segunda-feira, 24 de novembro de 2014

VEJA BRASÍLIA - ESPECIAL PAUL McCARTNEY

Por Carol Pascoal
Naquela manhã do dia 6, o senhor inglês de 72 anos acordou cedo para preparar o café da manhã e levar sua filha de 11 anos à escola. Poderia ser o início de uma rotina trivial e pacata, semelhante à de milhões de pessoas. Mas, em algumas horas, ele largaria o papel de cidadão comum, assumiria o posto de lenda da música e me ligaria com o objetivo de falar sobre seus feitos e a turnê que trará ao Brasil. Do outro lado da linha, a inconfundível voz, já marcada pelo tempo, se apresentou (como se fosse necessário): “Aqui é Paul McCartney”. Quando questionado se era preciso chamá-lo de sir, título que recebeu da coroa inglesa em 1997, o carismático cantor, compositor e multi-instrumentista caiu na risada: “Não, pode me chamar de rei”. Sem dúvida, essa é uma das muitas estratégias que sua majestade desenvolveu para tirar a tensão das pessoas que entram em contato com ele: um ex-beatle.
Desde 2010, McCartney veio todos os anos ao Brasil para se apresentar. Contemplou cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis, Recife, Belo Horizonte, Goiânia e Fortaleza. Antes disso, ele só havia realizado dois espetáculos por aqui, no Rio (1990) e na capital paulista (1993). Agora, finalmente, chegou a vez de Brasília, onde ele fará sua estreia no domingo (23), dentro do Mané Garrincha. Em tempos nos quais a indústria musical e a venda de discos não proporcionam grande retorno financeiro aos artistas, é preciso manter uma intensa agenda de shows. “Enquanto as pessoas tiverem interesse por ouvir música, alguém estará compondo e se apresentando. É aí que eu entro”, diz Macca (apelido entre os fãs), que permanece cerca de três horas no palco, se reveza entre inúmeros instrumentos — baixo, piano, guitarra, uquelele, entre outros — e chega a interpretar quase quarenta canções numa noite sem demonstrar cansaço. O repertório costuma ter 25% de canções da carreira-solo, 25% de músicas do Wings (banda que formou em 1971 com a então mulher, Linda McCartney) e a fatia restante é destinada a pérolas do grupo formado pelos quatro eternos rapazes de Liverpool: Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr.
Pode ser que o prazer de estar em cima do palco sobressaia ao negócio, mas os números da atual turnê de McCartney, Out There, são grandiosos. Segundo a revista americana Billboard, o tour — iniciado em maio de 2013 — já faturou 165 milhões de dólares com a venda de 1,2 milhão de ingressos num total de 46 shows.
Nos dias 10 e 12, as cidades de Vitória e Rio de Janeiro, respectivamente, abrigaram apresentações do artista. Agora, ele e a banda que o acompanha há mais de dez anos — formada por Paul “Wix” Wickens (teclados), Brian Ray (baixo e guitarra), Rusty Anderson (guitarra) e Abe Laboriel Jr. (bateria) — passam por Brasília e, depois, São Paulo. Junto, vão uma equipe de 320 profissionais (desses, 280 são brasileiros), 42 carretas, uma estrutura metálica de montagem que pesa cerca de 150 toneladas e 150 caixas de som com potência total de 200 000 watts.O show de Brasília será o terceiro espetáculo internacional sediado no novo Mané Garrincha, depois de apresentações da cantora Beyoncé e da banda Aerosmith. Na terça (25) e na quarta (26), Paul McCartney sobe ao palco de 70 metros de largura montado no Allianz Parque, na Zona Oeste da cidade de São Paulo. “Os shows no Brasil têm essa mistura de gerações na plateia que resulta em um clima de festa de família. É claro que me surpreende o fato de que pessoas da minha idade e crianças sejam tocadas por aquelas canções”, anima-se o ex-beatle, que, durante o espetáculo, é elevado a 8 metros quando canta Blackbird.Mesmo com uma rotina agitada, o inglês encontra tempo para se dedicar a causas em que acredita, como o projeto Meat-Free Monday (Segunda-feira sem Carne; Paul é vegetariano), além de se esforçar para ser presente como pai (ele tem cinco filhos), marido (casou-se pela terceira vez, em 2011, com a milionária americana Nancy Shevell) e avô (são oito netos). O astro sempre comparece à primeira fila dos desfiles da filha Stella McCartney, por exemplo. “É um alívio poder fazer algo cotidiano como outra pessoa qualquer”, diz, como se encontrasse nisso uma maneira de equilibrar os dois mundos em que vive. Desacelerar, contudo, não está nos seus planos. “Se alguém não gosta do emprego e vai atrás da aposentadoria, eu entendo. Tenho a sorte de o meu trabalho ser o meu hobby, então eu continuaria tocando mesmo se estivesse aposentado”, conclui. Só faltou soltar um “let it be”.
Devo chamá-lo de Sir?
Não, pode me chamar de rei (risos).
Durante a atual turnê, o senhor precisou cancelar alguns shows devido a uma bactéria. Como se sentiu com a pausa?
As pessoas estavam preocupadas comigo. Foi muito engraçado, porque os médicos disseram que eu teria de descansar por seis semanas, então elas vinham me falar: “Caramba, você vai odiar esse período, você gosta tanto de trabalhar e viajar”. Eu respondia que amo trabalhar, mas prefiro descansar. Tive tempo de ler e entrei em estúdio para me divertir um pouco. Aproveitei o período de descanso e foi brilhante.
Como é viver no tempo em que a venda dos discos não garante a sobrevivência do artista?
O panorama mudou muito desde que entrei no negócio, mas o mais interessante é que isso não me afeta diretamente. Enquanto as pessoas tiverem interesse por ouvir música, alguém estará compondo e se apresentando. É aí que eu entro. Esse é o meu trabalho. Não importa a maneira como o material é distribuído. Se é em vinil, CD, fita cassete ou download, não faz nenhuma diferença para mim. A minha satisfação é que as pessoas gostem do conteúdo.
Há alguns anos, o Radiohead deu aos consumidores a oportunidade de escolher quanto gostariam de pagar por um álbum. Caso os Beatles fizessem algo semelhante, quanto acha que os fãs aceitariam pagar hoje por obras como Abbey Road?
Eu não faço ideia. Mas acho que, no mínimo, uns 2 dólares (risos).
Ainda se espanta ao ver como as novas gerações continuam se encantando com os Beatles? 
Eu e a banda notamos muito essa variação de idade durante a turnê. Vemos pessoas que cresceram com aquela música, jovens que ouviram por causa dos pais e dos avós e crianças que estão tendo um primeiro contato com aquele som. As músicas ainda soam frescas e atuais, e eu não sei o motivo disso. Os shows no Brasil, por exemplo, têm essa mistura de gerações na plateia que resulta em um clima de festa de família. É claro que me surpreende o fato de que pessoas da minha idade e crianças sejam tocadas por essas canções.
Ainda ouve o material do grupo?
Eu ouço as nossas músicas da mesma maneira que escuto outros artistas. Gosto da maioria das canções que fizemos. A única diferença entre ouvir Beatles e as outras bandas é que as nossas músicas me trazem muitas recordações. Lembro da gente em estúdio e da minha convivência com os outros caras (John, George e Ringo)criando essas músicas. Continua sendo empolgante escutar o material. Para mim, ouvir as canções dos Beatles é como tornar John e George vivos novamente.
O senhor tem uma filha de 11 anos, Beatrice, e também possui netos. Como eles lidam com o fato de conviver com um astro?
As crianças não me aborrecem com isso, elas não enlouquecem pelo fato de eu ser Paul McCartney. A minha filha e os meus netos gostam das músicas dos Beatles, mas também têm seu gosto pessoal. Eles me chamam de papai e vovô e muitas vezes me mandam calar a boca, porque querem simplesmente ver televisão.
Como separar o artista do pai, avô e marido?
Isso é algo que eu preciso fazer. É como viver em dois mundos ao mesmo tempo, e acho ótimo que eu consiga encontrar o equilíbrio entre eles. Seria entediante ter de escolher e viver para sempre apenas uma das vidas que tenho. Nesta manhã, eu fiz o café e levei a minha filha caçula à escola, assim como qualquer pai. Converso com os professores e com os pais dos outros alunos da forma mais natural possível. É um alívio poder fazer algo cotidiano como uma pessoa qualquer. O outro lado é que em breve vou ao Brasil para fazer a turnê, subir no palco, cantar, tocar guitarra e tudo aquilo. Eu sou sortudo por ter esses dois lindos lados.
Qual a diferença de tocar rock aos 18 e aos 72 anos?
A única diferença é que naquele tempo eu não era conhecido e agora sou. Continua sendo tão divertido ou até mais divertido do que era antes, porque hoje o público sabe a minha história. No começo, você se esforça para mostrar quem é.
Os seus shows têm quase três horas de duração. Como se prepara?
É mais simples do que as pessoas imaginam. Faço ginástica, mas nada em exagero. Acho importante sempre estar presente na passagem de som ao lado da banda, porque isso nos dá uma química. O grande segredo é que amo subir no palco, então não tenho de pensar muito a respeito. Eu me divirto ficando aquele tempo todo ali em cima. Penso nos shows como uma festa. Se você perguntar a alguém como aguenta dançar sem parar numa festa durante três horas, essa pessoa responderá que é porque a festa e a música são boas. É isso.
Em algum momento o senhor pensou “estou ficando velho, e agora”?
Acho que todo mundo que passa dos 30 anos pensa nisso. Até gente com 25 deve pensar no assunto. Mas envelhecer não é algo que me chateia. A única diferença é o tempo de vida mesmo. Enquanto eu estiver saudável, feliz e tiver bons amigos e família, isso não vai me incomodar. 
Pensa em se aposentar?
Quando eu fiz 65 anos, achei que aquela era a idade da aposentadoria. Mas pensei: se as pessoas gostam e eu continuo me divertindo nos shows, por que parar? Se alguém não gosta do emprego e vai atrás da aposentadoria, eu entendo. Tenho a sorte de o meu trabalho ser o meu hobby, então eu continuaria tocando mesmo se estivesse aposentado. Atualmente, eu procuro descansar um pouco mais, porém ainda amo o que faço.
Caso não tivesse feito parte dos Beatles, como acha que seria a sua vida?
Eu seria um leiteiro, definitivamente. Iria de porta em porta vendendo leite nas casas. Eu também poderia ser um professor de inglês, mas prefiro o emprego que escolhi.

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