Ao violão, Paul McCartney dedilhava acordes e cantava versos sobre o passado, sombras que o sobrevoavam e a despedida da amada sem nenhuma justificativa. A decisão entre os quatro Beatles, reunidos no EMI Studios, em Londres, era unânime. Paul deveria gravar a canção sozinho. Voz e violão. Seria uma obra-prima, como boa parte do catálogo lançado pelo quarteto de Liverpool depois daquele disco, Help!, de 1965, com o início da fase mais experimental e psicodélica deles. O quinto Beatle negou a versão. Ou melhor, como fazem os mestres, sugeriu a chance de engrandecê-la. Entendeu, e argumentou, que um quarteto de cordas viria bem a calhar. "Somos uma banda de rock and roll, George", contra-argumentou Macca. Concordaram em fazer as duas versões. E o mundo, quando conheceu Yesterday, uma das mais populares dos Beatles, a ouviu como imaginou George Henry Martin, o produtor, o professor, o psicólogo e, por que não, mentor de Paul, John Lennon, Ringo Starr e George Harrison.
Ao ser encontrado morto durante o sono, na noite de terça-feira, 8, aos 90
anos, de causas ainda não reveladas, o londrino deixou o mundo com um Beatle a
menos. Restam apenas Paul e Ringo, depois das mortes de John em 1980 e George
em 2001, e agora do produtor.
Era o quinto integrante de um quarteto, se é que isso é possível - no caso dos
Beatles, era sim. Outros já dividiram o título de quinto integrante do grupo. O
empresário Brian Epstein, morto em 1967, é um deles, ou Pete Best, baterista
antes da chegada de Ringo Starr, que foi literalmente um Beatle entre 1960 e
1962. Nenhum deles, contudo, foi tão merecedor do título quando Martin. O
próprio Paul McCartney, em um texto escrito em homenagem ao amigo morto,
decretou: "Se alguém merece o título de quinto Beatle, é George. Desde o
dia em que ele nos ofereceu o primeiro contrato de gravação até o último dia
que eu o vi, ele foi a pessoa mais generosa, inteligente e musical que eu já
tive o prazer de conhecer".
Nascido em Highbury, em Londres, em janeiro de 1926, George Martin aprendeu a
tocar piano desde cedo, aos 8 anos. Fez oito aulas, mas uma discussão entre a
mãe dele e a professora encerrou as lições, prematuramente. Depois disso,
Martin foi autodidata, embora tenha estudado música em outras instituições. Ingressou
na gravadora EMI em 1950, como assistente do diretor do selo Parlophone. Quando
conheceu os Beatles, em 1962, já era um nome consagrado com bons discos de
música erudita, embora pouca experiência bem-sucedida no universo do pop.
No primeiro encontro com os Beatles, depois de duas reuniões com Epstein,
Harrison fez graça com a gravata do produtor, pouco mais de uma década mais
velho que o quarteto. E assim começou uma parceria c0m a banda que durou até
1969, com o disco Abbey Road - o último do grupo, Let It Be, do ano seguinte,
foi produzido por Phil Spector.
Mesmo que a obra de Martin com os Beatles tenha forjado a história da música
como a conhecemos, o produtor ainda deixou sua assinatura em trabalhos com
Elton John (Candle in the Wind, em parceria com Michael Jackson), America,
Gerry & The Peacemakers, Cilla Black, Jeff Beck, Cheap Trick, UFO, além de
guiar McCartney e Starr nos voos solos.
Martin não gostou do som que ouviu dos Beatles pela primeira vez, em 1962, mas
se encantou com as vozes de Macca e Lennon. Viu potencial ali. Foi ele o
responsável por abrir a cabeça do quarteto ao experimentalismo da segunda
metade da década de sucesso. Trouxe as referências certas, orquestrou, de
maneira literal ou figurada, o avanço em direção à psicodelia. Mais do que
tudo, Martin mostrou como o produtor não era uma persona figurativa ou técnica.
Era preciso coração, e boas doses de psicologia, além de um bom direcionamento
artístico. Os Beatles talvez não fossem os Beatles, não fosse por Martin tê-los
acompanhado e os guiado. E, curiosamente, Martin sabia que a força dos quatro
estava justamente na unidade deles. Naquilo que aqueles talentos unidos
produziam. Ele, acima de todos, entendia os Beatles como um quarteto. E
provavelmente não aceitaria o posto de quinto elemento, ali. Mas que ele fez
por merecer o cargo, isso ele fez.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
Tanto este quanto o texto posterior são esclarecedores, certeiros e objetivos. E mais não digo.
ResponderExcluirGeorge Martin já faz muita falta para esse mundinho chato.
ResponderExcluirO que eu acho extraordinário é que George Martin trabalhava antes com música erudita com pouca experiência com o pop e mesmo assim, já no "Please Please Me", ele arrasou...
ResponderExcluir"A diferença é a música".
ResponderExcluirPara mim, George Martin sempre foi o Quinto Beatle. Introduziu os Metais e os Instrumentos Clássicos engrandecendo os Beatles, unindo o Pop e o Erudito. "Os Beatles tinham em George Martin o parceiro ideal, um verdadeiro gênio e arranjador.", palavras de Tony Bramwell.
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