Esta postagem foi publicada originalmente no dia 28 de julho de 2014. Ele poderia ter sido piloto de avião. Economista, talvez. Ou simplesmente se deitado no berço esplêndido de onde viera. Mas não. Tornou-se cantor quase por acidente; bateu de frente com Roberto Carlos sem intenção; foi fundo na psicodelia, apesar de não ter experimentado drogas alucinógenas; conheceu o sucesso popular meio que por acaso. Também – e isso por muito querer – tornou-se uma “mãe de gravata” e desafiou a morte. Aos 70 anos, completados no dia 17, Ronaldo Lindenberg von Schilgen Cintra Nogueira ganhou a biografia Ronnie Von – O príncipe que podia ser rei (Planeta), dos jornalistas Antonio Guerreiro e Luiz Cesar Pimentel. É mesmo um presentão. Recheado de fotos e com a discografia completa, a narrativa – resultado de 100 horas de conversa com Ronnie Von, além de entrevistas com 50 pessoas que convivem ou conviveram com ele – apresenta um retrato simpático do biografado. Por vezes recai mais num perfil, evitando polemizar ou aprofundar-se em assuntos mais difíceis. Mas carrega como maior mérito conseguir traduzir a trajetória de Ronnie Von, que nunca se deteve em um só aspecto. Ronnie Von é hoje um senhor que conversa amenidades de toda sorte (e com conhecimento de causa) em programa diário que, a despeito de seu alcance limitado (o "Todo seu" é exibido pela TV Gazeta, disponível apenas em São Paulo), é referência no país (houve quem apostasse que ele seria o substituto de Hebe Camargo). Também tem seu lado empresário, mas o que interessa aqui são os diferentes matizes que compõem seu passado.
Apaixonado pelos Beatles e com um fraco pelo existencialismo, foi alçado ao posto de novo ídolo jovem na década de 1960 graças a uma versão para uma música do lado 2 de Rubber soul, dos Beatles. Com a ajuda do pai, que nem em seus maiores pesadelos poderia imaginar um filho cantor, Ronnie Von criou a versão para "Girl", de Lennon e McCartney (um dos primeiros a verter os Beatles no Brasil). "Meu bem" foi a porta de entrada para o universo jovem. Em contraponto ao rei Roberto Carlos, Ronnie Von – com seus cabelos longos e um rosto bonito – tornou-se o Pequeno Príncipe. Não entrou para a Jovem Guarda mas conseguiu virar febre da juventude. Os então recém-formados Mutantes se tornaram sua banda de apoio e, na virada dos 1960 para os 1970, no auge da popularidade, Ronnie gravou três álbuns que só foram compreendidos 30 anos mais tarde. A chamada fase psicodélica, que gerou os LPs reeditados recentemente Ronnie Von (1968), A misteriosa luta do reino de parassempre contra o império de nunca mais (1969) e Máquina voadora (1970), fez dele objeto de culto mundo afora. Na segunda metade dos anos 1970 se reconciliou com o público mais popular. Virou figura fácil dos programas de auditório comandados por Silvio Santos e voltou a fazer muitos shows com seu viés de cantor romântico. Até que pouco antes da virada dos anos 1980, passou pelos maiores percalços da vida – fim conturbado do primeiro casamento e diagnóstico de uma doença rara, que lhe tirou os movimentos e o levou a ser desenganado pelos médicos. Ronnie Von sobreviveu a tudo, criou os filhos (até hoje ganha presente no Dia das Mães) e deu outro foco tanto à carreira quanto à vida pessoal. É o produtor Arnaldo Saccomani, que trabalhou a seu lado durante anos, quem melhor o resume: “Você vê que ele sempre buscou a diferenciação. Buscou ser uma pessoa distante da Jovem Guarda. Às vezes de maneira correta, às vezes de maneira errada, não importa. O que importa é que ele nunca foi na mesmice”. RONNIE VON – O PRÍNCIPE QUE PODIA SER REI - De Antonio Guerreiro e Luiz Cesar Pimentel - Editora Planeta, 120 páginas, R$ 34,90.
Trecho: “Quando, em 15 de outubro de 1996, Ronnie Von estreou O pequeno mundo de Ronnie Von na mesma Record, Roberto Carlos sentiu o seu castelo estremecer. Nos bastidores, alguns pauzinhos foram movidos e os convidados do Jovem Guarda ficaram impedidos de entrar no mundo de Ronnie. Mas, apesar disso e da gritante carência de recursos, o programa decolou. Decolou tanto que apenas dois meses depois, segundo conta quem estava no estúdio, o Rei teria colocado uma foto do Príncipe na sua frente e cantado, com a ajuda dos pulmões e do fígado, a música "querem acabar comigo / isso eu não vou deixar”.
O texto não foi atualizado.
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