No início de 1968, os Beatles estavam desorientados e confusos. Depois do fim das exaustivas turnês, do sucesso monstruoso do Sgt. Pepper’s, da morte de Brian Epstein e do fracasso comercial do Magical Mystery Tour, pareciam estar vazios, espiritualmente. Então, apareceu o guru indiano Maharishi Maheshi Yogi.
George Harrison já era simpatizante da cultura indiana desde 1965, durante as filmagens de “Help!” e esse crescente fascínio de George pelo Maharishi e pela meditação transcendental, junto com a curiosidade de John por qualquer coisa que prometesse alterar sua percepção, se tornou o foco central do grupo. Assim, em vez de iniciar a gravação imediata de um novo disco (que, sem surpreender, era a inclinação de Paul), eles optaram por aceitar o convite do Maharishi para passar alguns meses em seu remoto reduto de meditação, nas colinas de Rishikesh, na índia.
George e a mulher Patti tonaram-se devotos do líder religioso e, convenceram os outros Beatles a assistirem uma palestra do mestre em Bangor. George e John estavam encantados com o Maharishi. O que começou como um interesse passageiro parecia ser o novo objetivo de vida. Era como se, com a morte de Brian, os quatro precisassem de algo novo para lhes dar direção, e o Maharishi estava no lugar certo na hora certa. John e George corcordaram em ir para seu Ashram, ou centro de treinamento – localizado em Rishikesh, aos pés do Himalaia, na Índia -, a fim de estudar meditação. Cynthia e Patti também iriam. Paul, Jane, Ringo e Maureen estavam menos convencidos em relação às maravilhas da meditação transcendental. Mas logo Ringo decidiu que deveria ir com o grupo. Diante disso, Paul se deu conta de que também tinha de ir. Ele já tinha se arriscado à alienação em relação aos outros Beatles com a demora em experimentar o LSD. Logo, se os outros iam buscar essa nova forma de iluminação interior, ele sabia que precisava se juntar à busca ou se arriscaria a perder o compasso. “Paul não gostava da ideia de que eles estivessem juntos, mas longe dele”, diz Tony Barrow. "Ele queria manter os olhos e ouvidos bem abertos e ficar atento ao estado de espírito deles”. Sem dúvida, todos levariam suas guitarras, e a temporada também poderia ser produtiva para o grupo. Entre as sessões de meditação, eles poderiam escrever um lote completo de novas canções. A viagem foi planejada para fevereiro de 1968, e a ideia era ficarem lá por dois ou três meses.
No dia 16 de fevereiro, o avião com metade dos Beatles (John e George), Cynthia, Patti, sua irmã Jennie, Donovan, Mike Love (dos Beach Boys), Paul Horn, a atriz Mia Farrow e sua irmã Prudence levantou vôo rumo à velha Índia. Paul, Ringo, Jane e Maureen se juntariam a eles mais tarde. Os Beatles também levaram junto Mal Evans, Neil Aspinall e Alex Mardas, o suspeito inventor grego, para compor seu entourage. Durante algum tempo, todos estavam felizes por meditar, receber a tutela espiritual do guru, contemplar a vegetação da floresta, comer os vegetais temperados do lugar e, é claro, dedilhar as guitarras.
Do aeroporto, fizeram uma viagem de várias horas de carro até o centro de treinamento em meditação do Maharishi. Ele ficava num lugar muito bonito, com vista para a floresta que cobria o sopé do Himalaia, às margens do Ganges, e era cercado por flores e arbustos de cores vibrantes. Cada uma de suas casinhas de pedra possuía cinco cômodos, e quando chegaram, inúmeras pessoas de todas as idades, credos e raças estavam reunidas para dar início ao caminho para a iluminação do Maharishi. Donovan estava tendo um romance com Jennie, e escreveu o sucesso “Jennifer Juniper” para ela.
Cada Beatle e sua respectiva acompanhante, ficou num quarto com uma cama com dossel, uma penteadeira, duas cadeiras e uma lareira elétrica. Perto de seus quartos, ficava a casa do Maharish, uma piscina, uma lavanderia, um posto de correio e um auditório, onde deveriam reunir-se regularmente para assistirem às palestras do líder. Estavam maravilhados de estarem na Índia, longe do estresse e das pressões do dia-a-dia. Ali não havia fãs, multidões de pessoas, prazos, exigências ou flashes de câmeras.
Quatro dias depois, no dia 19 de fevereiro de 1968, Paul, Jane Asher, Ringo e Maureen partiram de Londres rumo à Índia onde já se encontravam John, George e esposas para o curso de Meditação Transcendental. Todos à procura de um descanso tranquilo. Foram cercados pela imprensa no aeroporto de Delhi e Ringo sentia dores por causa das injeções de imunização que tomou antes da viagem. O grupo se perdeu e foi seguido por um comboio de jornalistas.
Ringo, preocupado com a comida indiana apimentada que certamente seria servida na sala de jantar comunal e determinado a não correr riscos, levou um caixote cheio de latas de leguminosas, outro com latas de feijão e outro de ovos. Na verdade, na maior parte a comida servida no centro era surpreendentemente simples: no café da manhã – que era servido em longas mesas ao ar livre e frequentemente compartilhado com macacos insolentes – comiam cereais de milho, torradas e tomavam café.
Na primeira semana, entraram numa rotina, meditando várias horas por dia e assistindo as palestras, para então passarem o resto do tempo com suas próprias reflexões. À noite, reuniam-se ocasionalmente quebrando a regra contra o consumo de álcool e tomando bebidas caseiras contrabandeadas por Alex da vila que ficava do outro lado do rio e que tinham gosto de petróleo. Rindo como crianças travessas, passavam a garrafa de mão em mão, cada um tomando um gole e depois se contorcendo enquanto a bebida descia queimando pela garganta. De vez em quando, o Maharishi organizava um passeio até a cidade vizinha, onde todos ficavam encantados com as barracas que vendiam sáris e rolos de tecidos de todas as cores imagináveis. Todas as garotas compraram sáris e aprenderam a usá-los.
Ringo e Maureen, entretanto, não estavam felizes: eles sentiam falta dos filhos, Ringo logo se cansou dos ovos com feijão em lata e Maureen tinha uma verdadeira fobia de moscas, das quais não conseguiam escapar. Depois de poucos dias, eles anunciaram que estavam fartos e que iriam para casa. “Esse Maharishi é uma cara legal, mas não é para mim”. Disse Ringo.
Enquanto isso, John estava se tornando cada vez mais frio e distante em relação à Cynthia. Depois de uma semana, disse que queria mudar-se para outro quarto a fim de ter mais espaço. A partir daí, passou a ignorá-la completamente. Os outros percebiam, mas não diziam nada. Todas as manhãs ele corria para o correio para ver se havia chegado alguma carta de Yoko. Ela estava escrevendo para ele quase que diariamente.
Um mês depois, Paul e Jane também se cansaram e também foram embora. John, Cynthia, George e Patti queriam ficar. Uma semana antes de todos partirem, Magic Alex apareceu com a história de que o Maharishi teria se comportado de maneira imprópria com uma jovem aluna americana. Sem dar ao Maharishi a oportunidade de se defender, John e George escolheram acreditar em Alex e decidiram que todos deveriam ir embora. Algumas fontes afirmam que Alex teria inventado a calúnia sobre o Maharishi, para servir como a desculpa que os Beatles dariam à imprensa por terem saído do Ashram. Eles estariam consumindo drogas também contrabandeadas por Alex e foram duramente advertidos pelo Maharishi. O que muito os aborreceu.
Na madrugada do dia seguinte, Alex providenciou táxis da vila vizinha e deram início à viagem de volta à Délhi, onde pegariam um avião. “Oito semanas depois, o sonho havia acabado. Eu detestava partir numa atmosfera de discórdia e desconfiança, quando havíamos recebido tanta gentileza e bondade do Maharishi e seus seguidores. Eu me senti envergonhada por termos virado as costas para ele sem lhe dar nenhuma chance”. Disse Cynthia.
Enquanto se retiravam, John já estava compondo os versos amargos de "Sexy Sadie”, sob o título original de "Maharishi". Aquela foi uma das dezenas de novas canções que eles compuseram durante a viagem. De acordo com as expectativas de Paul, a floresta provou ser um ambiente bastante fecundo para as suas experiências criativas. Mas o principal propósito da temporada, a busca dos Beatles por iluminação interior, não foi tão bem assim. De certo modo, o fim atabalhoado da estada em Rishikesh representou o término de todas as jornadas que fizeram juntos, desde a ida para Hamburgo no verão de 1960. Cada excursão marcou um passo adiante em seu progresso, dos adolescentes inexperientes à procura de uma identidade para o grupo aos profissionais tarimbados buscando a fama e, depois, aos famosos astros pop conquistando aclamação, riqueza e prestígio cultural sem precedentes. Avançando até as distâncias permitidas pela experiência dos mortais, eles seguiram uns aos outros em direção às névoas primordiais da índia, pelo menos parcialmente convencidos de que tinham acumulado poder suficiente para se lançarem a outro nível de existência. Eles já haviam conquistado todo o resto. Sem dúvida, só podiam caminhar numa única direção: para cima. Todavia, quando contemplaram a eternidade e viram apenas seus rostos olhando de volta, eles próprios perceberam que haviam chegado ao final de alguma coisa. Agora era hora de flutuar de volta à terra. Para confrontar a engrenagem pop, perscrutar suas rodas e mecanismos afiados, e finalmente assumir o controle do próprio destino.
Durante a viagem a caminho de Délhi, John ficou paranóico, com medo de que o Maharishi de alguma forma, se vingasse deles. O táxi que estavam, um sedã velho e muito avariado, quebrou. O motorista garantiu que buscaria ajuda e deixou John e Cynthia na beira da estrada. Passaram-se horas e ele não voltara. A solução foi pedirem carona pra o primeiro que passasse. Um motorista reconheceu John Lennon e levou-os em segurança até o hotel em Délhi onde o resto do grupo os aguardava. O plano era passarem uma noite, mas o hotel estava lotado e Alex descobriu que se apressassem, poderiam pegar um voo noturno para Londres. E assim foram. George e Pattie ainda ficariam mais alguns dias na Índia.
Ao invés de servir para aproximar os Beatles, a viagem à Índia teve o efeito oposto. As relações entre os quatro exibiam pela primeira vez sinais sérios de tensão. Lennon diria mais tarde que a "morte lenta" dos Beatles começou em Rishikesh pelo fato de ter sido a primeira vez que cada um se afastou de uma atividade do grupo. Em meados de maio, reagruparam-se na casa de Harrison em Esher, para produzirem as novas canções no seu estúdio caseiro. As canções que compuseram na Índia, viriam a aparecer no álbum que se revelou um marco para os Beatles e para a música universal: O Álbum Branco. Um disco que refletia um mundo prestes a desmoronar-se, tal como Sgt. Pepper’s havia espelhado o otimismo do ano anterior. Mas este disco iria também anunciar o começo da desintregração dos Fab Four.
2 comentários:
Caramba, Edu...
Lendo esse texto fiquei tão emocionado que foi meio que acompanhar o início das dores da separação da banda...
É isso me emocionou profundamente!
Sempre gostei mais do Álbum Branco que do Pepper's, mas é inegável que o Álbum Branco e um disco muito mais melancólico!
"Julia", "Mother's Nature Son", "Blackbird", "I Will", "While My Guitar Gently Weeps" e o desespero de "Yer Blues" estão passando pela minha mente, agora...
Puxa...
Ainda estou sem palavras...
Só posso dizer aquela frase muito conhecida:
"E o Oscar vai para..."
O BAÚ DO EDU!
Realmente texto impecável. Nunca havia feito essa ligação ,mas a identidade unificada dos jovens Beatles foi rompida abruptamente aí na Índia . A individualidade chega e é cada um por si. Amei esse texto , belíssima reflexão
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