No dia 23 de março de 1964, o primeiro livro de John Lennon “In His Own Write” foi publicado. Em junho de 1965, foi a vez do segundo: "A Spaniard In the Works". E em fevereiro de 1985 foi relançado o livro "Um Atrapalho no Trabalho" - uma compilação dos dois livros de Lennon, traduzidos e adaptados brilhantemente pelo poeta Paulo Leminski - Hoje em dia, raríssimo. Ítem de colecionador. Essa matéria que a gente confere agora foi publicada no Jornal do Brasil em 22 de fevereiro de 1985. O texto fala algumas abobrinhas... mas a gente perdoa pela nostalgia. Direto... do fundo do Baú!
Logo no inicio dos Beatles, quando John Lennon virou para uma plateia chique e pediu que não aplaudisse – “basta balançar as jóias” – desconfiou-se que ele era um intelectual. Não exibia muito isso. Deixava os óculos em casa – as meninas de Liverpool também não olhavam para gente assim – e apertava os olhos para alcançar os rostos da primeira fila. Nas músicas também não complicava. Falava de garotas e garotos de mãos dadas. No problems. Mas isso foi no inicio.
O livro Um atrapalho no trabalho, que está sendo lançado esta semana pela Brasiliense, reúne as duas obras de Lennon no setor : In His Own Write e A Spaniard In the Works. O primeiro é de 1964,o segundo,de 1965. Dois anos fundamentais na vida do moço,No primeiro ele começou a fumar maconha,no outro,entregou-se ao LSD. A mente de Lennon ampliou-se tanto que as palavras comuns já não lhe serviam.Começou a embaralhá-las em trocadilhos,a fazer imagens inalcançáveis aos caretas.O resultado está nesse Atrapalho no Trabalho: Letrinhas ao léu numa viagem de ácido.
Lennon junta palavras, sons, associa imagens, e o resultado pode ser algo como “Paspelham passaligeiros e passeuntes ambos e ambos". Ou : “Eram uma vilinha e borboatos indescensos se esparramilhavam entre os desabitantos que moravam lá". No Brasil, Lennon contou com a parceria do tradutor, poeta e folósofo Paulo Leminski. Ele entrou no barato nonsense do autor e entremeou o texto com aparições de Joãozinho Trinta, Vanderléa e outros. Fez bem, o mestre aprovaria. Com toda aquela fumaça nos miolos, o mundo reverente aos seus pés e cansado de escrever "Love me Do" com McCartney, Lennon ensinou a soltar o verbo – tivesse ele o sentido que tivesse. São histórias amargas, de humor negro e morbidez. Lennon começava a acertar publicamente as contas com seu passado de menino abandonado pela mãe e pelo pai, obrigado a viver com Tia Mimi. Depois viria o grito primal, canções depressivas como "Yer blues" ,os escândalos de Yoko Ono e aquela maneira de encarapitar os óculos no nariz e contemplar a humanidade com o escárnio de uma coruja. A festa do Randolfo no livro, mostra bem esse clima estranho.Todos os amigos aparecem para comemorar o aniversário do Randolfo, mas nada de presentes. Preferem assassinalos aos gritos de “pelo menos ele não morreu sozinho”!
Um Atrapalho no Trabalho é ilustrado por desenhos do próprio Lennon, que antes de chegar aos Fabs Four esteve em uma escola de artes em Liverpool. Tinha jeito para a coisa. São cartuns de traço original, despojado, reveleando uma galeria de aleijões, tipos com muitos ou nenhum braço, cegos, solitários, sempre um jeito maligno no canto da boca. Coisa de talento, mas de astral lá embaixo. Mais tarde, já no corpo a corpo com Yoko nas manifestações pela paz, Lennon faria desenhos de seus embates sexuais com a japonesa. Tudo Explicitíssimo. Depois parou. Dizem que Yoko invejava os pendores do marido também para as artes plásticas, coisa que ela, apesar do esforço, não tinha. Nem a Rolling Stone confirma a história. Mas o certo é que Lennon desistiu dos lápis. E ocupava as mãos fazendo pão no Dakota. No lançamento dos livros na Inglaterra, os críticos compararam o Beatle intelectual aos experimentos literários de James Joyce, Lewis Carrol, gente desse nível. “Tem solecismos e imaginética só encontráveis em Edward Lear, com possibilidades líricas jamais exploradas”, disse alguém. São pequenas histórias, contos, poesias, bilhetes, como se quiser chamar, tudo vazado na mais tumultuada das linguagens. Se Guimarães Rosa apertasse um teria ficado assim.
Vinte anos depois, os trocadilhos de Um Atrapalho no Trabalho aparecem com a mesma curiosidade excêntrica que tinha o Rolls Royce psicodélico que Lennon pintou e encheu de vidros escuros para passear ingógnito pelas ruas de Londres. Uma curtição da loucura pop dos anos 60. Foram os únicos livros de Lennon e ninguém exatamente sabe por quê. Diga-se também que jamais lhe foi perguntado o motivo, pois poderia ser compreendido como uma cobrança de novas obras. Não seria o caso. O livrinho soa como certas canções que Lennon escreveu quando os Beatles ficaram cultos, idolatrados como novos Beethovens e tudo lhes era permitido. Um pouco antes de morrer, em 1980, Lennon criticou-as: - “I’m The Walrus”, por exemplo – disse – tinha um jeito pretencioso de que queria dizer muita coisa. Mas nada. Era só enrolação!Quem estiver interessado em acompanhar os alienantes passeios pelos buracos de queijo que, em 1965 e 1966, a droga desenhava na cabeça de Lennon, deve ouvir o LP Beatle daquele ano, Rubber Soul. A faixa “Nowhere Man” é sobre um personagem idiota que poderia estar numa desatas histórias de Um Atrapalho no Trabalho. Só que ele é filtrado pela música genial de Lennon. Ainda bem que ele insistiu na guitarra e guardou a máquina de escrever.
Lennon junta palavras, sons, associa imagens, e o resultado pode ser algo como “Paspelham passaligeiros e passeuntes ambos e ambos". Ou : “Eram uma vilinha e borboatos indescensos se esparramilhavam entre os desabitantos que moravam lá". No Brasil, Lennon contou com a parceria do tradutor, poeta e folósofo Paulo Leminski. Ele entrou no barato nonsense do autor e entremeou o texto com aparições de Joãozinho Trinta, Vanderléa e outros. Fez bem, o mestre aprovaria. Com toda aquela fumaça nos miolos, o mundo reverente aos seus pés e cansado de escrever "Love me Do" com McCartney, Lennon ensinou a soltar o verbo – tivesse ele o sentido que tivesse. São histórias amargas, de humor negro e morbidez. Lennon começava a acertar publicamente as contas com seu passado de menino abandonado pela mãe e pelo pai, obrigado a viver com Tia Mimi. Depois viria o grito primal, canções depressivas como "Yer blues" ,os escândalos de Yoko Ono e aquela maneira de encarapitar os óculos no nariz e contemplar a humanidade com o escárnio de uma coruja. A festa do Randolfo no livro, mostra bem esse clima estranho.Todos os amigos aparecem para comemorar o aniversário do Randolfo, mas nada de presentes. Preferem assassinalos aos gritos de “pelo menos ele não morreu sozinho”!
Um Atrapalho no Trabalho é ilustrado por desenhos do próprio Lennon, que antes de chegar aos Fabs Four esteve em uma escola de artes em Liverpool. Tinha jeito para a coisa. São cartuns de traço original, despojado, reveleando uma galeria de aleijões, tipos com muitos ou nenhum braço, cegos, solitários, sempre um jeito maligno no canto da boca. Coisa de talento, mas de astral lá embaixo. Mais tarde, já no corpo a corpo com Yoko nas manifestações pela paz, Lennon faria desenhos de seus embates sexuais com a japonesa. Tudo Explicitíssimo. Depois parou. Dizem que Yoko invejava os pendores do marido também para as artes plásticas, coisa que ela, apesar do esforço, não tinha. Nem a Rolling Stone confirma a história. Mas o certo é que Lennon desistiu dos lápis. E ocupava as mãos fazendo pão no Dakota. No lançamento dos livros na Inglaterra, os críticos compararam o Beatle intelectual aos experimentos literários de James Joyce, Lewis Carrol, gente desse nível. “Tem solecismos e imaginética só encontráveis em Edward Lear, com possibilidades líricas jamais exploradas”, disse alguém. São pequenas histórias, contos, poesias, bilhetes, como se quiser chamar, tudo vazado na mais tumultuada das linguagens. Se Guimarães Rosa apertasse um teria ficado assim.
Vinte anos depois, os trocadilhos de Um Atrapalho no Trabalho aparecem com a mesma curiosidade excêntrica que tinha o Rolls Royce psicodélico que Lennon pintou e encheu de vidros escuros para passear ingógnito pelas ruas de Londres. Uma curtição da loucura pop dos anos 60. Foram os únicos livros de Lennon e ninguém exatamente sabe por quê. Diga-se também que jamais lhe foi perguntado o motivo, pois poderia ser compreendido como uma cobrança de novas obras. Não seria o caso. O livrinho soa como certas canções que Lennon escreveu quando os Beatles ficaram cultos, idolatrados como novos Beethovens e tudo lhes era permitido. Um pouco antes de morrer, em 1980, Lennon criticou-as: - “I’m The Walrus”, por exemplo – disse – tinha um jeito pretencioso de que queria dizer muita coisa. Mas nada. Era só enrolação!Quem estiver interessado em acompanhar os alienantes passeios pelos buracos de queijo que, em 1965 e 1966, a droga desenhava na cabeça de Lennon, deve ouvir o LP Beatle daquele ano, Rubber Soul. A faixa “Nowhere Man” é sobre um personagem idiota que poderia estar numa desatas histórias de Um Atrapalho no Trabalho. Só que ele é filtrado pela música genial de Lennon. Ainda bem que ele insistiu na guitarra e guardou a máquina de escrever.
Não foram as drogas John disse uma vez (gostaria de lembrar onde li) que desde criança sempre via as coisas diferentes. Desde criança ele desenhava esses desenhos surreais e escrevia também
ResponderExcluirMatéria excelente, muito esclarecedora. Eu precisava saber destas coisas. O Baú, como sempre, detonando. Eu vou aproveitar para tirar uma dúvida. É verdade que a expressão "um atrapalho no trabalho" em inglês se parece com "Uma mosca na sopa"? Não sei se é a pronúncia. Ah! E eu já tive esse livro e nunca me esqueço do conto O não tal do felizberto. Genial, claro! Lennon, adolescente, era leitor de Wilde e Lewis Carrol. Né prá qualquer roqueiro não.
ResponderExcluirEsses livros refletem a fase que John estava vivendo, de descobertas e novas experiências.
ResponderExcluirTinha esse livro. Não sei onde foi parar.
ResponderExcluirNa verdade, Lennon deixou sua marca indiscutível na música. Mas bem que poderia ter sido na literatura ou nas artes plásticas.
ResponderExcluirÉ uma pena que o John só tenha publicado em vida esses dois livros. Como o Beatle com mais propensões literárias, o John desenvolveu bem pouco isso nos anos seguintes. Felizmente temos as letras dele para compensar um pouco isso.
ResponderExcluirTenho esse livro ainda.Nele John podia se expressar do jeito que queria, sem estar no papel de beatle. Concordo também que poderia ter lançado mais livros, mas algumas cançoes como I am the walrus seguem essa linha.
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