quarta-feira, 30 de maio de 2018

O 1º DIA DE YOKO ONO NO ESTÚDIO COM OS BEATLES

O dia 30 de maio de 1968, há 50 anos, entrou para a história dos Beatles, como o dia em que, pela primeira vez, John Lennon levou Yoko Ono ao estúdio em Abbey Road, onde a banda começava as gravações do “Álbum Branco”. Esse fato é apontado por muitos, como o início do fim real dos Fab Four, inclusive por Geoff Emerick, engenheiro de som, autor do livro “Minha Vida Gravando os Beatles” e que a gerente confere agora justamente a parte em que ele fala sobre esse dia. Valeu!
Na tarde seguinte, George Martin, Phil e eu estávamos sentados na sala de controle tendo uma conversa tranquila quando John de repente irrompeu pela porta, com pressa, como de costume. Logo atrás dele havia uma japonesinha com uma câmera pendurada no pescoço. Ignorando-nos completamente, John a fez sentar numa cadeira em frente da janela da sala, e logo em seguida saiu cor­rendo e foi para o estúdio, juntando-se aos outros três Beatles, que estavam es­perando pacientemente a sessão começar. Ela apenas se sentou e sorriu para nós, mas não disse uma palavra. Um momento depois, John voltou, ele obviamente percebeu que tinha se esquecido de dizer alguma coisa para nós. “Essa é Yoko”, disse ele, ofegante, dando-lhe um pequeno beijo na bo­checha antes de desaparecer pela porta novamente. Essa foi a nossa apresentação à namorada de John e sua futura esposa, Yoko Ono. Pelas próximas duas horas Yoko apenas ficou tranquilamente sentada co­nosco na sala de controle. Deve ter sido mais desconfortável para ela do que para qualquer um de nós. Ela tinha sido colocada em uma situação embara­çosa, ficando bem na frente da janela, de forma que George Martin e eu tí­nhamos de torcer nossas cabeças para ver os outros no estúdio e nos comuni­carmos com eles. Como resultado, ela não parava de pensar que estávamos olhando para ela. Ela nos dava um sorriso tímido e educado sempre que ela nos via olhando em sua direção, mas na verdade nunca disse nada e nunca tirou nenhuma foto. Depois de um tempo eu comecei a sentir pena dela. Finalmente, John criou coragem para trazê-la para o estúdio. Levando Yoko pela mão, ele a guiou para fora da sala de controle até a pequena área de gravação onde os outros três Beatles estavam ensaiando. Eles a ignoraram completamente no princípio. Para começar, John a sentou ao lado de Mal. Um pouco mais tarde, ele a moveu e ela se sentou do lado dele - e foi lá que ela permaneceu pelo resto da carreira dos Beatles.

Daquele ponto em diante, a qualquer lugar que John fosse, ela ia. Se ele fosse ao banheiro, ela iria até o corredor e esperaria do lado de fora, encolhida, no chão. Quando ele saía, ela voltava com ele para o estúdio ou para a sala de controle e se sentava do lado dele novamente. Ninguém além de Neil e Mal havia se infiltrado nas sessões dos Beatles naquele grau, e era possível perceber, pela frieza nas expressões de Paul, George e Ringo, que eles não gostavam daquilo nem um pouco. O grupo deles havia sido sempre tão fechado que era impensável que uma pessoa de fora pudesse penetrar no círculo deles tão rápi­da e completamente. Mas através de suas ações John estava deixando bem claro que, gostassem ou não, não havia nada que pudesse ser feito. Assim que Yoko deixou a sala de controle, George Martin se virou para mim. Balançando tristemente a cabeça, ele disse: “O que será que John está pensando?” Nós reconhecemos o impacto de ela estar lá desde aquele primeiro dia. E a partir daquele ponto, tudo ficou diferente. Na sessão do dia anterior, lutar para conseguir aquele som de guitarra e lidar com a catarse emocional de Lennon já tinha sido bastante difícil, mas dali em diante tudo ficaria cada vez pior. Seria uma grande bola de neve. John podia de fato estar loucamente apaixonado por Yoko, mas não há dúvida de que a presença dela nas sessões era perturbadora. Todos nós sabía­mos disso, e em algum nível ele também devia saber, mas ele não parecia se importar; trazê-la para as sessões daquela forma era quase um ato de desafio. Se os quatro Beatles alguma vez discutiram a presença dela lá, isso aconteceu quando não estávamos por perto, mas nada mudou — ela continuou vindo todos os dias. Ela se tornou cada vez mais uma espécie de sombra de John; se ele estivesse sentado em uma ponta do banco do piano, ela estaria na outra ponta. Se ele deslizasse um pouco, ela deslizaria com ele. Era realmente mui­to estranho como ela parecia quase antecipar cada movimento dele. Eles nem sequer pareciam conversar tanto — na maioria das vezes, John estava trabalhando e ela estava apenas tranquilamente sentada ao seu lado. Entre os takes, ela podia sussurrar algo no ouvido dele, ou perguntar se ele queria uma xícara de chá, mas isso era tudo. Mas nós percebemos que ela nunca realmente fazia o chá, ou mesmo se oferecia para fazê-lo; ela simplesmente pedia para Mal. Depois de alguns dias, parecia mais que ela estava or­denando a Mal do que pedindo que ele fizesse as coisas, o que é algo que tenho certeza que não escapou à atenção dele — ou à dos outros Beatles. Ainda assim, nada foi dito; ela apenas estava lá. Não havia nada de desagradável em Yoko, mas nunca tivemos uma opor­tunidade de conhecê-la, porque na maioria das vezes ela não dizia nada. Eu certamente nunca conversei com ela durante as sessões do Álbum Branco além de um simples “olá” ou “tchau”, e eu não me lembro de ela conversar muito com George Martin ou Phil nessa época também. Na verdade, Yoko não disse uma palavra a ninguém, exceto a John, por vários dias. Então, certa tarde, no meio de um overdub de backing vocal, John de repente se virou para ela e disse: “Sabe, eu acho que você deveria fazer esse trecho”. Paul, que estava cantando aquele trecho, deu a John um olhar de des­crença e, em seguida, se afastou, desgostoso. George e Ringo, sentados a uma pequena distância, trocaram olhares sinistros. Imperturbável, Lennon entre­gou um fone de ouvido a ela, que deu um passo em direção ao microfone. Pela primeira vez, Yoko Ono apareceu em uma gravação dos Beatles... apesar do fato de John ter sido o único Beatle que a queria ali.Eu pensei que as coisas não poderiam ficar piores, mas eu estava errado. Poucos dias depois, os quatro Beatles, além de George Martin e, é claro, Yoko Ono, estavam na sala de controle ouvindo a reprodução de uma base quando John, bruscamente, perguntou o que ela achava. Para espanto de todos, ela, na ver­dade, tinha uma crítica a fazer. “Bem, está muito bom”, ela disse, com uma vozinha,“mas eu acho que poderia ser tocada num andamento um pouco mais rápido”Seria possível ouvir um alfinete cair naquela sala. Houve uma expressão de choque e horror no rosto de todos, até mesmo de John. Todo mundo olhou para John, mas ele não disse nada. Embora ele estivesse encantado por Yoko, ele deve ter percebido que sair em defesa dela apenas acrescentaria le­nha à fogueira. Depois de uma pequena pausa, eles voltaram a conversar, ig­norando Yoko e o que ela havia dito. Mas o estrago já estava feito, e as coisas nunca mais seriam as mesmas.
John parecia alheio, ou talvez ele simplesmente não ligasse para o que os outros pensavam. Ele estava apaixonado, e Yoko ficava lá do lado dele, ofere­cendo opiniões, se ela quisesse, e era simples assim. Mas eu podia entender o ressentimento dos outros BeatlesYoko não apenas era uma estranha aos olhos deles, mas ela não tinha nenhuma formação musical. Além da intrusão no espaço deles, aquilo era especialmente humilhante para George Martin e Paul, que era, afinal, o parceiro de longa data de John nas composições. Paul sempre teve dificuldade em lidar com críticas, mas ele tinha tanto respeito pelas habilidades de John que ele aceitava as críticas dele. Ele poderia até mesmo ouvir o comentário ocasional de Harrison ou Ringo, mas ele certa­mente não estava preparado para que a namorada de John dissesse a ele o que fazer, da mesma forma que ele não estava preparado para ouvir conselhos musicais de Patti Harrison ou Maureen Starkey. Aquele primeiro dia em que Yoko falou e deu uma opinião musical foi um ponto de virada para os Beatles, como se fosse o ato definitivo de autoafirmação de John. De muitas maneiras, aquele foi o começo do fim.

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