Em 1956, o cineasta Conrad Rook, então apenas um garoto rico (o pai foi um dos fundadores da Avon, a empresa de cosméticos), caminhava pela Rua 57, em Manhattan, quando esbarrou, quase literalmente, com um indiano baixinho, carregando uma imensa case com uma cítara. Era Ravi Shankar. Rook, e mais umas 60 pessoas, tinha acabado de assistir a um dos primeiros concertos de Shankar nos EUA. Puxou conversa com ele, e tornaram-se amigos. Foi através de Conrad Rook, que o mestre da cítara e da música clássica indiana conheceu jazzmen como John Coltrane, os integrantes do Modern Jazz Quartet, e Bud Shank, com quem dividiria um álbum. Mas seu trabalho continuou por muito tempo restrito a um pequeno número de pessoas interessadas por filosofia e religiões orientais, muitos influenciados pelos escritores da geração beat. Dez anos mais tarde, Conrad Rook, depois de viajar pelo mundo, se tornar um junkie, se livrar das drogas, dirigiu o primeiro filme. Desdenhou-se na época o trabalho como mera terapia ocupacional de um milionário. O filme, Chappaqua, no entanto, acabou como um clássico da contracultura. A trilha foi assinada por Ravi Shankar, e saiu em disco há 50 anos, quando a música erudita indiana, e instrumentos como a cítara e a tabla começavam a ser adotados na música pop por influência dos Beatles.
Simples artifício sonoro para dar um tom exótico ao filme Help (1965), dos Beatles, a curiosidade de George Harrison o levou a adquirir uma cítara, e começar a explorar o instrumento. A cítara foi incorporada à música do grupo no álbum Rubber Soul, na faixa Norwegian Wood (também de 1965), depois pelos Rolling Stones, em Paint it Black (1966), e disseminou-se pelas bandas europeias e americanas(e de outros continentes. Sons orientais no ocidente não eram exatamente uma novidade. Estavam em experiências sonoras de compositores eruditos de vanguarda como Terry Riley. Em 1955, o citarrista Ali Akbahr Khan, cunhado de Ravi Shankar, gravou com Yehudi Menuhin, o álbum Music of India. Morning and Evening Ragas. O pessoal do jazz, desde os anos 50, levava a música e a filosofia indianas mais a sério. O saxofonista John Coltrane foi talvez o que mais se aprofundou em ambas. Sua admiração por Ravi Shankar o levou a dar o nome do citarrista indiano ao seu filho, o hoje também saxofonista Ravi Coltrane. Em 1960, o guitarrista folk inglês Davey Graham misturou folk, blues, jazz e raga, foi certamente o primeiro a botar estes elementos musicais no mesmo caldeirão. Em abril de 1966, os Beatles trabalhavam em Revolver, no estúdio 1, da EMI, em Abbey Road. Por este tempo, a cítara já fazia parte do arsenal de instrumentos de George Harrison, que estudou, na India, com Ravi Shankar. O resultado do aprendizado está em duas faixas de Revolver: Tomorrow Never Knows (sobretudo no conceito, ou no drone, comum à música indiana) e em Love You To, George Harrison empreende a primeira tentativa de compor uma canção pop numa escala musical não ocidental, e do uso de tabla, tamboura e, claro, cítara, tocada por ele. Os Beatles ainda gravavam em Revolver quando começaram as sessões de um disco histórico, West Meets East, a reunião do violino de Yehudi Menuhin com a cítara de Ravi Shankar, um álbum que teve ótima repercussão e vendagem recorde para música erudita. Shankar foi para Estados Unidos há 60 anos a convite de Menuhin. Em Here There and Everywhere, memórias dos anos que trabalhou com os Beatles e outros músicos na EMI, o engenheiro de som Geoff Emmerick lembra que Ravi Shankar gravou em Abbey Road quando os Beatles faziam Revolver, e chegou a dar uma ajuda ao produtor do disco do indiano.. Shankar, no entanto, por mais popular que tenha se tornado nos EUA e Europa, questionava a forma como sua arte estava sendo utilizada. Não perdia oportunidade para ressaltar que tocava música erudita do Norte da India, e que esta música deveria ser escutada pelas plateias como elas fariam em um concerto erudito ocidental. Sem precisar se valer de drogas para assimilar a música. Tampouco aprovava a distorção que os hippies fizeram da cultura indiana: “Toda esta onda de hare Krishna, colares, sininhos, incensos de certa forma me magoa muito… como indiano, brâmane, de uma família muito religiosa, acho tudo grosseiro, e distorcido”, queixou-se numa entrevista, em1968, ao então jornal udigrudi Rolling Stone.
Mas foi inevitável a ligação entre a maconha e o LSD com a música de Ravi Shankar, sobretudo devido aos elementos da música indiana terem sido divulgados num álbum tão popular quanto Revolver, primeiro disco “psicodélico” dos Beatles. No ano seguinte, Ravi Shankar foi uma das estrelas do festival Monterrey Pop, e dois anos depois estaria no festival de Woodstock. Aliás, ele se tornou presença obrigatória nos festival que pipocavam pelos EUA e Europa entre o final dos 60 e início dos 70. Os músicos de Jazz, como John Coltrane ou Charles Mingus se aprofundavam também na espiritualidade indiana. Na biografia John Coltrane: His Life and Music, de Lewis Porter, há a citação de um elogio do saxofonista à Ravi Shankar que acentua a diferença entre sua assimilação pelo jazz e pelo pop: “… Quando ouço sua música, quero copiá-la. Não nota a nota, claro, mas o lado espiritual. O que me aproxima de Ravi é o aspecto modal de sua arte”. As bandas e astros pop como o inglês Donovan, incluindo os Beatles não se aprofundaram na música indiana. A utilizavam de maneira superficial, embora, claro, estendendo os horizontes do rock and roll. Para um indiano. Love You To, de George Harrison deve ter soado muito estranha, talvez caricata. Harrison usava numa mesma composição vários estilos da música clássica do Norte do país, assemelhando-se a um grosseiro ragamala, grosso modo, uma espécie de pot-pourri. Pior, outros artistas não raro misturavam a música do norte (hindustani), com estilo do sul (carnático). Mas embora reclamasse, como o fez na citada, e longa, entrevista ao Rolling Stone, Ravi Shankar curvava-se à concessões, como, por exemplo, resumir o tempo de duração dos concertos, e das peças que tocava plateias de freaks e hippies. Na Índia, os concertos estendiam-se a pelo menos quatro horas, e chegavam a sete, ou oito. Seu recorde (revela na mesma entrevista) foi tocar durante dez horas, com um pequeno intervalo de dez minutos. Na mesma entrevista a Rolling Stone, Ravi Shankar, perguntado se aprovava alguma música ocidental feita na cítara, respondeu que o caso não era aprovar ou não. Pra ele não tinha importância, mas foi enfático: “Eu nunca ouvi uma musica, não indiana, tocada numa cítara que tenha me impressionado. Que fosse suficientemente boa. Não sou ortodoxo, ou de mente estreita. Se tivesse ouvido alguma, certamente aprovaria”. Ravi é “sol” em sânscrito, enquanto Shankar é outro dos nomes de Shiva. Seu nome de batismo é Rabindra Shankar Chowdhury. O pandit (mestre) da música clássica indiana faleceu em 11 de dezembro de 2012, a música que contribuiu para popularizar no Ocidente permanece incorporada às mais diversas manifestações sonoras nas Américas e Europa.
Ótima matéria. Aliás, o José Teles é aqui de Recife. Trabalha no Jornal do Comércio.
ResponderExcluirNão entendo nada de música indiana mas eu gosto de Love you To
ResponderExcluirÓtimo post. Ravi Shankar Forever
ResponderExcluirAmo cítara.
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