Este belo "textinho" que a gente confere a seguir, foi escrito com a propriedade de quem sabe o que diz: é o capítulo final que encerra o livro "O Diário dos Beatles" de Barry Miles. Vale a pena conferir novamente agora, em pleno 2024 - 54 anos depois da separação dos Beatles - nesta época que a música universal nunca esteve tão ruim. Vale muito a pena conferir!
"Todos os anos, vários grupos de música pop e rock recebem Grammys, Brits e discos de platina, mas os Beatles continuam a ser a referência pela qual o sucesso de todos é medido. Graças ao contínuo crescimento da indústria musical global, muitos dos recordes de venda estabelecidos pelos Beatles foram ultrapassados; contudo, nenhuma banda chegou a ser considerada "maior que os Beatles" ou mesmo "os novos Beatles", e isso nunca acontecerá, pois ser "maior que os Beatles" é um patamar inatingível. Suas conquistas nunca deixarão de ser excepcionais em virtude do contexto e da forma como foram atingidas.
A imprensa não tarda em comparar o sucesso de grupos de rock e pop com os dos Beatles, mesmo quando se trata de bandas que tiveram uma carreira efémera, como, por exemplo, as Spice Girís; cinco garotas ousadas, cujo primeiro álbum e compactos lançados simultaneamente venderam milhões de cópias em vários países. Mesmo assim, nem elas ou qualquer outro grupo gostaria de ser comparado aos Beatles. Como poderiam elas ser igualadas aos Fab Four, tendo lançado apenas um álbum? Essa é uma comparação totalmente descabida. Certamente, "maior que os Beatles" é um chamariz que ajuda a aumentar as vendas dos tabloides, (apesar de que o uso constante da frase só faz crescer a aura de sucesso inabalável dos Beatles). A maior parte dos que são brevemente igualados aos Beatles começa e termina sua carreira como "boy bands", grupos de rapazes que cantam e dançam música pop, que, em sua maioria, nem sequer sabem tocar um instrumento musical, quanto mais compor suas próprias músicas - seus shows ao vivo se resumem a danças atléticas, durante os quais cantam acompanhando playbacks. Normalmente, os catálogos dessas bandas ficam estagnados durante 12 meses até seu completo desaparecimento. Quanto valeria hoje o catálogo de The Monkees, The Osmonds, The Bay City Rollers, Duran Duran, Kajagoogoo, Wham!, A-Ha, Bros, New Kids On The Block, Brother Beyond ou mesmo Take That? De nada vale, também, comparar o sucesso dos Beatles a bandas do calibre de R.E.M, U2 ou Bruce Springsteen, que, apesar de lotarem estádios, levaram anos para alcançar o sucesso. Muito embora esses artistas tenham produzido praticamente o mesmo número de álbuns que os Beatles e seus recordes de vendas de discos e ingressos se equipararem aos dos rapazes de Liverpool, eles demoraram pelo menos três vezes mais para chegar a esse ponto em sua carreira. É verdade que se mantiveram íntegros dentro de uma indústria que só visa mais e mais ao lucro, mas nem o R.E.M., o U2 ou Bruce Springsteen jamais causaram nenhuma mudança significativa ou atraíram mais de algumas dezenas de fãs ao Heathrow Airport. Hoje, parece-me que qualquer banda que se torne famosa rapidamente recebe o rótulo de "os novos Beatles", ignorando o fato de que pelo menos três deles tocaram juntos durante quase quatro anos antes de entrarem em um estúdio de gravação. Nesse meio tempo, tiveram de dar duro para poder ganhar alguns trocados, apresentando-se ao vivo. É pouco provável que qualquer grupo atual, incluindo o R.E.M. e o U2, conseguisse tocar junto durante quatro anos antes de começar a gravar, apesar de Bruce Springsteen ter batalhado muito em New Jersey antes de atingir o sucesso. Entre as bandas contemporâneas dos Beatles, apenas três dos rapazes do The Who também conseguiram viver quatro anos à custa do que ganhavam com as apresentações ao vivo, antes de começarem a gravar - mesmo assim, eles lançaram somente quatro álbuns na década de 1960, ao passo que os Beatles lançaram 12. Em comparação, menos de seis meses se passaram entre a formação dos Rolling Stones, os principais rivais dos Beatles, e o início das sessões de gravação de seu primeiro compacto. Sem sombra de dúvida, os Beatles produziram seus discos sob condições extraordinárias, que provavelmente nunca se repetirão. É inacreditável que, apesar de contarem com equipamentos de gravação ultrassofisticados, as gravadoras multinacionais atuais ainda não têm condições de gravar dois álbuns do mesmo artista no mesmo ano, e, também, não estão dispostas a gravar compactos que não contenham músicas que façam parte desses álbuns, que são normalmente lançados a cada três anos, pois eles não podem ser usados como material promocional. Ainda há mais um ponto que merece nossa atenção: atualmente os cinco compactos nos primeiros lugares das paradas de sucesso não alcançam o total de 100 mil cópias vendidas, ao passo que os Beatles, em seus dias de glória, atingiam mais de 1 milhão de cópias em pedidos antecipados, somente no Reino Unido! A banda Oásis, de Manchester, tem feito muito sucesso, mas dificilmente conseguirá que mais de 2 mil artistas gravem qualquer uma de suas canções, Nenhuma banda moderna será capaz de ter uma influência tão abrangente quanto a dos Beatles. Voltando às versões gravadas por outros artistas, os Beatles tiveram suas canções interpretadas por ninguém menos que estrelas como Ella Fitzgerald, Sinatra, Ray Charles, Fats Domino e Peggy Lee e até pela banda Laibach, que criou uma versão trash metal do álbum Let It Be. Não podemos deixar de mencionar a cantora Cathy Berberian, que gravou Beatles'Árias, um álbum de canções dos Beatles com uma roupagem operística, que incluía bandas de metais, quartetos de cordas e callíopes. Os Beatles ainda exercem tanta influência que muitas bandas nem percebem que estào sendo inspiradas por eles. No auge de sua fama, em 1965, influenciaram um grande número de artistas da época: de Brian Jones, em seu período Rolling Stones (em especial, no uso da cítara e no álbum Satanic Ma/esties, uma cópia de Sgt Pepper), passando por Donovan, The Kinks, até todos os grupos pop que passaram a produzir trabalhos mais elaborados e duradouros, motivados pelos progressos e experimentos feitos pelos Beatles. Antes do final da década de 1960, seus arranjos vocais inspiravam a todos, desde The Hollies aos Bee Gees e, no finai dessa década, seu impacto musical foi disseminado pela banda ELO, Electric Light Orquestra, que usou as composições psicodélicas dos Beatles como base para seu trabalho. Outra faceta de sua obra, que é digna de nota, são as guitarras pesadas do White Álbum, muito usadas pelo Led Zeppelin, que possui um lado Beatle que poucos imaginam; e por Syd Barrett, no início da, então, excêntrica banda Pink Floyd. Não há ninguém que não fosse tocado por eles. Basta observar o trabalho de The Byrds, The Beach Boys e Buffalo Springfieíd - citando apenas as bandas cujo nome começa com "B"' - para perceber o que significou a invasão britânica para os norte-americanos. O interesse na obra dos Beatles permanece mais elevado do que a de qualquer de seus contemporâneos, tanto assim que seu catálogo completo ainda é editado e vendido a preços atuais, e os fâs sempre querem mais. O quarteto de Liverpool possui o maior número de colecionadores de todos os tempos e de discos piratas. Desde sua dissolução, os advogados e os empresários responsáveis por seus interesses têm controlado com mãos de ferro tudo o que foi produzido pelo grupo. Apesar de Paul e Yoko, a viúva de John, terem perdido o controle da editora musical, ambos (além de George e Ringo) conseguiram reverter a relação de amo e escravos que tinham com a EMI nos anos de 1960, e hoje os amos são eles. Provavelmente, todos esses fatos expliquem por que a série Anthology, com três CDs duplos lançados em 1996, contendo gravações alternativas, algumas raras, outras não aproveitadas nos álbuns anteriores da banda, juntamente com a coleção de vídeos em oito volumes, tenha vendido tanto, alcançando a soma aproximada de 400 milhões de dólares. Esse valor foi dividido entre os três Beatles e Yoko, tornando-os, em 1996, quase 40 anos após o primeiro encontro de John com Paul na quermesse em Walton, parte do rol dos artistas mais bem pagos do mundo, perdendo apenas para Oprah Winfrey e Steven Spielberg. Independentemente de suas conquistas musicais, esse numerário por si só mostra por que os Beatles continuam a ser a referência pela qual o sucesso de todos os outros músicos é e sempre será medido - e por que ninguém nunca será ''maior que os Beatles". Barry Miles - 2007
Nota: Barrry Miles completou 81 anos no dia 21 de fevereiro.
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