Viver é fácil, se você fechar os olhos. No outono de 1966, John Lennon foi para a Espanha filmar o papel do soldado Grippweed no filme “How I Won The War”, de Richard Lester, no Brasil – “Como Ganhei a Guerra”. Foi o primeiro Beatle a realizar um trabalho sem os outros. Entre as cenas na praia de Almeria, ele começou a compor “Strawberry Fields Forever”, uma música concebida para ser um blues arrastado. A canção começou com o que viria a ser o segundo verso da versão gravada. Era uma reflexão sobre a convicção de que desde a infância ele sempre fora, de alguma forma, diferente dos demais, de que via e sentia coisas que os outros não viam ou sentiam. Na versão mais antiga de suas fitas na Espanha, ele começa com: “No one is on my wavelenght”, para depois mudar a frase para “No one i think is in my tree”, aparentemente para disfarçar o que poderia ser visto como arrogância. Ele estava dizendo que acreditava que ninguém conseguia se sintonizar com sua forma de pensar e que, então, devia ser ou um gênio (“high”) ou louco (“low” ?). “Eu pareço ver as coisas de uma maneira diferente das pessoas”. Foi apenas no take 4 da fita de composição que ele fala dos Strawberry (sem o “forever”) e, no take 5, acrescentou a frase “nothing to get mad about”, que depois foi alterada para “nothing to get hung about”. Ele já estava usando um modo deliberadamente hesitante – “er”, “that is”, “I mean”, “I think” – para reforçar que essa era uma tentativa de articular conceitos que não podem ser colocados em palavras. Ao retornar à Inglaterra, John trabalhou na música em Kenwood, onde o verso final foi incluído. Foi só no estúdio que ele a terminou, acrescentando o verso de abertura.
Na versão completa, um lugar é criado para representar um estado da mente. Strawberry Field (John acrescentou depois o “s”) era um orfanato do Exército da Salvação na Beaconsfield Road em Woolton, a cinco minutos de caminhada de sua casa em Menlove Avenue. Era uma enorme construção vitoriana em um terreno arborizado aonde o jovem Lennon ia com sua tia Mimi para os festivais de verão, mas também um lugar onde ele entrava sorrateiramente a noite e nos fins de semana com amigos como Pete Shotton e Ivan Vaughan para fumarem e beberem escondidos. Strawberry Field era o playground do jovem John Lennon. Essas visitas ilícitas eram para John como as fugas de Alice pela toca do coelho e através do espelho. Ele sentia estar entrando em outro mundo, um universo que era mais próximo do seu mundo interior, e na vida adulta ele associaria esses momentos de alegria com sua infância perdida e também com uma sensação de psicodelismo, neste caso sem drogas. Na entrevista de 1980 para a Playboy , John declarou que “entrava em alfa” quando criança e via “imagens alucinatórias” de seu rosto quando se olhava no espelho. Ele disse que foi só quando descobriu o trabalho dos surrealistas que percebeu que não era louco, que não era o “único”, e sim membro de “um clube exclusivo que vê o mundo desse jeito”. “Strawberry Fields Forever” foi a primeira gravação do que viria logo em seguida o magnífico SGT. PEPPER’S, a segunda foi Penny Lane. Estranhamente (ou não), o single “Strawberry Fields Forever” / “Penny Lane” não foi imediatamente para o primeiro lugar, como era costume há vários anos. Segundo Mark Lewisohn, o maior historiador da carreira dos Beatles, George Martin e seus asseclas, tentaram, gravaram e registraram mais de 100 vezes a canção de Lennon, que, em sua última conversa com Martin, disse que nunca ficou satisfeito com o resultado final e que se ressentia com a forma que a gravação final da música foi feita de forma tão apressada. Gênio.
3 comentários:
E aí Edu, o que vc achou das "novas" versões de "Strawberry.." na nova edição do Pepper's? Achei mais do mesmo, e você?
Me lembro de ler um livro em que o autor relatava que, pouco antes de seu assassinato, John Lennon conversava com George Martin num restaurante e, num determinado ponto da conversa, Lennon demonstrou que, se pudesse regravaria todas as canções dos Beatles. E que Martin pergunta: "E Strawberry Fields?", ao que John, baixando os óculos e se aproximando de Martin, responde "Especialmente Strawberry Fields!". Na época, não compreendi muito bem, mas hoje, depois de tantos anos, compreendo o que o John queria dizer...
Acho que as músicas dos Beatles jamais deveriam ser retocadas, porque são perfeitas... Mas algumas são menos perfeitas que outras e incluo nesse caso "Strawberry Fieds".
Sempre achei a letra maravilhosa e acredito que venha daí o charme inquestionável da canção, mas a melodia em si nunca conseguiu me ganhar inteiramente!
Mas isso é apenas uma opinião particular.
É difícil eu montar uma coletânea dos Beatles para tocar no carro e incluir "Strawberry Fields".
Já eu, gosto muito dessa canção, acho que justamente por ser "imperfeita", ela também remete a um mundo de fantasia. Quando eu era adolescente e ouvi a primeira vez lembro de ter achado fantástica e ao mesmo tempo estranha, e me parecia que tinha umas colagens. Anos depois, fazendo minhas pesquisas pela internet, entendi que pode ter sido por conta da edição da música na época das gravações. Parece que John gostou de duas gravações que estavam em tons diferentes e pediu ao produtor para fundir as duas e a solução foi acelerar a mais lenta e reduzir a velocidade da mais rápida e aí encontrar um ponto para juntar as novas gravações. Gosto também da versão do Anthology.
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