trabalhar juntos e eles disseram que, sim, talvez, mas era preciso dar mais tempo a John. E o tempo foi passando e nada acontecia. Então decidi que não iria ficar sentado, lamentando não poder fazer nada."
Esperava-o a dura tarefa de manter-se imune à destruição de um império que muito contribuíra para construir, um fato confirmado até hoje quando uma compilação de gravações suigeneris do grupo - como I Wanna Hold Your Hand em alemão - chega a postos altos nas paradas inglesas e americanas e reativa toda a fervilhante cadeia de fã-clubes ainda existentes e fiéis em todo o planeta. Para Paul, como para George, tudo deveu-se a uma felicíssima combinação de elementos isolados: "Éramos bons músicos, a época era certa e a gravadora nos ajudou bastante. O resto era pura loucura e diversão."
Talvez ainda seja difícil para Paul - e para os outros três ex-Beatles - levantar-se todos os dias, olhar-se no espelho e deixar de lembrar-se de quem foi há pouco menos de 10 anos. É virtualmente impossível viver dia após dia lutando contra a memória, mas mesmo assim Paul tenta fingir que os Beatles são tão irreais e ancestrais que sequer pertenceram à sua geração. Ele sequer tem a coleção completa dos discos do grupo e, por vezes, passa longos períodos sem ouvir suas gravações daquele tempo: "Só ouço quando ligo o rádio" explica. E, frequentemente, é obrigado a discorrer, pela enésima vez, sobre sua conhecida e bem fundamentada tese: "Por que os Beatles Jamais Voltarão".
Os rumores de um possível concerto dos Beatles surgiram justamente quando morreram os últimos acordes da derradeira apresentação do grupo em 1966, em São Francisco. Desde então, empresários vêm tentando persuadir os quatro a concordar com uma única milionária reunião. E por mais que se estendam sobre as feridas do mundo que poderiam ser curadas com esse show, por mais que evoquem o Cambodja e os boat-people, os Beatles não voltam. Por razões simples, diretas e incontestáveis. Em primeiro lugar porque seria preciso meses de ensaio para que os quatro recuperassem parte da afinidade, da intimidade, da coesão de anos passados; em segundo, porque não querem desafiar o destino e arriscar uma reputação estabelecida numa época diferente. Além disso, não lhes atrai a idéia de serem vendidos como peças de museu; em terceiro, porque, com a exceção de McCartney, os outros ex-Beatles perderam todo o apetite que tinham por apresentações ao vivo.
E é justamente por isso que, cada vez mais, que McCartney distancia-se do mito Beatles e, quando se refere ao grupo, fala dele com seguro afastamento. Mas com ternura: "Queríamos fazer muitas, muitas coisas mesmo, e éramos sedentos de tudo. Era quase uma questão de cuidado que o seu sonho pode tornar-se realidade. Nosso sonho era chegar ao topo e conseguir mais do que qualquer pessoa tivesse conseguido antes. E acredite, conseguimos".
"Antes dos Beatles dizíamos que, quando tivéssemos sucesso, o ganho serviria para nos libertar, para permitir que estabelecêssemos nosso próprio modo de vida sem que ninguém interferisse. E acho que foi isso que John conseguiu, ser um pai de família, cuidar do filho e da mulher, sem se perturbar com o que possam esperar dele. Eu não. Sempre acho que preciso ir em frente, que preciso continuar".

4 comentários:

  1. Putz ! , que materia muito boa essa,legal que dá uma boa perspectiva na época de como as coisas estavam e que muito seria avaliada caso aquele dia nefasto de 08/12/80 não acontecesse !!!!

    Valeu Edu !!!!

    Abraço e Hare !!!

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  2. Exatamente Valdir.E nesse quesito o BAÚ é inimitável.E eu fico incrível!(como diz o matuto).

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  3. Obrigadão, meus amigos! Muito bom demais ler, pegar, rever, chorar e relembrar, tanta saudade que eu tenho de um tempo que faz tempo passou... Me desculpem se parecer pretencioso, mas MEUS BEATLES SÃO FOREVER! Até o fim! De onde veio isso, tem muito mais! Amigo JC: Vou colocar um vídeo em HQ do Renato com os "The Originals" com o megasucesso 'Menina Linda', que os Beatles fizeram uma versão depois que ouviram RENATO & SEUS BLUE CAPS. Espero que goste, abração! Rs.. de verdade!

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