Os dias que antecederam o lançamento de “Double Fantasy” foram de enorme expectativa. Era um prazer enorme abrir revistas dos mais variados gêneros e ver meu herói de volta a ser notícia! Esta pequena entrevista que a gente confere agora, foi publicada na revista Veja de 1º de outubro de 1980. “Double Fantasy” seria lançado no dia 17 de novembro, mas só chegaria às lojas - pelo menos aqui em Brasília - no início de dezembro. Mal sabia eu (nem ninguém!) que do dia desta publicação na Veja, em 2 meses e poucos dias, John Lennon seria a notícia mais popular em todos os jornais, revistas, TVs e rádios do planeta! Na época que foi lançada esta entrevista, arranquei cuidadosamente as duas páginas da revista e guardei carinhosamente na minha pasta (daquelas com folhas de plástico) dos Beatles e lá ela permaneceu até 5 de janeiro de 2011, quando resolvi publicá-la na sessão “ARQUIVOS SECRETOS – Tesouros do Fundo do Baú”, aqui do blog. A 'entrevistinha' não traz nada de novo ou alguma coisa que alguém já não saiba, vale mais pela lembrança... Mas é sempre bom relembrar as palavras de Lennon. Então? Vamos conferir o que John disse?
Ao longo dos nove anos desde que os Beatles se separaram, John Lennon, o mais controverso e brilhante de seus quatro componentes, vem passando por um turbulento amadurecimento. Depois de uma frenética produção de discos de qualidade incrivelmente desigual, uma briga de quatro anos com o Serviço de Imigração americano para permanecer nos Estados Unidos, uma separação de quinze meses de sua esposa Yoko Ono e o nascimento de seu filho Sean, Lennon desapareceu de vista em 1975. Agora, às vésperas de se converter em um quarentão, ele reemerge com o mais esperado álbum do ano. Intitulado “Double Fantasy”, é uma espécie de “Cenas de um Casamento” revelado em catorze canções – sete escritas por Lennon, sete por Yoko Ono. Há alguns anos, o casal trocou seus papéis: Lennon tornou-se um “dono de casa”, cuidando de bebê e fazendo pão, enquanto Yoko se convertia na gerente de negócios da família. Suas propriedades nos EUA são extensas – cinco apartamentos no legendário edifício de Dakota de Manhattan, Nova York e quatro fazendas para produzir leite. Recentemente, Lennon e Ono deram sua primeira entrevista em cinco anos a Bárbara Gaustark, da revista Newsweek. Vestindo uma calça Levis e uma camisa de trabalho, fumando cigarros franceses, o ex-Beatle falou abertamente de si próprio, sem mostrar sinais de demônios anteriores que antes perseguiam suas canções.
Lennon – Um pouco de cada coisa. Desde os 22 anos de idade estava sob contrato e sempre se esperava alguma coisa de mim. Que eu escrevesse 100 canções até sexta-feira, que gravasse um compacto até sábado, fizesse isso e aquilo. Eu me tornei um artista por gostar da liberdade – nunca pude me encaixar em uma sala de aula ou num escritório. A liberdade era o algo a mais de que eu precisava para compensar o fato de ser um sujeito estranho. De repente, contudo, vi-me amarrado a uma gravadora, à imprensa, ao público. Não tinha liberdade alguma.
Bárbara – Por que cinco anos?
Lennon – Você sabe que me custou um longo tempo pra ter um bebê. Eu queria me dedicar por 5 anos ao meu filho Sean. Não vi Julian, meu primeiro filho (de sua esposa Cynthia) crescer e, agora, eis um homem de 17 anos ao telefone falando de motocicletas. Acho que a maioria das escolas são prisões – a cabeça da criança é aberta e estreitá-la para que ela vá competir na sala de aula é uma piada. Mandei Sean ao jardim de infância mas, quando percebi que o estava fazendo para me ver livre dele, deixei que voltasse para casa. Se não lhe dou atenção agora que ele tem 5 anos, terei que dá-la em doses duplas em sua adolescência. É o que lhe devo.
Bárbara – Yoko, por que você decidiu assumir o papel de empresária?
Yoko – Existe uma canção do John, no disco, chamada “Hora da Limpeza”, e assim foi para nós. Por estarmos ligados à Apple (a empresa dos Beatles) percebemos que todos os advogados e gerentes tinham um pedaço de nós, que não éramos financeiramente independentes – não sabíamos nem quanto dinheiro tínhamos. E ainda não sabemos. Agora estamos vendendo nossas ações da Apple (25%) para liberar nossas energias e outras direções. Fomos aconselhados a investir em ações e petróleo, mas não acreditamos nisso. Você tem que investir em coisas que ama. Como vacas, que são animais sagrados na Índia. Comprar casas foi uma decisão prática – John começou a se sentir preso em apartamentos e nós nos aborrecíamos em hotéis. Cada casa que compramos foi escolhida por ter um valor histórico.
Bárbara – John, foi muito difícil fazer algo que não fosse música?
Lennon – A principio sim, foi muito difícil. Mas, musicalmente, minha mente era apenas uma confusão. Isso ficou aparente em “Walls and Bridges” (seu álbum individual de 1974), que era o trabalho de um artesão semi-enfermo. Não havia inspiração e dele emanava uma aura de sofrimento.
Bárbara – você deixou de ouvir música?
Lennon – Ouço geralmente clássicos ou muzak. Não tenho interessse no trabalho de outros – só na medida em que me toca. Tenho a grande honra de nunca ter ido ao Studio 54 e de nunca ter pisado em qualquer clube de rock.
Bárbara – Por que você decidiu gravar novamente?
Lennon – Porque este dono-de-casa gostaria de ter só um pouquinho de uma carreira. No dia 9 de outubro completo 40 anos de idade. Sean terá 5 e eu poderei dizer: “Papai também faz outras coisas”. O garoto não está acostumado a isso – em cinco anos eu quase não peguei na guitarra. No Natal passado nossos vizinhos mostraram a Sean o filme “Submarino Amarelo” e ele veio correndo para casa perguntando: “Papai, você estava cantando, você foi um Beatle?” Eu lhe respondi: “Bem – sim, fui”.
Bárbara – Por que você colaborou com Yoko nesse LP?
Lennon – É como uma peça de teatro – nós a escrevemos e somos os atores. É John e Yoko – é pegar ou largar... digo de outra forma forma (rindo) ... Yoko me faz sentir inteiro. Não quero cantar se ela não estiver lá comigo. Somos como conselheiros espirituais. Quando deixei os Beatles, pensei: “Ótimo, não preciso mais ouvir a Paul, Ringo e George”: Mas é aborrecido cantar sozinho em um estúdio.
Bárbara – Do homem que aos 23 escreveu “as mulheres deveriam ser obscenas em vez de ouvidas”, você percorreu um longo caminho. Como se deu isso?
Lennon – Eu era um macho da classe trabalhadora, acostumado a ser servido e Yoko não entrou nessa. Do dia em que eu a conheci, ela exigiu tempo igual, espaço igual, direitos iguais. Eu disse: “Não espere que eu mude. Não tome meu espaço”. Ela respondeu: “Então não posso ficar aqui. Tudo giro a seu redor e não posso respirar nessa atmosfera”. Sou-lhe agradecido pela educação que me deu.
Bárbara – As pessoas acusam Yoko de ter arrancado você do grupo e, nesse processo, destruído os Beatles. Como foi que tudo realmente terminou?
Lennon – Sempre estive à espera de um motivo para deixar os Beatles a partir do dia em que filmei “Como Ganhei a Guerra” (em 1966). Só não tinha coragem de tomar essa decisão. A semente estava plantada quando os Beatles pararam de fazer turnês e eu não podia enfrentar o fato de ficar de fora do palco. Mas estava muito assustado para sair de meu palácio. Foi o que matou Elvis Presley. O rei é sempre morto por seus cortesãos. Yoko me mostrou o que significava ser Elvis Beatle e estar rodeado de escravos cujo maior interesse era manter a situação como estava – uma espécie de morte. E assim foi como os Beatles terminaram – não porque ela “tenha dividido” os Beatles, mas porque me disse: “Você está nu”.
Bárbara – Como você vê agora seu radicalismo político no ínicio da década de 70?
Lennon – Aquele radicalismo era falso, realmente, porque nascia de um sentimento de culpa. Sempre me senti culpado por ganhar dinheiro, e assim tinha que gastá-lo ou perdê-lo. Não quero dizer que fosse hipócrita – quando acredito, acredito até o fundo das coisas. Mas, por ser um camaleão, eu me convertia na pessoa com quem estava.
Bárbara – Você tem saudade dos velhos e bons tempos?
Lennon – Nada. O que gerou os Beatles também gerou os anos 60. E, se alguém pensa que, se John e Paul, se juntarem com George e Ringo, os Beatles existiam novamente, está fora de si. Os Beatles deram o que tinham que dar. Os quatro sujeitos que compunham aquele grupo jamais poderão vir a ser aquele grupo novamente mesmo que assim eles quisessem. E se Paul e eu nos juntássemos? Seria chato. Se George ou Ringo se reunisse a nós seria irrelevante porque Paul e eu criamos a música, certo? Mas voltar aos Beatles seria como voltar a escola...
Bárbara – De todas as novas canções, só “I’m Losing You” parece abrigar os famosos demônios de Lennon. Como você escreveu?
Lennon – Ela saiu de um pesado sentimento de perda que se remontou até o útero. Uma noite, eu não consegui me comunicar com Yoko por telefone e me senti completamente perdido... Acho que aí está o significado dessa história de cinco anos – restabelecer contato comigo mesmo. O verdadeiro momento de percepção veio quando descobri quem eu era aconteceu em um quarto em Honk Kong porque tinha me mandado de viagem para que eu ficasse completamente só. Desde os 20 anos não tinha feito nada por minha própria conta. Não sabia nem como me registrar em um hotel... Estava apreciando a vista da baía quando alguém tocou a campainha. Foi o reconhecimento – meu Deus. Essa pessoa calma sou eu. Não necessita mais de adulações ou de êxitos musicais. Rodei por Hong Kong de madrugada, sozinho, e foi emocionante. Foi redescobrir uma sensação que tive uma vez, muito jovem, percorrendo as montanhas da Escócia com uma tia. Pensei: “Ei, Este é o sentimento que faz você escrever ou pintar... E esteve comigo toda minha vida. E é por isso que estou livre dos Beatles – porque acabei descobrindo que eu era John Lennon antes dos Beatles e serei John Lennon depois dos Beatles”. Assim seja.
Hoje estaria completando 80 anos 💔
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