quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

THE BEATLES - ERA UMA VEZ NA AMÉRICA - BOB SPITZ


"The Beatles - A Biografia", de Bob Spitz, é um relato minucioso e detalhado não só sobre a carreira, mas principalmente sobre a vida dos Beatles. Foi lançado aqui no Brasil em 2007, quando eu comprei o meu e depois saiu uma 2ª edição em 2013. É um calhamaço enorme com nada menos que 984 páginas e pesa 1 tonelada (rsrs). Esse texto que a gente confere a seguir é um pedacinho do capítulo "Uma vez na América".
Um raio de sol atingia a asa prateada a estibordo do avião da Pan Am, no vôo 101, projetando réstias de luz pelo interior da cabine. Três dos Beatles se espremiam em uma janela para contemplar a vista enquanto o avião fazia uma curva fechada sobre a costa leste de Long Island. Na primeira classe, rígido, John segurava as mãos úmidas de Cynthia, sentado atrás dos outros e olhando para as costas do assento à frente. Ele ficara indisposto durante a última hora do voo, e seu rosto havia se fechado numa ex­pressão que um companheiro de viagem entendeu como “dúvida”. Inicialmente, John havia “ficado alucinado com a ideia” daquela visita — vinha prestar uma homenagem à terra de seus ídolos: Chuck, Elvis e Buddy. Mas, conforme a realidade se aproximava, ele se convencia do inevitável fracasso que sobreviria.
Naquela manhã, a multidão de 4 mil fãs foi até Heathrow para ver os rapazes, en­quanto músicas dos Beatles “reverberavam pelo sistema de comunicação do aeroporto”. Foi uma visão estimulante quando surgiram na pista do aeroporto, bonitos e sorridentes em seus novos ternos de pêlo de cabra angorá talhados em Londres por Dougie Millings, com base em uma série de esboços de Paul. Para executar a coreografia de última hora criada por Brian Epstein, eles pararam a menos da metade do trajeto até o avião, viraram-se e acenaram ao mesmo tempo, olhando para o terraço de observação, que estava tomado por faixas de encorajamento e repleto de adolescentes que vibravam, gritavam e se equilibravam precaria­mente sobre os parapeitos. Os Beatles riram e gritaram de volta para eles, contagiados. Era impossível não sentir a animação, o apoio fiel de seus leais fãs a torcer por eles, orgulhosos pelo fato de os Beatles estarem indo para os Estados Unidos. Não havia “nada igual no mundo”, de acordo com Paul.
Brian, sutil como um diplomata, havia acomodado o grosso dos acompanhantes na classe econômica do Boeing 707, onde os menos refinados não poderiam inco­modar os Beatles. George, em especial, queria ficar em paz; ele estava lutando contra uma fraqueza que os rapazes inicialmente pensaram ser ansiedade, mas que estava se desenvolvendo progressivamente em forma de gripe. Além disso, havia muitos “clan­destinos” a bordo — industriais britânicos que compraram passagens no vôo 101 para assediar os Beatles com propostas mirabolantes de negócios. Desde a decolagem, eles não paravam de mandar repetidamente uma aeromoça até a primeira classe para exibir produtos variados com propostas de merchandising. E não se cansavam de surpreender os rapazes com a infinidade de bugigangas baratas que já estava sendo produzida para ganhar dinheiro com o nome deles: lanternas, relógios, casacos, travesseiros, cachecóis, canetas, braceletes, jogos e vários tipos de perucas, que imitavam os cabelos dos Beatles e se tornaram um modismo bobo. Aquela era a oportunidade para aumentar ainda mais o rol de bobagens.
Conforme o avião, taxiava, os Beatles se espremeram junto às janelas para ter uma visão melhor da cena que se desenrolava no terminal. Todos os lugares para onde olhavam estavam repletos de jovens. Gritos e aclamações irromperam dentro do avião, e pela primeira vez desde Londres o rosto de John se iluminou com um sorriso. “Olhe só pra isso!”, sussurrou um deles roucamente, com a voz lutando entre o alívio e a alegria. Fãs americanos estavam se concentrando ali desde o início da manhã, motivados pelos mais famosos radialistas de Nova York - que transmitiam ao vivo do aeroporto. Durante o dia todo eles instigaram os fãs a irem até lá, tocando discos dos Beatles ininterruptamen­te e, oferecendo prêmios e perucas do penteado dos Beatles, casacos e fotografias. Como resultado, conseguiram recrutar a maior multidão que o Kennedy International Airport já reunira. “Nem para reis ou rainhas se viu nada igual”, disse um policial do portão. O New York Times relatou que “três mil, adolescentes ficaram em quatro fileiras na galeria superior da área de desembarque internacional (...) garotas, garotas e mais garotas”. Do avião era possível vê-las pulando, indóceis, muito parecidas com suas equivalentes britânicas. A polícia, usando cada homem disponível, formou cordões de isolamento para tentar conter as jovens, mas, quando o avião desligou os motores, a batalha parecia perdida. Por vezes, alguma garota mais corajosa se atirava sobre a parede de uniformes azul-marinhos — como um atacante de futebol americano em direção à meta -  e era energicamente repelida. Uma espectadora mais velha sofreu um leve ataque do coração, e, de acordo com o Daily News, “alguns socos foram trocados enquanto as fãs lutavam pelos melhores lugares”.
Quando os rapazes chegaram à porta da aeronave, sorriram e gritaram para a mul­tidão, acenando aleatoriamente; um radialista sem fôlego se esforçou para descrever suas expressões: “Até onde posso ver, os quatro Beatles estão na porta da aeronave, e é quase certo que se encontram completamente estupefatos. Ninguém, ninguém mesmo, nunca viu ou suspeitou algo sequer remotamente parecido ao que estamos vendo!”
Por questões de segurança, os Beatles foram liberados de passar pela alfândega e seguiram diretamente para a entrevista coletiva de imprensa no saguão térreo da seção de desembarque da Pan Am. Mais de duzentos repórteres e fotógrafos tomavam a sala, acoto­velando-se na disputa por lugares e disparando perguntas até quando os rapazes já estavam sendo levados para a saída, vestidos com seus sobretudos pretos idênticos e carregando as bagagens de mão.

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