Em março de
2012, a revista Rolling Stone publicou uma edição especial com “Os 100 MaioresArtistas de Todos os Tempos”. Na época, publiquei aqui somente um trecho do
texto sobre os Beatles que ocupam ocupam o topo da lista em 1º lugar, que é o
lugar deles. Os 20 primeiros colocados, a gente confere aqui:
Michael Jackson aparece em 35º lugar e John Lennon em 38º. Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr não aparecem. A edição especial da revista é muito bonita (como sempre) e tem uma ilustração de cada artista citado - algumas belíssimas, outras nem tanto. O texto sobre cada artista foi escrito por outro. Na época, só publiquei um trecho do texto escrito por Elvis Costello sobre os Beatles que, dessa vez, a gente confere na íntegra.
OUVI FALAR DOS BEATLES PELA PRIMEIRA VEZ, QUANDO EU tinha nove anos. Na época, eu passava a maior parte das minhas férias em Merseyside, e uma garota me deu uma foto deles com os nomes escritos em garranchos na parte de trás. Isso foi em 1962 ou 63, antes de eles virem para a América. A foto era mal iluminada, e eles meio que ainda não tinham acertado o visual; o cabelo do Ringo estava ligeiramente penteado para trás, como se ele ainda não tivesse comprado totalmente a ideia do cabelo tradicional dos Beatles. Eu não estava nem aí para isso. Eles eram a banda feita para mim. O engraçado é que seus pais e todos os seus amigos de Liverpool também estavam curiosos e orgulhosos do grupo da cidade. Antes disso, as pessoas do norte da Inglaterra, que faziam parte do showbusiness, haviam sido todas comediantes. Por falar nisso, os Beatles gravaram pela Parlophone, conhecida como um selo de comédia. Eu tinha a idade perfeita para ser atingido em cheio por eles. Minha experiência - colecionar cada foto, guardar dinheiro para singles e EPs, ouvir sobre eles em programas de notícias locais - foi repetida inúmeras vezes pelo mundo todo. Era a primeira vez que algo assim acontecia nessa escala. Mas o importante não eram os números. Cada disco era um choque. Comparados aos fanáticos evangelistas do R&B como os Rolling Stones, os Beatles chegaram soando diferente de tudo. Eles já haviam absorvido Buddy Holly, os Everly Brothers e Chuck Berry, mas também compunham suas próprias músicas. A banda tornou o ato de escrever seu próprio material algo esperado, ao invés de excepcional. E John Lennon e Paul McCartney eram compositores excepcionais; McCartney era, e é, um músico verdadeiramente virtuoso; George Harrison não era o tipo de guitarrista que fazia solos enlouquecidos e imprevisíveis, mas qualquer um pode cantarolar a melodia de quase todos os seus breaks. Mais importante, os solos dele sempre encaixavam no arranjo. Ringo Starr tocava bateria com um estilo único que ninguém é capaz de reproduzir, embora muitos bateristas bons tenham tentado e falhado. E mais que tudo, John e Paul eram cantores fantásticos. Estes compactos eram eventos, e não uma simples prévia de um álbum. Então eles começaram a amadurecer de verdade: de versos simples e românticos para histórias adultas como "Norwegian Wood", que falava do lado amargo do amor, e de ideias muito maiores do que o que normalmente se espera encontrar nos versos pegajosos do pop. Foi o primeiro grupo a mexer com a perspectiva auditiva de suas gravações sem que fosse apenas um mero artifício. Antes dos Beatles, você tinha caras vestindo jalecos de laboratório fazendo experimentos de gravação nos anos 50, mas não tinha roqueiros deliberadamente desbalanceando as coisas, como um vocal baixo a frente de uma faixa alta como em “Strawberry Fieds Forever”. É impossível medir a quantidade de possibilidades que estas inovações abriram a todos os músicos, da Motown a Jimi Hendrix. Meus álbuns absolutamente favoritos são “Rubber Soul” e “Revolver”. Quando você pegava Revolver, sabia que havia algo diferente. Caramba, eles estavam usando óculos escuros em um recinto fechado na contracapa e nem mesmo olhavam para a câmera...e a música era tão estranha e ao mesmo tempo tão viva. Se eu tivesse que escolher uma faixa favotita daqueles álbuns, seria “And Your Bird Can Sing”. ...Não, “Girl”. ...Não, “For No One”. ...E por aí vai. A palavra ‘beatlesque’ já está presente no dicionário há algum tempo. Você os ouve no álbum “Around the World In A Day” do Prince; nas músicas de Ron Sexsmith; nas melodias de Harry Nilsson. Pode-se notar que Kurt Cobain escutava os Beatles e misturou as ideias deles com o punk e o metal. Co-escrevi algumas músicas e me apresentei com Paul McCartney em algumas ocasioes. Durante um ensaio, eu estava cantando a harmonia em uma música de Ricky Nelson com ele, e Paul chamou a próxima música: “All My Loving”. Eu disse: “Quer que eu faça a harmonia na segunda vez?*, e de disse: “Sim, tenta aí”. Tive apenas 35 anos para aprender essa parte. Foi uma performance muito tocante, testemunhada apenas pela equipe e pelos artistas que também participariam da apresentação. No show, foi muito diferente. No segundo em que Paul cantou os versos de abertura - “Close your eyes, and i’ll kiss vou” [Feche os olhos, e vou beijar voce] - a reação da plateia foi tão intensa que soterrou a música. Foi muito empolgante, mas também desconcertante. Talvez eu tenha entendido, naquele momento uma das razões por que os Beatles tiveram de parar de se apresentar ao vivo. As músicas não eram mais deles. Elas pertenciam ao mundo.
2 comentários:
Costello foi na ferida. Excelente texto.
Elvis Costelo é "O Cara". Texto certeiro e de quem conhece os caras de perto.
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