Uma parte considerável da grandeza dos Beatles vem do fato de o quarteto ter progredido tão rapidamente artística e musicalmente. Quando chegou o ano de 1966, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr já não eram mais aqueles rapazes descontraídos que tocavam um rock básico e animado no período 1963/1964. Naquele ano, em particular, eles deixaram de se apresentar ao vivo e gravaram o álbum Revolver, um verdadeiro divisor de águas. Começaram a experimentar com a cultura hindu, com o LSD e também se envolveram em várias polêmicas. Também naquele ano, a revista teen Datebook repercutiu de forma irresponsável uma declaração de John Lennon sobre religião e Jesus Cristo (o famoso "mais populares que Jesus"). Eles também foram hostilizados nas Filipinas por simpatizantes de Imelda Marcos, esposa do ditador Ferdinand Marcos, por supostamente terem esnobado um encontro com a primeira dama. O autor Steve Turner, um dos maiores experts em Beatles, reuniu tudo que aconteceu na vida do Fab Four naquele marcante período de 12 meses em Beatles 1966 (Benvirá). O relato dele no livro é indispensável para quem se interessa pela banda.
Quando 1966 chegou ao fim, os Beatles não eram mais “astros do pop”, e sim “artistas”. Como você vê esta mudança de status e as influências externas que eles tiveram naquele ano?
Os Beatles haviam se cansado das turnês exaustivas e também do fato de que a música que tocavam era encoberta pela gritaria dos fãs. Eles sentiam que, nestas circunstâncias, não progrediam como músicos. Não tinham mais a intimidade com os fãs como nos tempos de Hamburgo e de Liverpool. Não estavam contentes em seguir uma fórmula que garantia a eles músicas nas paradas. Deliberadamente investiram em novos desafios sem saber se isso custaria a eles a fama. O movimento underground das artes que surgia nos Estados Unidos e na Inglaterra os encorajou a falar de tópicos que iam além de carros, garotas e rock and roll.
O ano de 1966 trouxe vários álbuns revolucionários, como Pet Sounds (Beach Boys), Blonde on Blonde (Bob Dylan) e muitos outros. Mas Revolver conseguiu eclipsar até estes grandes trabalhos. Como você o vê na discografia dos Beatles? Diria que ele é até mais importante do que, por exemplo, o posterior e celebrado Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band?
Eu acho que Revolver soa mais natural. Sgt Pepper’s começou como uma ideia de Paul, que queria adotar uma “nova identidade” e assim fazer um tipo de música que não tinha nada a ver com o estilo normal dos Beatles. Revolver era um diário do que acontecia nas vidas deles e surgiu de forma despretensiosa. Não foi planejado para “estar à frente de seu tempo". Na verdade, até um pouco antes de gravar o álbum, eles ainda estavam falando com amigos e buscando ideias. A qualidade da música que Bob Dylan, The Kinks, os artistas da gravadora Motown, The Beach Boys, The Who e outros contemporâneos estavam fazendo desafiou os Beatles a buscarem novos padrões para competir com eles. Quando os seus competidores são assim tão bons, você tem que ser grande para batê-los.
A derradeira performance ao vivo dos Beatles aconteceu no dia 29 de agosto de 1966, no Candlestick Park, em São Francisco. Você acha que a decisão de parar de excursionar aconteceu na hora certa e no local certo? E como o incidente nas Filipinas influenciou tal decisão?
Não foi planejado que o fim dos Beatles como músicos de palco acontecesse justamente em São Francisco. Mas é interessante saber que a nova onda da música complexa e profunda feita no mundo do rock veio justamente daquela cidade, em 1967. E, é claro, a geração beat já havia feito um enorme estardalhaço cultural por lá na década anterior. Era o bastão sendo passado. O jeito como eles foram tratados nas Filipinas e a repercussão do comentário de John sobre Jesus Cristo fizeram com que pensassem na própria segurança. Eles achavam que alguém poderia dar um tiro neles – afinal, foi em um tempo em que um presidente [John F. Kennedy] acabou morto desta forma. Eles nunca quiseram ser profetas ou líderes. Mas esee tipo de papel caiu sobre as costas deles, com todas as responsabilidades inerentes.
O incidente “mais populares do que Jesus”, divulgado pela revista teen Datebook, que fez sensacionalismo com uma entrevista que John Lennon havia dado alguns anos antes na Inglaterra, foi uma tempestade em copo d’água ou o fato que mudou efetivamente a vida dele?
Você pode dizer que foi uma tempestade em copo d’água, mas também que o incidente foi orquestrado pelos editores do Datebook, que notaram como os radialistas conservadores do sul dos Estados Unidos iriam malhar os Beatles junto a seus fãs. Já era “fake news” em pleno 1966. Mas o evento teve sérias consequências. John teve que “se desculpar” publicamente e chorou abertamente antes disto. Pensou no que havia feito a seus colegas de banda. Anos mais tarde, John “agradeceu” a Jesus por ele ter acabado com a carreira deles no palco!
O ano também marcou uma transformação pessoal de George Harrison. Ele se casou e se envolveu com música oriental e com o mestre da sitar Ravi Shankar. Como você vê estas mudanças na vida dele e como isso influenciou o resto da banda?
George foi muito influente, mas de uma forma discreta. Dois anos depois, ele foi responsável por levar a banda até a Índia para estudar em Rishikesh com o guru Maharishi Mahesh Yogi. A dimensão espiritual dos Beatles deve muito a George, e, é claro, a John, que em 1965 escreveu “The Word”, que era uma canção com vibração gospel falando sobre o poder do amor universal.
Em 1965, havia Rubber Soul e a maconha. Depois, Revolver e o LSD. O envolvimento dos Beatles com as drogas ainda é polêmico. Como enxerga isso no contexto de 1966?
Por um breve momento, as drogas mudaram a percepção deles e os fizeram reavaliar tudo, de religião ao jeito como faziam música. Eles raramente escreviam ou tocavam sob a influência delas, mas a experiência que tiveram com as substâncias químicas os levou a questionar várias coisas. Assim, eles se abriram a novos tipos de música, correndo todo tipo de risco. É interessante notar que este período sob influência das drogas durou relativamente pouco – da metade de 1965 a meados de 1968. George Martin [produtor do Beatles] me falou uma vez que eles poderiam fazer música brilhante e experimental de “cara limpa”. rollingstone.uol.com.br/ - por PAULO CAVALCANTI - 27 de julho de 2018.
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