A belíssima "Penny Lane", um dos maiores clássicos dos Beatles, foi lançada em 13 de fevereiro de 1967 como um single duplo lado A com "Strawberry Fields Forever". Foi escrita principalmente por Paul McCartney e creditada à parceria Lennon e McCartney. A letra se refere à Penny Lane, uma rua de Liverpool, e faz menção a alguns lugares e personagens que McCartney lembrou de sua educação na cidade.
“Penny Lane” começou a ser gravada nos dias 29 e 30 de dezembro de 1966. Os Beatles retornaram à ela nos dias 4, 5, 6, 9, 10, 12, e 17 de janeiro de 1967. As gravações e mixagens foram todas no estúdio da EMI em Abbey Road. O produtor foi George Martin, claro, e teve Geoff Emerick como engenheiro. Paul McCartney canta os vocais principais, toca pianos, baixo, harmônio e pandeiro; John Lennon, além de backing vocals, toca piano, guitarra, congas e palmas; George Harrison também fez backing vocals, tocou guitarra e palmas; e Ringo Starr tocou sua bateria e também campainha. Os músicos adicionais foram: George Martin: piano e arranjo orquestral; Ray Swinfield, P. Goody e Manny Winters: flautas e flautins; David Mason: solo de trompete; Leon Calvert, Freddy Clayton, Bert Courtley e Duncan Campbell: trombetas e flugelhorn; Dick Morgan e Mike Winfield - oboes , cor anglais (instrumento de sopro de palheta dupla da família oboé); e Frank Clarke: contrabaixo. Além do single com "Strawberry Fields Forever" e do álbum Magical Mystery Tour, “Penny Lane” aparece também no Anthology 2, no álbum “1” e no Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band -Special Collector’s Anniversary Edition (2017). Também aparece no álbum Beatles Forever (1972) lançado com esse nome apenas aqui no Brasil.
Além de uma rua de Liverpool, Penny Lane também é o nome dado à área que cerca seu cruzamento com a Smithdown Road. Qualquer um que não tenha crescido nessa região de Liverpool pode considerá-la, "um tedioso centro comercial típico dos subúrbios ingleses". Mas para Paul McCartney e John Lennon, que haviam passado a infância por lá, representava um tempo em suas vidas em que todos pareciam ser amigáveis e o sol brilhava sem parar em um céu claro e azul. A vida dentro da bolha da fama dourou um pouco mais as memórias dos dois. Como John observou em "She Said, She Said", "When i was a boy, everything was right".
John incorporara Penny Lane a um antigo esboço de "In My Life", mas foi Paul quem fez tudo dar certo. Ele criou uma cena de rua em Liverpool que poderia ter sido tirada de um álbum de fotos da infância, com uma bela babá, um barbeiro feliz, um banqueiro excêntrico, um bombeiro patriota e alguns passantes simpáticos. "Parte é fato. E parte, nostalgia", ele admitiu. De primeira, parece que se trata de uma cena de verão ("blue suburban skies"), mas depois a chuva é mencionada, assim como alguém vendendo papoulas (flor usada como adereço nas festas de 11 de novembro, data em que, em muitos países, se relembra o fim da primeira guerra mundial). O fato é que a música é como uma série de fotos, não necessariamente tiradas no mesmo dia.
Havia uma barbearia em Penny Lane, tocada por um certo senhor Bioletti, que afirmava ter cortado o cabelo dos Beatles quando crianças.
Havia dois bancos (Barclays e Lloyds), um posto de bombeiros na Allerton Road, e no meio da rotatória, um abrigo. Algumas personagens, como o bombeiro com um retrato da rainha no bolso, eram licenças poéticas de Paul. Ele conta: "Eu escrevi que o barbeiro tinha fotos de todas as cabeças que tivera o prazer de conhecer. Na verdade ele tinha apenas fotos de diferentes cortes de cabelo. Mas todas as pessoas que iam e vinham de fato paravam e diziam 'olá'. "Finger pie" era uma gíria sexual de Liverpool incluída na canção para divertir um pouco os locais. "Era só uma piadinha para o pessoal de Liverpool que gostava um pouco de sacanagem", diz Paul. "Durante muitos meses após o lançamento do disco garçonetes tiveram de aguentar pedidos de "fish and finger pie".
"Penny Lane" era significativa porque, pela primeira vez, marcos britânicos, e não americanos, estavam sendo celebrados no rock"n"roll. Os Beatles estavam começando a escrever canções sobre sua infância. Eles começaram a usar elementos como a sonoridade da fala de rua e canções antigas que seus pais ouviam nos tempos do teatro de variedades. Liverpool não tinha mitologia até que eles criaram.
Hoje, por causa da música, Penny Lane é uma atração turística de Liverpool, o que acabou modificando a área. As placas originais da rua foram roubadas anos atrás e suas substitutas tiveram de ser pregadas nos muros. A barbearia se tornou um salão unissex com uma foto dos Beatles na vitrine. O abrigo na rotatória foi renovado e abriu como bistrô Sgt. Pepper's. O Wine Bar de Penny Lane tem a letra da música pintada acima de suas janelas.
Apesar de parecer surpresa para muitos novos fãs, o sensacional vídeoclipe (que ainda não tinha esse nome) - filme promocional para a música, não foi filmado em Penny Lane. Os Beatles estavam relutantes em viajar para Liverpool. Foram filmadas cenas de rua e em torno de Angel Lane em East End de Londres. A sequência de John Lennon andando sozinho foi filmada na King's Road (em Markham Square), em Chelsea.
As cenas externas foram filmadas em Knole Park, em Severínia, em 30 de janeiro de 1967, onde "Strawberry Fields Forever" também foi rodado. Ambos os vídeos - dirigidos pelo sueco Peter Goldmann - foram selecionados pelo MoMA de Nova York como alguns dos vídeos musicais mais influentes da segunda metade dos anos 1960. Cenas da ‘verdadeira’ Penny Lane foram incluídas - como o ônibus verde de Liverpool e uma breve tomada de cima do "abrigo" no meio da rotatória, mas nenhum dos Beatles aparece nessas cenas.
E agora, com a exclusividade de sempre, aqui pela 1ª vez no Baú, a gente confere um trecho muito bacana e ainda mais esclarecedor sobre “Penny Lane” do livro de Hunter Davies – “AS LETRAS DOS BEATLES – A História por Trás das Canções”, publicado aqui no Brasil pela Editora Planeta em 2014.
“Penny Lane” é o outro lado do single “Strawberry Fields” - e o outro lado dos Beatles. Este é Paul, compondo ao piano da sala de música de sua nova casa, usando o mesmo tema de lembranças de infância, mas tratando-as de modo aberto, direto, atrevido, alegre e esperto. Nada de preocupações - suas recordações são felizes: céus azuis suburbanos, belas imagens, pessoas simpáticas.
O arranjo musical é tão engenhoso e trabalhado quanto o de “Strawberry Fields”, mas menos confuso, com o uso de trompetes, flautas e oboés de alto nível, além de sinos e outros sons apropriados. A obsessão de John pelos sentimentos de privação, raiva e desorientação que experimentou na infância em geral é atribuída à morte de sua mãe quando ele tinha 15 anos, mas Paul também perdeu a mãe aos 14 - e mesmo assim ninguém nunca ouviu dizer que isso o fazia sentir-se com ódio, deprimido, ferrado, ou que afetou sua visão da vida e seu comportamento.
Na versão original de “In My Life”, na caligrafia de John, há algumas estrofes não usadas que relacionam lugares lembrados, inclusive Penny Lane, que fez parte da vida tanto de John quanto de Paul. John morava bem perto dali e Paul cantava no coral da Igreja de St. Barnabas, nessa rua. Era também aonde o pai de Paul o levava e a seu irmão Michael para cortar o cabelo. Penny Lane não é uma lane (viela). A palavra “lane” evoca a imagem de uma passagem tranquila no campo, que ela tinha sido na origem, mas hoje, em Liverpool, é uma rua movimentada e bastante comum. O nome também designa as redondezas, além da própria via. Na verdade, a única coisa cativante nela é o nome - que, tenho a certeza, encantava PauL Parece inventada, como a rua de um livro infantil ilustrado, e é como aparece na letra: um lugar mítico onde o sol sempre brilha, com personagens típicos como um barbeiro, um bombeiro, uma vendedora de flores. O nome Strawberry Fields também tem ar rural e lembra um livro de figuras. Que sorte a deles, ter na infância lugares reais com nomes que soam fictícios. Os lugares mencionados em Penny Lane são em geral verdadeiros - havia um barbeiro, um posto de bombeiros, uma rotatória-, mas os pequenos acréscimos, como a ampulheta do bombeiro, parecem mais surreais. Também há chuva caindo de céus azuis, o que parece um tanto improvável. Paul podia, assim, criar coisas diferentes, como John. E o barbeiro não tinha fotos de todas as cabeças que tinha tido o prazer de conhecer, mas de diferentes estilos de corte de cabelos. Uma licença poética. Há umas poucas alusões indiretas a sexo, como disse Paul, para divertir os adolescentes de mente suja de Liverpool. “Fingerpie é uma expressão local que designa a região genital feminina e há uma leve malícia ao falar em manter limpa a “máquina”. Também se insinua que o bombeiro tem alguns costumes suspeitos. Tudo brincadeira simples de garoto de escola. A estrutura narrativa da letra é pouco rígida. Num leve desenvolvimento, voltamos ao barbeiro, o bombeiro e o banqueiro, mas vistos por um observador externo, que fala em terceira pessoa. Não há um eu, nada de lembranças em primeira pessoa. O recurso à expressão “meanwhile back” (enquanto isso, lá atrás) é divertido e deixa claro que se trata de uma história, um lugar de infância ficcional, estilizado. A enfermeira bonita vendendo papoulas se sente como se estivesse numa peça - e está, de certa forma. Nos EUA, onde não há a tradição de vender papoulas artificiais para celebrar o armistício de 1918, os fãs ficaram um pouco confusos, tentando imaginar por que uma enfermeira ofereceria papoulas em uma bandeja.
Tanto “Strawberry Fields” quanto “Pennv Lane" foram tratadas como lado A do single. A princÌpio se destinavam ao álbum novo (Pepper), mas eles chegaram à conclusão de que os temas não se ajustavam a ele. Apesar disso, as duas combinavam e tornaram o single o melhor que já tinham feito. Foram as primeiras músicas dos Beatles a citar lugares reais. Na música pop era bastante incomum ouvir a menção a um local da Grã-Bretanha - ou, pelo menos, fora de Londres. Já nos Estados Unidos todos cantavam sobre lugares do país que nunca tinham visitado e muito provavelmente jamais veriam, corno Chicago, New Orleans, Califórnia, Massachusetts, New York New York...George Martin considerava “Strawberry Fields / Penny Lane” o melhor single deles - ainda hoje, ela parece sintetizar toda aquela era - e os Beatles em geral. As palavras misteriosas, inspiradas em drogas, futuristas e psicodélicas e o arranjo musical estranho de “Strawberry Fields" se justapunham à alegria e à letra e à música acessíveis de “Pennv Lane”. Havia alguma coisa para todos - de vanguarda ou tradicionais, intelectuais ou não, jovens ou velhos, ricos ou pobres - desfrutarem e refletirem, ou simplesmente admirarem, cantarolarem e dançarem.
3 comentários:
SENSACIONAL! Parabéns Edu!
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