terça-feira, 1 de novembro de 2016

A BATALHA PARA EMPRESARIAR OS BEATLES


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Dois norte-americanos foram a Londres lutar pelo con­trole dos Beatles, e eles não poderiam ser mais dife­rentes entre si. Lee Eastman era mais velho, formado por uma das principais universidades dos Estados Unidos, culto, seguro de si e pai, é claro, de Linda. Allen Klein fora criado num orfanato. Era impetuoso, falava duro e era motivado pelo dinheiro. A escolha dividiu a banda. McCartney era leal ao sogro, enquanto John, George e Ringo sentiam mais afinidade com as manhas e artimanhas de Klein. Lee Eastman foi convocado para ir a Londres pelo genro. McCartney acreditava que os Bea­tles eram os melhores do mundo e, portanto, tudo ao redor deles deveria ter nível seme­lhante —para ele, Lee era a pessoa perfeita pa­ra assumir o posto de empresário da banda.
Em contraposição, Allen Klein era rús­tico e despachado. Segundo seu obituário, ele “matraqueava o linguajar do Brooklyn, prodigamente temperado com invectivas su­culentas”. Ele fora chamado a Londres para conhecer John Lennon. O duelo resultante entre Eastman e Klein pode ser retratado co­mo o bruto Brooklyn atacando a suave Man­hattan: haveria somente um vencedor. Em 1967, Allen Klein dirigia seu carro em Nova York quando o rádio anunciou a morte de Brian Epstein. Klein deu um soco no volante. Eles são meus, cacete, eles são meus, pensou com seus botões, pisando fundo no acelerador. Ele conhecera Epstein em 1964, quando a banda foi pela primeira vez aos Es­tados Unidos, e se oferecera para renegociar o contrato de gravação para que o grupo re­cebesse royalties muito maiores. Em troca, ele ficaria com vinte por cento do dinheiro ganho com os novos royalties. Epstein deu uma olhada no sujeito de linguajar grosseiro e aparência desgrenhada e lhe mostrou a porta da rua. Klein deu de ombros e partiu para o pla­no B: os Rolling Stones. O empresário do gru­po, Andrew Loog Oldham, adorava malan­dros de iniciativa — principalmente porque aspirava ter o mesmo status. Seu filme prefe­rido era A embriaguez do sucesso, estrelado por Burt Lancaster e Tony Curtis. Ele adorava a linguagem afiada do filme, as roupas, as trai­ções. Oldham enxergou Klein de forma pa­recida e ficou encantado. Segundo Mick jagger, “Andrew nos apre­sentou o Klein como uma espécie de gângster, alguém de fora do sistema. Achamos is­so muito atraente”. Klein percebeu os sinais e desempenhou seu papel com perfeição. “Andrew gostava de me retratar como um americano misterio­so", Klein diria posteriormente. “O Andrew era assim mesmo. Ele simplesmente criou a minha imagem semelhante à de um gângster, dizendo que adoravam essas coisas na Inglaterra." Klein tinha antecedentes. Quando tra­balhou com Sam Cooke e Bobby Darin, ele descobriu direitos autorais não pagos pelas gravadoras pertencentes à máfia e, quando ninguém julgava que isso fosse possível, con­seguiu receber todo o dinheiro de volta. Ele também gostava dos britânicos. Além dos Stones, ajudou The Animais, The Kinks, The Dave Clark Five e Donovan. Para Klein, a es­trada desembocaria num único lugar: os portões da Beatlelândia. DerekTaylor o apresentou a Lennon em 1969. O fluxo de dinheiro que jorrava da Apple tinha de ser estancado. Medidas du­ras se mostravam necessárias. Então, liguem para o casca-grossa do Klein. Uma reunião entre John, Yoko e Allen Klein foi realizada em janeiro, em um elegante hotel londrino. Eles se deram bem. Lennon demonstrou sim­patia pelo passado de Klein; a perda da mãe e o tempo passado num orfanato o tocaram. Além disso, Klein fizera sua lição de casa: sa­bia que o melhor caminho para se chegar ao coração de um compositor é sempre por meio de suas canções. Klein começou falando para Lennon so­bre as letras e canções que adorava. Não mú­sicas óbvias que qualquer zé-mané poderia ter ouvido, mas músicas pouco conhecidas e mencionadas. O ego de Lennon se inflou. Klein pode ter sido um empresário duro, mas também gostava de música — e naque­la época as duas coisas não eram compatí­veis. Os empresários apenas geriam. Eles da­vam aos artistas dinheiro e fama. Raramente paravam para apreciar ou compreender a música que vendiam. Klein não agia dessa maneira, o que chamou muito a atenção de Lennon. No dia seguinte, Lennon contou ao gru­po que eles tinham um novo empresário. “Temos?”, questionou McCartney. Há pelo menos um ano, o baixista não estava mais prepara­do para acompanhar o líder. Era por isso que ele também vinha mexendo seus pauzinhos nos bastidores. Quando a banda assinou um novo contrato com Brian Epstein, na verda­de eles foram contratados pela NEMS, empre­sa de Epstein. Quando Brian morreu, Clive, seu irmão, assumiu os negócios, mas depois de passados meros dois anos na função ele queria se afastar. Clive anunciou a pretensão de vender a NEMS. McCartney telefonou ao sogro pedindo conselhos. Ele mandou Paul comprar a NEMS. Tomar emprestado da EMI o dinheiro necessário e assim se tornar pro­prietário da empresa que o comandava. Lennon organizou uma reunião para a banda conhecer Klein na Apple. George e Ringo seguiram o líder e optaram por Klein. “Como éramos de Liverpool, preferimos quem tinha a malandragem das ruas”, observou George. McCartney não confiava nada em Klein. Para ele, Eastman era muito mais expe­riente, muito mais transparente que o viga­rista do Klein. A banda tinha outra opinião, assinalando que Eastman tomaria o lado de Paul em todas as negociações. A gangue se dividiu e linhas de batalha foram traçadas. As coisas chegaram a um pon­to crítico durante uma gravação para o disco Abbey Road. Era sexta-feira à noite. McCartney chegara mais cedo e estava tocando um ins­trumento quando o resto do bando apareceu, com Klein a tiracolo, pedindo para o baixis­ta assinar um contrato dando vinte por cen­to ao novo empresário. Paul se recusou, ar­gumentando que eles eram grandes artistas e que quinze por cento bastavam. De jeito nenhum, vinte por cento, insistiram os ou­tros. Era justo pelo serviço que ele lhes pres­taria. McCartney não pegou na caneta naque­la noite. A banda seguiu adiante mesmo assim e mandou que Klein começasse a dar um jei­to na Apple. Saíram Ron Kass, Tony Bramwell, Denis 0’Dell. Entrou o pessoal de Klein. Um compromisso incômodo também foi acerta­do. Klein examinaria todos os contratos até aquela data para descobrir se havia direitos não pagos, sua especialidade. A Eastman ca­beriam os novos contratos, dando à banda, assim, segurança nas duas frentes. Mas não aconteceu dessa forma. Em questão de duas semanas, Eastman e Klein brigaram por cau­sa de documentos importantes. Então, no fim de março, Dick James, diretor da Northern Songs, empresa que detinha o catálogo de Lennon e McCartney, anunciou que vende­ria sua parte a Sir Lew Grade, da Associated Television. E assim foi, uma dor de cabeça após a outra, a banda passando dias e mais dias — ah, e como os dias eram longos — em volta da mesa de reuniões da Apple, discutindo dinheiro e gestão, advogados e participações. Eles nunca deveriam ter feito isso, pois eram músicos. Deveriam estar compondo, gravan­do, se apresentando, coisas que toda banda deve fazer. Em vez disso, eles passavam o tempo numa atividade complicada demais para eles. Na verdade, os quatro eram muito jovens para compreender as complexidades do mundo monetário que estavam buscando controlar. Eles não tinham cabeça para negócios e dinheiro. Posteriormente John admitiu: “Nós fomos ingênuos ao deixar outras pessoas se meterem entre nós, mas era o que estava acontecendo mesmo assim”. Verdade seja dita, a coisa toda começou a acontecer no dia em que John conheceu Yoko Ono – foi nesse dia que a gangue começou a desmoronar. Desde então, tudo se resumira a uma agonia longa e dolorosa. Com John batendo perna para promover a paz mundial e obcecado por Yoko, Paul, George e Ringo começaram a trabalhar em álbuns solos. Em abril, McCartney anunciou o iminente lan­çamento do disco solo McCartney. Ele estava furioso. Por meio de Klein, Lennon entrega­ra as faixas das sessões de Get Back ao produ­tor Phil Spector, que as ouviu e produziu o disco Let It Be. Para o desgosto de McCartney, o produ­tor acrescentou cordas, uma harpa e vocal de apoio feminino numa das grandes composi­ções do roqueiro, “The Long and Winding Road”. Lennon apoiou Spector o tempo todo. “As fitas eram tão malfeitas, tão ruins que ninguém se atrevia nem a chegar perto de­las. Elas estavam tomando pó havia seis me­ses e nenhum de nós poderia enfrentar a mi- xagem. Spector fez um trabalho fantástico.” McCartney enviou uma carta a Klein e a Spector que começava com as seguintes palavras: “No futuro, ninguém terá permis­são de acrescentar ou subtrair algo da grava­ção de uma das minhas canções sem a mi­nha permissão...” A seguir, ele respondeu um questionário fornecido por Derek Taylor, que trazia todas as perguntas da impren­sa que acompanhariam o lançamento de seu disco solo. A resposta à pergunta sobre a dissolução dos Beatles foi: “Sim, nós não tocaremos juntos novamente”. Assim que a imprensa viu a declaração, os telefones começaram a tocar no mundo inteiro. Em particular, John estava aborreci­do. Ele havia posto um ponto final na banda, então desejava o crédito para si. Era crianci­ce, mas típica da situação então vivida pelos Beatles. George concordou. “Naquele perío­do, um estava puto com o outro por causa de tudo [...]. Ele divulgou aquele comunicado à imprensa, mas todos nós já tínhamos deixa­do a banda. Foi isso que emputeceu o John [...]. Aquela coisa de: ‘Ei, eu já tinha saído e está parecendo que foi ele quem criou isso!’” No dia 10 de abril de 1970, as manche­tes diziam: “Os Beatles se separaram”. Não existia mais a gangue e o jogo chegava ao fim. “Eu acreditava piamente—como milhões de outras pessoas — que a amizade existente entre os Beatles seria um salva-vidas para to­dos nós”, declarou Derek Taylor com seu tí­pico discernimento. “Eu acreditava que, se aquelas pessoas fossem felizes entre si [...], valia a pena viver. Porém tínhamos expecta­tivas altas demais em relação a eles.” Essas palavras são muito verdadeiras, mas o espí­rito da gangue continuaria vivo, recusando-se a murchar ou morrer.

4 comentários:

Joelma disse...

Macca par mim o mais recional de todos já sabia no que ia dar.

Edu disse...

Sabia sim.

Valdir Junior disse...

Esse livro, "Love Me Do", estava numa oferta outro dia e fiquei na duvida se valia ou não a pena.
Agora, falando do post, hoje em dia olhando em retrospecto, realmente o Paul estava com razão.Materialista, egoísta, chato ou não, ele soube muito bem saber pra que lado a balança estava indo.

João Carlos disse...

Klein era nó cego!