No dia 4 de setembro de 1968, Ringo retornou aos Beatles depois de duas semanas, quando ele finalmente encheu o saco e mandou os outros às favas. Aqui, no nosso blog preferido, a gente confere o capítulo sobre esse episódio, do livro de Paolo Hewitt "LOVE ME DO - 50 momentos marcantes dos Beatles", de 2012.
Anos mais tarde, John e Paul discutiriam a respeito de quem foi o primeiro a deixar a banda e destruir a Beatlelândia, cada um reivindicando ser o autor da proeza, mas na verdade ambos estavam errados. Ringo Starr foi o primeiro a deixar os Beatles. Em 22 de agosto de 1968, ele saiu do estúdio Abbey Road e se mandou para o iate de Peter Sellers no Mediterrâneo. O despreocupado Ringo seria o primeiro a botar a boca no trombone sobre o clima amargo e angustiante das sessões de gravação de The White Álbum (Álbum Branco).
Foi culpa de John — para começar a dissolução da gangue, ele sabia que seria necessário meter o pé na porta. Obviamente, não bastou aparecer nu com Yoko na capa do LP Unfinished Music N. 1: Two Virgins. Então era hora de destruir a regra essencial da banda e, depois de ela ser esmigalhada, as coisas passariam do prumo. E foi isso mesmo o que aconteceu. John entrou no estúdio de braço dado com Yoko e agiu como se nada estivesse errado. Nas sessões de gravação dos Beatles, pessoas de fora não eram permitidas. Era a gangue e nada além da gangue no estúdio. Em seu belo livro de memórias, An Affctionate Punch (1986), Justin de Villeneuve, empresário de Twiggy, descreve o dia em que foi visitar os Beatles a negócios em Abbey Road e os encontrou fazendo uma pausa. Na época, ele se considerava amigo de Paul, George e Ringo, mas, quando eles estavam juntos, era como se uma parede de vidro os separasse das outras pessoas. “O Paul, meu amigo, me deu um gelo total”, contou Villeneuve. “O Ringo virou a cara, o George ficou me encarando [...]. Depois de dez minutos falando com as paredes, eu fui embora chamando-os de “bando de caipiras do caralho...”. Sempre que eles gravavam, a barreira invisível aparecia, e Justin não foi o primeiro a perceber isso, como provam outros livros e relatos a respeito dos Beatles. John agora havia destruído essa barreira ao trazer Yoko, que sentou ao seu lado, deu risadinhas, sussurrou ao ouvido dele, e depois — inacreditavelmente — passou a dar opiniões sobre as músicas, como se fosse integrante da banda. Os outros três Beatles ficaram atordoados, confusos e com raiva. Paul revidou, primeiro trazendo sua namorada de então, a norte-americana Francie Schwartz, e a seguir a futura esposa, Linda Eastman. Brigas estouravam diariamente. Observações sarcásticas voavam por todos os lados do Estúdio Dois. Pouco ajudou o fato de o grupo ter cerca de trinta canções para serem trabalhadas. E a gravação de algumas delas, se não de todas, levou a banda à loucura. “Ob-La-Di Ob-La-Da” nunca será conhecida como a melhor obra de McCartney, mas a sucessão de horas para gravá-la deixou a banda totalmente atordoada. Com John e Yoko dando risadinhas feito dois adolescentes excitados na maioria das sessões, a persona de professor de Paul aflorou, criticando George e Ringo — mas nunca John — ao dar suas instruções. A frustração de Ringo era agravada pelo fato de invariavelmente ser o primeiro a chegar a Abbey Road. E ele tomava um chá de cadeira até os outros fInalmente darem o ar da graça. Além disso, Ringo ficava lá sentado, aguentando as discussões e maledicências até o trabalho finalmente começar, sempre num clima ruim. Nessa hora, ninguém pensava em falar “All you need is love” (“O amor é tudo de que você precisa”). No dia 22 de agosto, Ringo errou um ritmo na baterIa e McCartney começou a dar sermão; de repente, a raiva tomou conta do baterista. Ringo simplesmente não aguentava mais. Beatles ou não Beatles, pela primeira vez na vida aquilo não tinha mais importância. Ele saiu fumegando de Abbey Road.
De certa forma, o trabalho de Ringo nos Beatles sempre foi um tanto ofuscado por uma afirmativa impertinente e arrogante de John Lennon. Quando perguntaram se ele considerava Ringo Starr o melhor baterista do mundo, Lennon respondeu: “Ele nem sequer é o melhor baterista dos Beatles”. Detratores de Starr têm utilizado essa frase contra ele desde então, sem questionar por que dois dos maiores compositores do século teriam empregado um baterista meia-boca durante anos para ajudar na concretização de suas músicas. É claro que não era nada disso. “Rain”, “Tomorrow Never Knows” ou “Come Together" são tudo que precisa ser mencionado em qualquer debate a respeito da habilidade de Ringo. “Até Abbey Road”, Paul afirmaria mais tarde, “nunca tivemos um solo de bateria no repertório dos Beatles, por isso outros bateristas diziam que, apesar de gostarem de seu estilo, Ringo não era um baterista muito bom tecnicamente. Foi uma coisa meio condescendente, e acho que deixamos isso ir longe demais”.
Ringo era o sorriso dos Beatles, o som de gargalhada da gangue. O único elemento que carregava uma vulnerabilidade despretensiosa, e isso o tornava adorável. Ringo era o cara comum. Ele representava a ideia de que coisas boas realmente acontecem a pessoas boas, e essa constatação alegrava os corações de toda a Grã-Bretanha. Além disso, ele não era apenas um baterista, mas o melhor ator da banda (John vinha logo na segunda posição), e era ele quem os produtores procuravam. Em 1968, ele tirou folga da banda para participar da quase chanchada Candy. Foi um horror completo e ele nunca devia ter aceitado, mas o baterista foi pago pela atuação e teve seu nome exibido ao lado do de Marlon Brando, Richard Burton e Walter Matthau. No ano seguinte, ele estrelou outro filme, Um Beatle no paraíso, que também não lhe acrescentou muito, mas dessa vez seu nome foi visto ao lado do de Peter Sellers, Spike Milligan, Richard Attenborough, John Cleese, Laurence Harvey, Christopher Lee, Roman Polanski, Raquel Welch, Hattie Jacques, Graham Chapman, Yul Brynner e Harry Carpenter. Ringo não passou vergonha em nenhum dos dois filmes — nada mau para quem não fez aula de teatro. À época de Candy, o baterista se tornara ainda mais bem-visto pelo público britânico ao aparecer no especial de televisão Cilla, transmitido em fevereiro de 1968.0 programa mostrava Ringo cantando e se divertindo em sequências de sapateado e ventriloquia.
Seis meses depois, ele estava fora da banda e se espreguiçando no iate de Peter Sellers com a família. Foi então que o baterista terminou sua primeira composição a ser executada pelo grupo (embora também tenha sido coautor de “What Goes On”, em Rubber Soul). Convenientemente, dados os eventos da semana anterior, ela se chamava “Don’t Pass Me By” (“Não me ignore”). No dia 4 de setembro de 1968, quando Ringo voltou à banda e entrou no estúdio Abbey Road, levemente nervoso por encontrar os amigos que xingara até não poder mais, sua bateria estava coberta de flores e havia uma faixa com os dizeres “Bem-vindo ao lar, Ringo” pendurada no teto. Então ele sorriu, depois gargalhou, e assim os Beatles ainda seguiram adiante.
3 comentários:
Aquela frase "Ringo não é nem o melhor baterista dos Beatles" nunca foi dita pelo John. Quem disse isso foi Jasper Carrott em 1983 num Pub em NY - comprovado pela BBC.
Não entendo como tem gente que realmente acha que o John diria algo do tipo pro Ringão. Eles eram amigões <3
Otima postagem! =)
Também acho que não disse. No site The Beatles Bible, existe uma grande discussão sobre isso...
https://www.beatlesbible.com/forum/john-lennon/ringo-isnt-even-the-best-drummer-in-the-band/
Ele sempre pareceu tão calmo, tranquilo, para ter perdido a paciência assim, é porque o clima devia estar bem pesado mesmo...
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