Dois norte-americanos foram a Londres lutar pelo controle
dos Beatles, e eles não poderiam ser mais diferentes entre si. Lee Eastman era
mais velho, formado por uma das principais universidades dos Estados Unidos,
culto, seguro de si e pai, é claro, de Linda. Allen Klein fora criado num
orfanato. Era impetuoso, falava duro e era motivado pelo dinheiro. A escolha
dividiu a banda. McCartney era leal ao sogro, enquanto John, George e Ringo
sentiam mais afinidade com as manhas e artimanhas de Klein. Lee Eastman foi convocado para ir a Londres pelo genro. McCartney acreditava
que os Beatles eram os melhores do mundo e, portanto, tudo ao redor deles
deveria ter nível semelhante —para ele, Lee era a pessoa perfeita para
assumir o posto de empresário da banda.
Em contraposição, Allen Klein era rústico e despachado. Segundo seu obituário,
ele “matraqueava o linguajar do Brooklyn, prodigamente temperado com invectivas
suculentas”. Ele fora chamado a Londres para conhecer John Lennon. O duelo
resultante entre Eastman e Klein pode ser retratado como o bruto Brooklyn
atacando a suave Manhattan: haveria somente um vencedor. Em 1967, Allen Klein dirigia seu carro em Nova York quando o rádio anunciou a
morte de Brian Epstein. Klein deu um soco no volante. Eles são meus, cacete,
eles são meus, pensou com seus botões, pisando fundo no acelerador. Ele
conhecera Epstein em 1964, quando a banda foi pela primeira vez aos Estados
Unidos, e se oferecera para renegociar o contrato de gravação para que o grupo
recebesse royalties muito maiores. Em troca, ele ficaria com vinte por cento
do dinheiro ganho com os novos royalties. Epstein deu uma olhada no sujeito de
linguajar grosseiro e aparência desgrenhada e lhe mostrou a porta da rua. Klein deu de ombros e partiu para o plano B: os Rolling Stones. O empresário
do grupo, Andrew Loog Oldham, adorava malandros de iniciativa —
principalmente porque aspirava ter o mesmo status. Seu filme preferido era A
embriaguez do sucesso, estrelado por Burt Lancaster e Tony Curtis. Ele adorava
a linguagem afiada do filme, as roupas, as traições. Oldham enxergou Klein de
forma parecida e ficou encantado. Segundo Mick jagger, “Andrew nos apresentou o Klein como uma espécie de gângster,
alguém de fora do sistema. Achamos isso muito atraente”. Klein percebeu os
sinais e desempenhou seu papel com perfeição. “Andrew gostava de me retratar
como um americano misterioso", Klein diria posteriormente. “O Andrew era
assim mesmo. Ele simplesmente criou a minha imagem semelhante à de um gângster,
dizendo que adoravam essas coisas na Inglaterra." Klein tinha antecedentes. Quando trabalhou com Sam Cooke e Bobby Darin, ele
descobriu direitos autorais não pagos pelas gravadoras pertencentes à máfia e,
quando ninguém julgava que isso fosse possível, conseguiu receber todo o
dinheiro de volta. Ele também gostava dos britânicos. Além dos Stones, ajudou
The Animais, The Kinks, The Dave Clark Five e Donovan. Para Klein, a estrada
desembocaria num único lugar: os portões da Beatlelândia. DerekTaylor o apresentou a Lennon em 1969. O fluxo de dinheiro que jorrava da
Apple tinha de ser estancado. Medidas duras se mostravam necessárias. Então,
liguem para o casca-grossa do Klein. Uma reunião entre John, Yoko e Allen Klein
foi realizada em janeiro, em um elegante hotel londrino. Eles se deram bem.
Lennon demonstrou simpatia pelo passado de Klein; a perda da mãe e o tempo
passado num orfanato o tocaram. Além disso, Klein fizera sua lição de casa: sabia
que o melhor caminho para se chegar ao coração de um compositor é sempre por
meio de suas canções. Klein começou falando para Lennon sobre as letras e
canções que adorava. Não músicas óbvias que qualquer zé-mané poderia ter
ouvido, mas músicas pouco conhecidas e mencionadas. O ego de Lennon se inflou.
Klein pode ter sido um empresário duro, mas também gostava de música — e naquela
época as duas coisas não eram compatíveis. Os empresários apenas geriam. Eles
davam aos artistas dinheiro e fama. Raramente paravam para apreciar ou
compreender a música que vendiam. Klein não agia dessa maneira, o que chamou
muito a atenção de Lennon. No dia seguinte, Lennon contou ao grupo que eles tinham um novo empresário.
“Temos?”, questionou McCartney. Há pelo menos um ano, o baixista não estava
mais preparado para acompanhar o líder. Era por isso que ele também vinha
mexendo seus pauzinhos nos bastidores. Quando a banda assinou um novo contrato
com Brian Epstein, na verdade eles foram contratados pela NEMS, empresa de
Epstein. Quando Brian morreu, Clive, seu irmão, assumiu os negócios, mas depois
de passados meros dois anos na função ele queria se afastar. Clive anunciou a
pretensão de vender a NEMS. McCartney telefonou ao sogro pedindo conselhos. Ele
mandou Paul comprar a NEMS. Tomar emprestado da EMI o dinheiro necessário e
assim se tornar proprietário da empresa que o comandava. Lennon organizou uma reunião para a banda conhecer Klein na Apple. George e
Ringo seguiram o líder e optaram por Klein. “Como éramos de Liverpool,
preferimos quem tinha a malandragem das ruas”, observou George. McCartney não
confiava nada em Klein. Para ele, Eastman era muito mais experiente, muito
mais transparente que o vigarista do Klein. A banda tinha outra opinião,
assinalando que Eastman tomaria o lado de Paul em todas as negociações. A
gangue se dividiu e linhas de batalha foram traçadas. As coisas chegaram a um
ponto crítico durante uma gravação para o disco Abbey Road. Era sexta-feira à
noite. McCartney chegara mais cedo e estava tocando um instrumento quando o
resto do bando apareceu, com Klein a tiracolo, pedindo para o baixista assinar
um contrato dando vinte por cento ao novo empresário. Paul se recusou, argumentando
que eles eram grandes artistas e que quinze por cento bastavam. De jeito
nenhum, vinte por cento, insistiram os outros. Era justo pelo serviço que ele
lhes prestaria. McCartney não pegou na caneta naquela noite. A banda seguiu adiante mesmo assim e mandou que Klein começasse a dar um jeito
na Apple. Saíram Ron Kass, Tony Bramwell, Denis 0’Dell. Entrou o pessoal de
Klein. Um compromisso incômodo também foi acertado. Klein examinaria todos os
contratos até aquela data para descobrir se havia direitos não pagos, sua
especialidade. A Eastman caberiam os novos contratos, dando à banda, assim,
segurança nas duas frentes. Mas não aconteceu dessa forma. Em questão de duas
semanas, Eastman e Klein brigaram por causa de documentos importantes. Então,
no fim de março, Dick James, diretor da Northern Songs, empresa que detinha o
catálogo de Lennon e McCartney, anunciou que venderia sua parte a Sir Lew
Grade, da Associated Television. E assim foi, uma dor de cabeça após a outra, a banda passando dias e mais dias
— ah, e como os dias eram longos — em volta da mesa de reuniões da Apple,
discutindo dinheiro e gestão, advogados e participações. Eles nunca deveriam
ter feito isso, pois eram músicos. Deveriam estar compondo, gravando, se
apresentando, coisas que toda banda deve fazer. Em vez disso, eles passavam o tempo numa atividade complicada demais
para eles. Na verdade, os quatro eram muito jovens para compreender as
complexidades do mundo monetário que estavam buscando controlar. Eles não
tinham cabeça para negócios e dinheiro. Posteriormente John admitiu: “Nós fomos
ingênuos ao deixar outras pessoas se meterem entre nós, mas era o que estava
acontecendo mesmo assim”. Verdade seja dita, a coisa toda começou a acontecer
no dia em que John conheceu Yoko Ono – foi nesse dia que a gangue começou a
desmoronar. Desde então, tudo se resumira a uma agonia longa e dolorosa. Com
John batendo perna para promover a paz mundial e obcecado por Yoko, Paul,
George e Ringo começaram a trabalhar em álbuns solos. Em abril, McCartney
anunciou o iminente lançamento do disco solo McCartney. Ele estava furioso.
Por meio de Klein, Lennon entregara as faixas das sessões de Get Back ao produtor
Phil Spector, que as ouviu e produziu o disco Let It Be. Para o desgosto de McCartney, o produtor acrescentou cordas, uma harpa e vocal
de apoio feminino numa das grandes composições do roqueiro, “The Long and
Winding Road”. Lennon apoiou Spector o tempo todo. “As fitas eram tão
malfeitas, tão ruins que ninguém se atrevia nem a chegar perto delas. Elas
estavam tomando pó havia seis meses e nenhum de nós poderia enfrentar a mi-
xagem. Spector fez um trabalho fantástico.” McCartney enviou uma carta a Klein
e a Spector que começava com as seguintes palavras: “No futuro, ninguém terá
permissão de acrescentar ou subtrair algo da gravação de uma das minhas
canções sem a minha permissão...” A seguir, ele respondeu um questionário
fornecido por Derek Taylor, que trazia todas as perguntas da imprensa que
acompanhariam o lançamento de seu disco solo. A resposta à pergunta sobre a
dissolução dos Beatles foi: “Sim, nós não tocaremos juntos novamente”. Assim que a imprensa viu a declaração, os telefones começaram a tocar no mundo
inteiro. Em particular, John estava aborrecido. Ele havia posto um ponto final
na banda, então desejava o crédito para si. Era criancice, mas típica da
situação então vivida pelos Beatles. George concordou. “Naquele período, um
estava puto com o outro por causa de tudo [...]. Ele divulgou aquele comunicado
à imprensa, mas todos nós já tínhamos deixado a banda. Foi isso que emputeceu
o John [...]. Aquela coisa de: ‘Ei, eu já tinha saído e está parecendo que foi
ele quem criou isso!’” No dia 10 de abril de 1970, as manchetes diziam: “Os Beatles se separaram”.
Não existia mais a gangue e o jogo chegava ao fim. “Eu acreditava piamente—como
milhões de outras pessoas — que a amizade existente entre os Beatles seria um
salva-vidas para todos nós”, declarou Derek Taylor com seu típico
discernimento. “Eu acreditava que, se aquelas pessoas fossem felizes entre si
[...], valia a pena viver. Porém tínhamos expectativas altas demais em relação
a eles.” Essas palavras são muito verdadeiras, mas o espírito da gangue
continuaria vivo, recusando-se a murchar ou morrer.
Macca par mim o mais recional de todos já sabia no que ia dar.
ResponderExcluirSabia sim.
ResponderExcluirEsse livro, "Love Me Do", estava numa oferta outro dia e fiquei na duvida se valia ou não a pena.
ResponderExcluirAgora, falando do post, hoje em dia olhando em retrospecto, realmente o Paul estava com razão.Materialista, egoísta, chato ou não, ele soube muito bem saber pra que lado a balança estava indo.
Klein era nó cego!
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