quinta-feira, 25 de outubro de 2012

SGT. PEPPER'S - O LIVRO - CLINTON HEYLIN


A capa e o nome deste livro no Brasil podem dar a entender que se trata de algo exclusivo sobre a obra-prima dos Beatles, mas mesmo que "Sgt Pepper's" seja o centro das atenções, não é bem assim. O título original ajuda a entender melhor: "The Act You've Known for All These Years: A Year in the Life of Sgt. Pepper and Friends" - embora não seja abordado apenas um ano na vida dos Beatles, mas também os anos anteriores que levaram a banda a criar o retrato definitivo de uma era. O livro de Clinton Heylin é um estudo sobre processos criativos, e é sobretudo um trabalho de contextualização e desmistificação. No caso do "Sgt. Pepper's", contexto histórico é tudo. Existe essa ideia no ar de que o "maior disco de todos os tempos" é unanimidade, soberano, único, de que ele se criou sozinho. A principal virtude de Heylin é mostrar que, por mais relevante que seja, "Sgt. Pepper's" é fruto de um contexto. O autor não esconde sua preferência por Bob Dylan (o que deve até irritar alguns beatlemaníacos mais ferrenhos), o que traz um certo distanciamento saudável ao tratar o quarteto de Liverpool. Assim, vemos como Paul McCartney chamou pra si a responsabilidade do jogo, como muitas vezes era o conhecimento técnico de George Martin que salvava ideias esdrúxulas e desconexas, como John Lennon precisava de Paul para fazer sua genialidade se concretizar, como o disco todo foi sendo construído para ser conceitual, mas no final das contas não tinha conceito nenhum. Heylin também demonstra um baita conhecimento técnico ao falar da estrutura dos estúdios e dos processos de gravação, além de tratar as drogas dos lisérgicos anos 60 com a devida importância que elas tiveram para a mitologia do período. Porém, é fora do Universo Beatles que o bicho pega de verdade. Primeiro, ao falar de Bob Dylan, de sua influência junto aos Fab Four, de sua posição privilegiada no olimpo do pop, traçando as coordenadas para todos os artistas brilhantes que o tinham como guru. Depois, ao retratar a descida ao inferno de dois dos maiores expoentes dessa geração: Brian Wilson dos Beach Boys e Syd Barrett do Pink Floyd. Os capítulos que abordam as trajetórias trágicas de ambos são mais comoventes e interessantes do que o próprio processo criativo de "Sgt. Pepper's". É legal demais saber que Paul McCartney, o incansável beatle workaholic e pesquisador, frequentava a cena underground londrina da época e absorvia influências das bandas novas que surgiam, como Jimi Hendrix, o Cream de Eric Clapton e o próprio Pink Floyd, que dava seus primeiros passos no pop psicodélico. Ou que ele usava seu tempo livre pra ir divulgar o andamento de seu trabalho nos EUA, fomentando a nova cena de São Francisco e deixando o Brian Wilson louco por tabela. Todas essas conexões traçam um panorama fundamental pra se compreender melhor a tal cultura pop como a conhecemos. Seria tudo realmente lindo se o autor Clinton Heylin não fosse um crítico musical ranheta, daqueles que se acham tão importantes quanto a obra que analisam, que consideram uma discussão chata com outro crítico rival um debate importante para os rumos da história do universo. Heylin quer ser tão genial quanto os Beatles e enche seu livro de pequenas referências, citações e chacotinhas que exigem uma infinidade de notas de rodapé. Nada pior que uma piada que precisa ser explicada. Se ele está correto ao tratar seus colegas de profissão como termômetros do hype ao longo das décadas, ele erra feio ao estabelecer, entre as resenhas que "Sgt. Pepper's" recebeu em 1967, quem estava certo e quem estava errado - como se a crítica musical fosse uma ciência exata. E ele continua, criticando no último capítulo listas e mais listas de "melhores discos de todos os tempos" que saíram nas últimas décadas. No final do livro ele coloca sugestões pra você ouvir enquanto lê cada capítulo, mas nem tente segui-las. Segundo Heylin, a única forma correta de se apreciar a verdadeira genialidade dos Beatles é em vinil e no formato mono. Aquele seu iPod com a última versão remasterizada em mp3? Pode jogar fora. "Sgt. Pepper's", o livro, é um belo trabalho de pesquisa quase estragado pelas opiniões do autor. Leia com um certo distanciamento, tratando Heylin como mais um personagem e com a certeza de que nenhum crítico de música, por melhor que seja, jamais vai ser tão interessante quando Lennon, McCartney, Jagger, Richards, Brian Wilson, Syd Barrett ou Eric Clapton.

2 comentários:

Valdir Junior disse...

Eu tenho esse livro na primeira edição dele por aqui ( com capa amarela ), gostei muito delee realmente não é bem um livro sobre os Beatles mas de toda cena musical que acontecia naqueles meados dos anos 60, recomendo sem pestanejar !!!

Agora com relação ouvir o Sgt Peppers em " Mono " realmente é quase um outro disco para quem só conhece ele em Stereo .
Quando eu ouvi não acreditei !!!!

João Carlos disse...

De fato.Minha edição é igual ao do Valdir.Gostei um pouco mas convenhamos, a resenha do Renato foi perfeita.Assino embaixo!