Mostra da artista no Instituto Tomie Ohtake apresenta depoimentos de mulheres sobre a opressão, convites para sentir o calor do sol e um telefone que pode tocar a qualquer momento. Fonte: http://brasileiros.com.br/ - Por Sarah Maia
Quem visitar o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, a partir desse sábado (1), vai ser convidado a pensar sobre seus sentimentos, a olhar para o mundo a sua volta, a refletir sobre a violência, sobre o papel da mulher na sociedade e sobre a relação com a própria mãe. O convite, ora metafórico, ora simples e direto, é feito pela artista nipo-americana Yoko Ono na exposição O Céu Ainda é Azul, Você Sabe…, em cartaz até 28 de maio. Logo na entrada do Instituto, espelhos refletem a luz solar e chamam o visitante a, por um segundo, sentir o calor do sol. Durante toda a visita, as inúmeras instruções, acompanhadas por vídeos e outras instalações da artista, conduzem o público ao mundo poético e particular de Yoko Ono, pioneira na aplicação de obras-instruções na arte contemporânea -uma das grandes revoluções artísticas dos anos 1950 e 1960 segundo o curador da mostra, Gunnar Kvaran. “Essa maneira de pensar a obra concentra a noção de arte em uma ideia, abolindo o objeto e convidando o espectador a ser parte do processo criativo”. Segundo Kvaran, a mostra cria forma por meio da interação das pessoas com as obras.
“Nesse caso, não existe arte sem interação. São ações simples, mas sempre cheias de significado”, explica o curador. Ao lado da artista, ele selecionou alguns trabalhos especialmente para a exposição em São Paulo, o que a torna diferente da mostra realizada no ano passado no museu Malba, em Buenos Aires, Argentina. O convite à interação, inclusive, começa antes mesmo da entrada da exposição. A montagem das obras é feita apenas com manuais de montagem enviados por e-mail por Yoko Ono, o resto é todo produzido e construído com material local. A jabuticabeira da obra Árvore da Vida foi escolhida como simbólica da flora brasileira. E na obra Mapa Imagine a Paz o mapa escolhido é o de São Paulo, e nele o visitante carimba a região onde deseja paz. Ao contrário de outras exposições de artistas internacionais, nada é traduzido para o inglês. Tudo ali é produzido na língua local. “Ela faz questão que não exista nenhuma interferência de culturas externas para que o visitante sinta a noção de pertencimento”, explica Kvaran.
O discurso pela paz e pelo humanismo acompanha Ono até mesmo antes do casamento com John Lennon em 1969, mas era frequentemente relativizado por um dado biográfico controverso e relevante, de que ela teria sido pivô na separação dos Beatles. Em 2016, Yoko declarou que não foi bem vista pela união com Lennon. “O mundo não me aceitou por ter me casado com ele”, afirmou em entrevista ao jornal El País. Em 2012, Paul McCartney afirmou publicamente que ela não havia dividido o grupo. “Já estava se dividindo sozinho mesmo”, disse, confessando porém que eles se sentiam incomodados com a presença dela no estúdio. A declaração diminuiu o peso que os fãs da banda colocaram durante anos sobre ela.
Logo na primeira sala da mostra, caixas com pedras representando a felicidade e a tristeza chamam o público a deixar ali mesmo seus sentimentos para, em seguida, ser convidado ao exercício de não pensar nada negativo sobre ninguém. É nessa sala que está uma de suas obras mais famosas, Pintura do Teto ou Pintura do Sim, que levou John Lennon a conhecer Yoko Ono em 1966. A instalação é formada por um quadrado de papel colocado em um lugar alto com a superfície voltada para baixo, onde está escrito “sim”. Há também uma escada de cerca de 1,80 m e uma lupa que o visitante deve utilizar para chegar o mais próximo possível da palavra.
“Lennon seguiu as instruções da instalação, ficou muito impressionado e quis conhecer a artista”, conta Kvaran, que selecionou para o ambiente as primeiras obras produzidas por ela no início dos anos 50, ainda muito influenciadas pela cultura japonesa, pelo zen budismo e pelo contato com movimentos artísticos que questionavam a hegemonia americana nas artes e o posicionamento do governo japonês na Segunda Guerra, como as performances e happenings do grupo Gutai. “São peças mais meditativas e instruções metafóricas mentais ou físicas que nos levam a olhar para dentro de nós mesmos”, explica o curador.
Entre as principais influências na formação intelectual de Yoko, ele cita o conhecimento musical do pai, o banqueiro e pianista Yeisuke Ono, e a força da mãe, Isoko Yasuka, filha de um dos homens mais ricos do Japão. Foi a mãe quem conduziu Yoko a uma visão de gênero mais igualitária e feminista –uma das grandes bandeiras defendidas pela artista. “Quando ela tinha cinco, seis anos, ingressou em uma escola avant-garde experimental no Japão. No ensino médio, a pedido de sua família, o governo mudou as leis para que ela pudesse estudar com meninos, incluindo o filho do imperador, e não numa sala só com meninas”, conta o curador. O engajamento em movimentos pacifistas e feministas aparece nas obras que compõem a segunda sala da mostra, todas produzidas a partir dos anos 1960. Ali é possível ver a preocupação com conflitos políticos e sociais e as influências do movimento internacional Fluxus, do qual ela participava e cujos integrantes acolhia em seu Loft em Nova York.
Capacetes da polícia recheados de peças de quebra-cabeça com o desenho do céu compõem uma das instalações do espaço –“para saber que somos todos parte um do outro”, que abriga também a peça Jogue na confiança, um tabuleiro de xadrez todo branco, onde as peças, brancas também, confundem os adversários. Em A Guerra Acabou (se você quiser), montes de terra lembram os históricos conflitos brasileiros em Canudos, Eldorado dos Carajás e o mais recente na comunidade indígena Nande Ru Mangaratu. É ali também, entre vídeos com temáticas feministas, como estupro e a liberdade do corpo, que o visitante encontra a mais recente instrução de Yoko e que já percorreu mais de sete países.
Inaugurada em 2013, Emergindo convida as visitantes a relatarem momentos em que se sentiram agredidas ou diminuídas por serem mulheres. (Quem quiser ver seu depoimento na exposição pode enviar um relato com uma foto dos olhos para o e-mail estamosemergindo@gmail.com). “Fui violentada no meu direito de escolher a hora, momento e pessoa. Sociedade machista que mulher direita preserve o hímen. Desprezível sociedade, para ser aceita, cedi” (sic). “É a primeira vez que Yoko usa e-mail como ferramenta, em uma interação direta com as mulheres. O resultado é sempre acachapante, com relatos muito poderosos e engajados”, comenta o curador, que aponta para a última obra da mostra. Mamãe é Linda reserva um espaço para que o visitante escreva sobre sua mãe em um post-it e cole na parede. “É impressionante como um ato tão simples preenche o espaço de emoção”. Entre as mais de 60 obras, a instalação que ocupa o vão central é a única que abre espaço para artistas brasileiros. A pedido da própria Yoko Ono, Camila Sposati, Carmela Gross, Mayana Redin, Pjota, Regina Silveira, Rivane Neuenschwander e Rodrigo Braga criaram peças para a obraEventos Água, sobre o uso e escassez da água. “Meus caros companheiros artistas, quero pedir a vocês que forneçam um recipiente para água que será dada a pessoas específicas, seja para curar suas mentes, seja para expressar a coragem delas em se expressar”, explica ela na instrução. E mesmo tendo confirmado que não virá ao Brasil, a artista, ou ao menos sua voz, é esperada na exposição. Com a obra Peça Telefone, Yoko pode entrar em contato a qualquer momento por um telefone cujo número só ela tem. A instrução da peça? “Quando o telefone tocar saiba que sou eu”.
Se passar aqui por Brasília, quero ver.
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