Esse textinho absolutamente fantástico que a gente confere agora, com a exclusividade de sempre do nosso blog preferido, tem um valor histórico inestimado. Foi publicado na revista VEJA de 13 de maio de 1970 - época da separação dos Beatles. É tão curioso que em certa altura, o autor questiona "e se a separação não passar de um mero recurso publicitário?". Absolutamente sensacional, imperdível!
COM SEUS TRABALHOS SOLO A PLENO VAPOR, SOMENTE DETALHES CONTINUAM UNINDO JOHN, PAUL, GEORGE E RINGO.
Em um certo sentido, durante longo tempo, os j Beatles representaram dois
milagres: o da música e o da democracia. Seus sons foram o veículo da revolta
da juventude, subiram às alturas de Mozart e Beethoven e, de ruídos para a
inconsequência dos adolescentes, tomaram-se ritmos da alegria de viver para
moços e velhos. Ao mesmo tempo, os quatro jovens de Liverpool viviam a síntese
maravilhosa da liberdade individual para cada integrante da banda com o máximo
de atuação criadora coletiva. Suas realizações chegaram aos limites do que
qualquer jovem poderia imaginar como indivíduo ou como grupo. Suas roupas e
seus cabelos multiplicaram-se pelo mundo: seus sons uniram Elvis Presley,
Mozart e Ravi Shankar, a juventude, a música erudita ocidental e o grande
citarista do Oriente. Agora, depois dos rumores de dissolução da banda que se
arrastam há mais de um ano, os dois milagres parecem ter terminado
bruscamente. E, nas últimas três semanas, as notícias tomaram- se definitivas:
indicam, pelo menos, o fim de uma época - a época dos Beatles. Sociedades anônimas - I read the news today, oh boy, começa uma das canções
mais melancólicas da dupla Lennon & McCartney. “Eu li as notícias hoje,
amigo”. Nos últimos dias de abril, Lennon leu nos jornais notícias realmente
tristes. Seu antigo parceiro de lindas canções como “Yesterday” e “A Hard Days
Night” não iria mais compor com ele e já não se interessava pelos Beatles.
“Diferenças musicais, diferenças pessoais, diferenças comerciais”, alegava
Paul em seus motivos de separação. O outro grande líder do conjunto respondeu
no mesmo tom amargo e definitivo: “Eu e Yoko rimos quando lemos essa m... nos
jornais. Mas a história seria melhor contada em três quadros: 1) quatro caras
em cena com um spot em cima; 2) três caras saem do spot; 3) o cara restante
anuncia, gritando, ‘eu vou partir!’. Mas todos nós já estávamos fora do spot”. Desde algum tempo, realmente, os quatro Beatles estavam deixando o foco, cada
um para seu canto. Embora continuassem gravando em conjunto alguns poucos LPs
no ano passado, cada um estava mergulhado em sua própria busca individual.
Lennon foi o primeiro a deixar a ribalta. Extremamente influenciado por sua
mulher, Yoko Ono, artista plástica da vanguarda americana, ele se estendeu em
animadas campanhas pacifistas pelas camas de grandes hotéis do mundo (os bed-in),
numa violenta explosão de individualidade. Embora discutivelmente pacifistas,
suas novas campanhas, como suas velhas músicas, estavam longe de ortodoxas.
Expôs gravuras sugestivas e variadas de sua lua-de- mel, fez filmes mudos sobre
seu pênis, seu sorriso e várias nádegas anônimas. E, em música, criou sua
Plastic Ono Band, que já lançou um LP. Com quase 30 anos (que completará em
outubro), cabelos curtos como os de Yoko, Lennon é hoje um homem rico, mas,
aparentemente, considera sua época ultrapassada: “A beatlemania existe, é uma
coisa latente, mas os Beatles para muita gente já são passado, coisa dos bons e
velhos tempos”. E os novos tempos trouxeram para os Beatles todos os problemas da idade adulta
- o fim dos sons da inocência, a companhia das mulheres e dos negócios. Esses
problemas explicam o desligamento de Paul. Quando morreu seu empresário Brian
Epstein, em 1967, ele ficou encarregado de grande parte dos negócios do império
musical de Liverpool, especialmente a administração da gravadora Apple. “De
repente, acordei um homem de negócios. Isso não me interessava. Hoje minha
atenção está voltada para a família”. Esse desinteresse a que chegou o mais
entusiasta dos participantes da Apple foi também influenciado por uma mulher.
Depois de seu casamento com a fotógrafa Linda Eastman, Paul isolou-se e acabou
associado ao sogro, Lee Eastman, a quem queria como empresário dos Beatles, no
lugar de Epstein. Os outros três preferiam Allen Klein. Como efeito, Paul
anunciou que formaria uma nova companhia, a McCartney & Co., e com ela
daria início a seus projetos individuais. Em seguida, em meados de abril, para
divulgar seu primeiro disco-solo, McCartney, Paul distribuiu à imprensa uma
entrevista na qual lançava tristes notícias: a destruição do conjunto. Os outros dois Beatles, mesmo sem o empenho e a autoconfiança de John e Paul,
também estão sendo forçados a escolher seus caminhos pessoais. O primeiro
deles, George Harrison, parece ser o que tem maiores possibilidades de sucesso
e longa vida individual. Foi pouco entrevistado, expôs-se raramente ao público
e suas aparições e atividades sempre foram bem recebidas. Pesquisador de
música indiana e simpatizante da filosofia Hare Krishna, George foi o primeiro
grande líder da música jovem a divulgar no Ocidente os sons da cítara. Aos 27
anos, o guitarrista mostra que pode ter um bom caminho pela frente e já se
prepara para o fim: o produtor americano Phil Spector está cuidando de seu
primeiro disco individual, que começará a ser gravado no início da próxima
semana. O quarto e mais apagado dos Beatles lançou há duas semanas a sua primeira
investida solo, o LP Sentimental Journey. Estranhamente, uma volta ainda mais
profunda ao passado: 12 velhas canções do repertório de Frank Sinatra e outros
cantores românticos dos anos 50. Agora como cantor, ele admitiu à revista Cash
Box que, se seu disco “fosse lançado por um cantor desconhecido, certamente
ficaria relegado às prateleiras”. Até 1977 - E se a notícia do fim dos Beatles não passar de um mero recurso
publicitário? Seguramente, ela está servindo para vender mais discos: o
individual de Paul (McCartney) bate recordes nos Estados Unidos - 1 milhão de
cópias em pouco mais de dez dias. O de Ringo já está no hit parade americano,
junto com Live Peace in Toronto 1969, da Plastic Ono Band, de Lennon, e com os
dois últimos dos Beatles (AbbeyRoad e a coletânea Hey Jude). Comercialmente, de
fato, os Beatles não morreram. E, nas condições atuais, nem que o quisessem.
Presos por contrato à Apple até 1977, podem gravar individualmente, mas estão
impedidos de formar suas próprias firmas “em qualquer ramo ligado ao
entretenimento”, a não ser autorizado pela Apple e pelos outros três Beatles.
A firma distribuiu um comunicado oficial há duas semanas, lembrando
(aparentemente à McCartney & Co.) essa proibição. Se os senhores Starkey,
Lennon e Harrison concordarem com a criação da McCartney & Co., a separação
comercial também será definitiva. A separação musical, porém, dispensa
formalidade.
Tudo aqui é muito educativo em termos de Beatles.
ResponderExcluirMuito boa a matéria.
ResponderExcluirOlá Edu! Acompanho todo dia o seu blog e é muito legal mesmo! Gostaria de um especial do baú do edu mostrando as traduções de todas as músicas dos Beatles. Desde o "please Please Me" até o "Let It Be".
ResponderExcluirVai sonhando meu filho, vai sonhando!
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