quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O DIA EM QUE UMA CAMA PARA YOKO ONO FOI INSTALADA EM ABBEY ROAD


O período entre o início de 1968 e o final de 1969 teve a "separação dos Beatles" escrita e contada por toda parte. E foi nesse período que o amor entre John e Yoko mais floresceu e eles se casaram. Mas antes que os Beatles seguissem caminhos separados, eles tinham mais uma obra-prima para gravar: Abbey Road – novo álbum que seria lançado em 26 de setembro daquele ano. No dia 1 de julho de 1969, John, Yoko, Julian e Kyoko sofreram um grave acidente de carro em Golspie, Escócia, quando John perdeu o controle do veículo. Todos foram hospitalizados no Lawson Memorial Hospital. Yoko levou 14 pontos, Kyoko, 4, e John, 17 pontos (?)* - (O Diário dos Beatles - Barry Miles). Julian entrou em choque. Enquanto isso, em Abbey Road, os outros Beatles davam sequência aos trabalhos de gravação do novo álbum. John e Yoko ficaram vários dias sem aparecer e isso trazia uma paz que há muito não se experimentava. No dia 9 de julho de 1969, John retornou ao estúdio acompanhado de Yoko Ono. Depois que eles chegaram, todos foram surpreendidos por uma entrega feita imediatamente após eles entrarem na sala. Inicialmente, Geoff Emerick imaginou que era um piano, mas estava errado – era uma cama da Harrods para que Yoko pudesse se convalescer no piso principal do estúdio. Em “Here, There e Everywhere - Minha Vida Gravando os Beatles”, Emerick descreveu com riqueza de detalhes, como isso surpreendeu a todos, principalmente Paul, George e Ringo. "Passei quase sete anos da minha vida em estúdios de gravação e pensei já ter visto tudo, mas aquilo não tinha comparação”, escreveu Emerick. Uma vez que a cama estava no lugar e os entregadores também trouxeram lençóis, travesseiros e cobertores, Yoko tratou de se acomodar. Depois de estar devidamente aconchegada, John mandou que um microfone fosse instalado sobre ela para que ela pudesse se comunicar com o grupo. Todo mundo que trabalhava no estúdio ficou pasmo, mas não houve tempo de reagir. Enquanto os Beatles trabalhavam no álbum, Yoko falava com todo mundo pelo microfone de sua cama. Como estava se recuperando de ferimentos, ela usava apenas camisola e tinha uma grande tiara na cabeça que cobria cicatrizes dos destroços. Nas semanas seguintes, Yoko causou alguns problemas como quando comeu os biscoitos de George Harrison (que se referiu a ela como "aquela vadia" e geralmente causou uma distração com seu fluxo constante de visitantes. Mas aquele primeiro dia com a entrega da cama era algo que ninguém podia esquecer. E é exatamente esse trecho do livro de Geoff Emerick que a gente confere com todos os detalhes agora, pela 1ª vez aqui no Baú do Edu.
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Recebíamos relatórios diários sobre a evolução da saúde de John e Yoko enquanto eles lentamente se recuperavam em casa, e na manhã de 9 de julho, George Martin recebeu um telefonema de Mal Evans dizendo que o Sr. e a Sra. Lennon estavam finalmente em seu caminho para o estúdio de gravação. A me­dida que a tarde avançava, houve uma grande expectativa quanto ao estado em que John chegaria e qual seria seu humor. Todo mundo estava preocupado com o seu bem-estar - havia sido um acidente grave, e ele teve a sorte de sair com vida —, mas havia também uma preocupação implícita sobre como a presença de John e Yoko afetaria o clima relativamente bom das sessões até então. De repente, sem aviso, John e Yoko se materializaram na porta do estúdio, como duas aparições vestidas de preto. Após um momento de hesitação, todos corremos para ver se ele estava bem. “Sim, eu estou bem”, Lennon nos tranquilizou, suavemente. Quando todos se reuniram ao seu redor ansiosamente, ele pareceu se iluminar. Con­versando animadamente com seus companheiros dos Beatles, Lennon pare­ceu esquecer Yoko por um momento. Visivelmente irritada, ela o puxou pela manga e soltou um pequeno gemido, tomando sua atenção. “No entanto, receio que a mãe ainda não esteja muito bem”, ele disse. Já durante as sessões do Álbum Branco John se referia a Yoko dessa forma, como “mãe” o que sempre achei um pouco assustador.
Yoko começou a dizer algo, mas antes que pudesse terminar, a porta se abriu novamente e quatro homens de casaco marrom entraram trazendo um objeto grande e pesado. Por um momento, pensei que era um piano vindo de um dos outros estúdios, mas logo me dei conta de que eram entregadores: os casacos marrons que estavam usando tinham a palavra "Harrods" escrita na parte de trás. O objeto que estava sendo entregue era, na verdade, uma cama.
De queixo caído, todos vimos como foi trazida para o estúdio e co­locada próxima às escadas, em frente à mesa de chá e torradas Mais homens de casaco marrom apareceram com lençóis e travesseiros e sombriamente arrumaram a cama. Então, sem dizer uma palavra, Yoko se deitou, arrumando cuidadosamente as cobertas. Eu passei quase sete anos da minha vida em estúdios de gravação e pen­sei que tinha visto de tudo... mas aquilo levou o prêmio! George Martin, John Kurlander, Phil e eu trocamos olhares cautelosos, e pelo canto do olho eu pude ver que Paul, Ringo e George Harrison estavam tão assustados quanto nós. Lennon foi até a cama. “Você está bem?”, ele perguntou solicitamente. Yoko murmurou uma afirmativa. Lennon virou-se para nós.“Vocês podem puxar um microfone até aqui, para que possamos ouvi-la nos fones de ouvido?”, ele perguntou. Pasmo, eu acenei para John Kurlander e ele começou a ajeitar um pedestal, suspendendo o microfone acima do rosto indiferente da Sra. Lennon. Pelas semanas seguintes Yoko ficou naquela cama. Seu guarda-roupa consistia em uma série de camisolas, complementadas com uma tiara, cuidadosamente posicionada para esconder a cicatriz na testa causada pelo acidente. Conforme ela foi recuperando as forças, ela recuperou tam­bém sua confiança, lenta, mas firmemente começando a irritar os outros Beatles e George Martin com seus comentários. Ela falava com uma vozinha bem fina e sempre se referia aos Beatles de forma peculiar e impessoal, na terceira pessoa: “Beatles vão fazer isso, Beatles vão fazer aquilo”, deixando sempre de fora o artigo “os”. Isso costumava realmente irritar Paul. Na oca­sião, ele até tentou corrigir: “Na verdade, é ‘Os’ Beatles, querida”, mas ela persistentemente ignorou.
Também não era como se Yoko estivesse deitada na cama descansando tranquilamente - havia uma longa fila de visitantes ao lado de sua cama aten­dendo seus pedidos quase todo o tempo. Os Beatles gravavam em uma extre­midade da sala, e ela ficava no outro extremo conversando com amigos, fa­zendo com que sua presença fosse ainda mais evidente e agravante para o resto da banda. George Martin havia retornado, na premissa de que seria como nos bons velhos tempos, mas nunca tivemos uma esposa de um Beatle numa cama no estúdio conosco nos velhos tempos. Isso provavelmente expli­ca por que ele parecia tão deprimido e frustrado durante aquelas semanas.
Houve uma nítida mudança no ambiente depois que John e Yoko che­garam, embora, pessoalmente, eu sentisse que isso tinha mais a ver com Len-non estar lá do que com sua esposa acamada. Ele andava rabugento e mal-humorado, e se recusou a participar na criação de “Maxwel’s Silver Hammer”, que ele classificava como “apenas mais uma música de vovô do Paul”. No dia seguinte à chegada de John, o grupo estava gravando os backing vocais para a canção, com George Harrison e Ringo juntos de Paul no microfone, enquanto John, impassível, simplesmente se sentou na parte de trás do estúdio para assisti-los. Depois de um momento desconfortável, Paul se aproximou e convidou seu velho amigo e colaborador para se juntar a eles. Aquele me pareceu um gesto simpático, uma proposta de paz. Mas um Lennon inexpressivo simplesmente disse: “não, melhor não”. Poucos minutos depois, ele e Yoko se levantaram e foram para casa. Não tendo nada a contribuir, John não queria estar lá.
Durante os primeiros dias em que eles estavam de volta, John e Yoko passaram a maior parte de seu tempo encolhidos em um canto sussurrando um com o outro, ou andavam pelo corredor até o escritório do produtor - a sala verde — e faziam algumas ligações. Não me surpreendi, apenas encarei como parte do trabalho. Um dia George Martin me disse: “Eu queria que John se envolvesse mais”, mas que eu saiba ele nunca disse ou fez qualquer coisa para conseguir que o Beatle relutante participasse mais. Aquela altura, John estava definitivamente muito estranho, e seu envolvimento em todas as sessões do Abbey Road era esporádico. Na maior parte do tempo, se não es­tivéssemos trabalhando em uma de suas canções, ele simplesmente não pare­cia interessado.

4 comentários:

Edu disse...

Depois dessa, não sei mais nem o que dizer. Acho que AÍ, a coisa chegou realmente no limite.

Joelma disse...

Absurdo.
John era uma pessoa difícil.

Dani disse...

Aff surreal, hahahahah!!

Pedro Paulo disse...

Edu, não sei o que acho mais bizarro: se a coisa da cama dentro do estudio em si, ou Lennon chamar ela de mãe, ou o lance de um microfone pra ela...q povo doido!