Os Beatles provavelmente nunca teriam ascendido à condição de majestades sem “Os Reis do Iê, Iê, Iê”. O primeiro filme da banda mais popular da história, que completou 55 anos, captura e amplifica um fenômeno até hoje sem precedentes na música popular: a Beatlemania.
“A Hard Day’s Night” foi o primeiro longa-metragem da história a lucrar antes mesmo do lançamento. Esse era o tipo de poder que eles tinham, um poder nunca antes concedido a quatro músicos. Eles eram uma sensação, um fenômeno que ninguém conseguia compreender. Tudo o que queriam, eles conquistavam. Tudo em que tocavam virava magia. Aonde quer que fossem, o mundo inteiro os acompanhava. Todos os dias, uma multidão de fãs, imprensa e polícia lutava ao redor deles, empurrando, puxando e gritando; e lá estavam, no centro de tudo, os sempre sorridentes, risonhos e brincalhões Beatles. “A beatlemania foi além da compreensão”, Lennon refletiria mais tarde, e ele tinha toda razão.
A primeira proposta para um filme dos Beatles foi feita em Londres. Se chamava “The Yellow Teddy Bears”. Girava em torno de uma escola feminina — na qual distintivos de ursinhos amarelos eram usados para denotar promiscuidade - e de um professor bem-intencionado. Eles não gostaram. O cinema, era um caminho que eles tinham muito interesse em trilhar. Os produtores queriam que eles aparecessem em cena tocando algumas canções, das quais, abocanhariam os direitos autorais. Eles acreditavam firmemente que, embora uma canção possa durar um mês, um filme vive para sempre. Conscientes de sua imagem, concordaram que o filme do qual participariam deveria ser algo muito especial para justificar seu envolvimento.
E então The Goon Show entra na jogada. Em 1959, Peter Sellers estava procurando uma maneira de transferir o Goon Show do rádio para a televisão. Ele precisava de um diretor capaz de compreender visuais e humor surrealistas. Uma noite, ele viu The Dick Lester Show, programa improvisado (contando, entre outros, com Alun Owen, roteirista de Liverpool) que procurava reproduzir o humor ao estilo do Goon Show na televisão. Sellers entrou em contato com o diretor do programa, um homem de 23 anos chamado Richard Lester.
Utilizando uma câmera cinematográfica de 16 mm recém-adquirida por Sellers, além de um campo no norte de Londres e um elenco contando com Spike Milligan e Graham Stark, eles fizeram um curta-metragem de onze minutos chamado The Running jumping and Standing Still Film (1960). Lester não só o dirigiu, como também compôs a música. A filmagem era para uso privado, mas foi vista por um crítico de televisão que insistiu em sua inscrição no Festival de Edimburgo. Foi o que eles fizeram, e o filme acabou sendo lançado na Grã-Bretanha.
A seguir, Lester foi contratado para dirigir o filme It’s Trad, Dad! (1962), uma comédia musical que entrou às pressas em produção para aproveitar a tendência de jazz tradicional que estava impregnando a parada pop no Reino Unido. Entre os músicos que participaram do filme estavam Chubby Checker, Helen Shapiro, Gene Vincent, Chris Barber e Acker Bilk. Os Beatles viram as duas obras de Lester, mas foi um curta que chamou atenção de verdade. “Nós discutimos isso (a possibilidade de um filme) com Brian em várias ocasiões, e ele perguntou se tínhamos algumas ideias a esse respeito”, contou Paul McCartney. “Só conseguíamos pensar na pessoa que tinha feito o Running Standing, porque era um curta brilhante”.
Dick Lester entrou na universidade aos 15 e se formou em psicologia clínica. Trabalhou com música e televisão, cantou numa banda vocal e foi diretor de cena na CBS. Foi para Londres e passou a dirigir o programa de jazz Downbeat, na ATV. Lester também se tornou amigo do roteirista Alun Owen, que colaborava com o The Dick Lester Show. Foi a Owen que ele se voltou em busca do roteiro, mas somente após Johnny Speight, posteriormente criador da clássica série televisiva Till Death Us Do Part, recusar.
Owen, que se descrevia como um “boêmio com raízes operárias”, era perfeito; ele era de Liverpool e seu último grande sucesso na televisão, No Trams to Lime Street (1959), era ambientado em sua cidade natal. Os Beatles viram a reprodução e então Owen foi convidado para acompanhar os rapazes durante uma excursão, para que observasse a personalidade de cada um e capturasse sua linguagem peculiar. Owen escreveu o roteiro em aproximadamente um mês, tempo curtíssimo para tamanho empreendimento.
Filmado a toque de caixa, com período completo de produção (roteiro, filmagem, edição) espremido em 16 semanas, as gravações começaram em 2 de março e terminaram em 24 de abril, “Os Reis do Iê-Iê-Iê” nasceu como um produto 100% comercial, sem qualquer ambição artística. A ideia da gravadora dos Beatles, a EMI, era apenas aproveitar a fama dos rapazes de Liverpool, adquirida durante a primeira passagem da banda pelos EUA, para vender discos e bilhetes de cinema. Ninguém imaginava que o grupo se tornaria o mais importante da música popular no século XX. Tampouco previam que o filme se tornaria uma referência obrigatória no terreno dos musicais. O medo de que o sucesso escasseasse a qualquer momento acelerou a produção, mas não impediu o jovem cineasta Richard Lester de lançar as fundações do novo gênero (o documentário musical) e criar as sementes do que viria a ser um grande símbolo cultural no fim do século – o videoclipe.
Nos primeiros dias, a filmagem aconteceu num trem rumo à região sudoeste da Inglaterra. Entre outras locações, estavam os Estúdios de Cinema Twickenham e o Teatro Scala, em Londres. Lester e os Beatles trabalhavam bem juntos. O diretor estava ciente da visão do grupo e fez questão de incorporar a espontaneidade dos rapazes como comediantes sempre que possível. De forma correspondente, eles improvisaram em muitas cenas.
Conforme a filmagem se aproximava do fim, a trilha sonora já estava pronta. Responsável pelo lançamento do disco nos Estados Unidos, a United Artists prensou meio milhão de cópias do LP. No dia 25 de junho, uma quinta-feira, eles deram uma cópia a uma importante estação de radio nova-iorquina para uma apresentação antecipada. A reação positiva do público a essa nova coleção de canções dos Beatles foi tamanha que, na segunda-feira, as encomendas chegaram a um milhão de cópias. Inacreditavelmente, uma semana mais tarde, chegaram a dois milhões. Cinemas dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Europa encomendaram mais de 1.700 cópias do longa-metragem. A plateia ainda não havia visto o filme, mas ele já era um sucesso absoluto.
A fita foi editada e montada numa velocidade absurda. Começar um filme em março e tê-lo pronto para exibição em julho foi um feito incrível. O grupo participou de duas grandes estreias para promovê-lo: uma em 6 de julho, em Londres, e outra em 10 de julho, em Liverpool. Eles estavam bastante nervosos por voltar para casa. Depois que se mudaram de Liverpool, boatos e murmúrios desagradáveis os acompanharam até Londres, dizendo que todos os odiavam, que eram traidores, um bando de Judas que não deveria ter saído do Cavern. Conhecendo os conterrâneos, eles esperavam que alguma raiva pública lhes fosse lançada assim que pisassem na cidade. Após desembarcarem no Aeroporto Speke (hoje conhecido como Aeroporto de Liverpool John Lennon), os rapazes entraram nas obrigatórias limusines, completamente pasmos ao serem saudados por duzentos mil moradores eufóricos. “Depois disso, nada mais importa”, Harrison afirmou entusiasmado ao olhar aquele mar de gente. “Isso é o máximo”.
A opção pelo improviso, associada às técnicas modernas de montagem, acabou por capturar muito bem a atmosfera de irreverência e inovação cultural associadas à Beatlemania. As piadas são ótimas, e os números musicais que intercalam as cenas forneceram inspiração e um modelo estético para o futuro dos vídeos.
Para os críticos, o trabalho de Richard Lester – que mais tarde participaria da primeira trilogia do Superman – ultrapassa o status de clássico, ao estabelecer uma nova gramática para o cinema. “Hoje, quando assistimos à edição rápida da TV, as imagens feitas com câmeras de mão, entrevistas feitas com pessoas em movimento, pedaços intercortados de diálogo, música tocada em documentário, e a todas as outras marcas do estilo moderno, estamos olhando para os ‘A Hard Day's Night".
Infelizmente, não encontrei em lugar algum, o filme completo legendado em poruguês on line com um link disponível. Mas quem quiser, pode assistir A HARD DAY'S NIGHT completo aqui, original em inglês, sem legendas. Pelo menos, a resolução é boa. Valeu!
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