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Depois do segundo show em Cardiff, os Beatles entraram num Austin Princess, e Alf Bicknell os conduziu para fora da cidade, para serem en¬tão escoltados por carros de polícia de volta a Londres. Ele os deixou no Scotch, onde comemoraram o final da turnê. Paul voltou ao Scotch na noite seguinte, dia 13 de dezembro, o que acabou sendo uma ocasião memorável para ele. John, Ringo e George já tinham tomado LSD nessa época e estavam entusiasmados com o quanto a droga abriu a mente deles, os deixou mais criativos e amáveis. Os três disseram que ela libertava o potencial humano ao revelar quão artificiais são muitas das restrições em que depositamos nossa compreensão. A pro¬paganda deles fez Paul se sentir excluído. Era como se os três possuíssem algum tipo de conhecimento especial e estivessem deixando Paul para trás. Quanto mais John se aproximava de George, mais ameaçada ficava a parceria Lennon-McCartney. Várias outras pessoas do círculo social de Paul tinham se convertido ao LSD, mas o baixista dos Beatles era cauteloso por natureza. Ele tinha ouvido falar em depressão, da esquizofrenia e da loucura que podiam ser desencadeadas pelo ácido e estava relutante em fazer experimentos idiotas com algo tão frágil e ajustado de maneira tão precisa quanto o cé¬rebro. Ele era sensível, responsável e avesso a qualquer coisa que pudesse estragar sua carreira ou saúde mental. Lembrava-se sempre do conselho do pai: “moderação em todas as coisas, filho”. Ao mesmo tempo, Paul era aventureiro e não queria desprezar nenhuma ferramenta que pudes¬se expandir sua consciência e libertar sua imaginação. Paul tinha ficado amigo do honorável Tara Browne, filho de Oonagh Guinness e Dominick Geoffrey Edward Browne. Aos 20 anos, ele já tinha se formado em Eton, estudado com professores particula¬res em Paris, se casado, e era pai de dois filhos. O jovem irlandês tinha se tornado o arquétipo do londrino da animada cena aristocrática. Ele não precisava trabalhar, tinha uma casa em Belgravia e recebería uma herança de 1 milhão de libras quando fizesse 25 anos, então passava o tempo em festas, "andando de carro e se drogando, além de se vestir como um pop star. Uma indicação de como as barreiras sociais estavamcedendo, ou talvez até mesmo desmoronando por completo, era o fato de aquele grupo de amigos ser definido muito mais por riqueza, aparência e tempo livre do que por sangue, educação ou laços familiares. Lordes e ladies passaram a se misturar com os filhos e as filhas de vendedores de algodão, operários, motoristas de ônibus e mineiros de carvão, pro- vavelmente porque a classe trabalhadora ascendente queria o que eles tinham (riqueza, patrimônio, costumes, estilo), e eles queriam o que a classe trabalhadora ascendente tinha (garra, talento criativo, fama, reconhecimento, malandragem). Nas primeiras horas do dia 14 de dezembro, Viv Prince, de 21 anos, baterista recém-saído do Pretty Things - uma banda de R&B de Londres que fazia os Stones parecerem arrumadinhos, comedidos ,e convencionais -, chegou ao Scotch com o baixista do The Who, John Entwistle. Os dois tinham acabado de percorrer 190 quilômetros de Norwich até ali, onde o The Who tinha feito um show no Federation Club, na Oak Street com Prince substituindo Keith Moon, que estava fora de combate por duas semanas. No Scotch, eles encontra¬ram Paul, John e a esposa de Tara Browne, Nicky. Ela convidou Prince para ir ao chalé em Belgravia junto com Paul, John, o dançarino Patrick Kerr e algumas garotas atraentes. John recusou o convite porque tinha prometido voltar para casa em Weybridge e se encontrar com Cynthia. Quando os boêmios chegaram à Eaton Row, Tara Browne sugeriu que eles tomassem LSD. Paul continuava apreensivo e es¬tava mais interessado num baseado e nas bebidas, mas o alívio decorren¬te do fim da turnê e o relaxamento com as semanas que tinha pela frente sem o compromisso de compor, gravar, tocar nem dar entrevistas acabou convencendo-o de que não havia melhor hora para criar coragem. Brian Jones, dos Stones, era amigo de Prince e tinha lhe falado sobre o LSD, mas o baterista do Pretty Things nunca havia experimentado e não tinha muita ideia de quais seriam os efeitos. A droga líquida estava pura e era pingada em torrões de açúcar que Nicky servia com chá, dizendo “Um torrão ou dois?”. Os loucos de ácido passaram a noite inteira acordados. Paul viu for¬mas curvas e coloridas e sentiu “coisas estranhas” que o fizeram se sentir levemente perturbado. Ele olhava para as mangas da camisa, e a sujeira nos punhos parecia tão intensificada que isso o deixou nervoso. Paul fi¬cou sensível a todo tipo de estímulo — luz, som, cor, até mesmo o toque do tecido. De repente, ele teve a impressão de que era possível colher muito mais das coisas simples da vida - profundidades da experiência que até então tinham sido ignoradas ou que lhe tinham passado despercebidas. Prince reagiu de um jeito completamente diferente. Em vez de ficar tranquilo e reflexivo, ele começou a beber muito, enquanto Paul ficou sentado folheando o recém-publicado livro ilustrado Private View: The Lively World of British Art, do fotógrafo Lord Snowdon, do curador Bryan Robertson e do crítico de arte John Russell. Uma imagem em particular capturou seus olhos e o deixou atônito por mais de uma hora, até que ele processasse todos os detalhes. Desde então, Paul erroneamente relata que essa experiência acon¬teceu no final de 1966, fazendo os críticos acreditarem que tudo o que compôs para o Revolver foi feito antes de ele - para adotar uma linguagem de Timothy Leary — viajar e se sintonizar. Alguns escritores chegaram até a especular que o talento artístico de Paul no LP era resultado de sua resistência à pressão de John e George para entrar na viagem, provando assim para os dois que ele conseguia superá-los sem auxílio químico. Mas a revelação que Prince me fez sobre o fato de o episódio ter ocorrido ime¬diatamente depois do último dia da turnê de 1965 dos Beatles altera nos¬sa compreensão. No fim das contas, Paul concordou com a declaração de John de que ninguém é o mesmo depois de tomar LSD e afirmou que sua experiência foi “maravilhosa” e “profundamente emocional”. Em 1967, ele disse ao Daily Mirror que sua primeira viagem foi “uma experiência incrível” que durou seis horas. Paul declarou: “[Ela] abriu meus olhos para o fato de que há um Deus” e “fez de mim uma pessoa melhor”. A primeira música de Paul que os Beatles gravaram depois de dezembro de 1965 — quase com certeza a primeira composta depois da viagem - foi “Got To Get You Into My Life”. Acreditando que tomou LSD pela primeira vez em 1966, ele disse em entrevistas (e no livro Many Years From Now) que a música era sobre maconha, porém uma letra que fala sobre fazer “uma viagem” (a ride), enxergar “outro tipo de consciência” (another kind of mind) e não saber o que “encontraria lá” (would find there) é mais condizente com a linguagem de uma viagem psicodélica do que com a onda da marijuana. Na música, ele fala sobre trazer uma perspectiva nova, uma consciência nova para sua vida. “Longe de me prejudicar”, Paul disse ao Daily Mirror, “me ajudou a ver muito mais verdade. Estou mais maduro. Menos cínico. Comecei a ser honesto comigo mesmo”. Constata-se; que, no fim das contas, John estava certo quando disse à Playboy que “Ela (‘Gót To Get You Into My Life) na verdade descreve a experiência dele com ácido. Acho que é sobre isso que ele está falando. Não posso jurar, mas acho que é resultado disso”. A experiência psicodélica tem a reputação de desafiar as premissas básicas das pessoas, em geral levando-as a acreditar que sua vida até aquele momento tinha se baseado em informações falsas ou numa ficção cqmpartilhada. Os usuários começam a questionar o que é “real”, “normal” ou “apropriado”, já que os padrões antigos e as placas que sinalizam o caminho começam a se desintegrar. Na música, isso se manifesta com adoção de uma atitude nova baseada na abertura. A separação lentre o pop e o clássico, o ocidental e o oriental, a baixa e a alta arte parece não mais ser relevante, assim como as regras sobre o tamanho das músícas ou o volume das gravações. É;tudo muito mais fluido do que nos levaram a acreditar.
2 comentários:
Grande diferença faz não ser sobre maconha e ser sobre ácido lisérgico. Várias músicas dos Beatles são sobre drogas, só que disfarçadas. Concorda Edu?
Talvez, em parte. Acho que esta é. Quais outras? Acho que Macca é bem esperto, macaco velho nessa questão. Talvez possa ter achado que dizer que era sobre a erva, potencializava menos uma possível culpa e não arranharia tanto a imagem de bom rapaz que sempre zelou. Sensacional o livro de Turner! Valeu!
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