terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

50 ANOS DEPOIS, POR QUE A MÚSICA DOS BEATLES AINDA É TÃO BOA?

Esse artigo de Adam Gopnik, escritor e ensaísta norte-americano, que a gente confere aqui foi publicado em 18/06/2012 no site Último Segundo, quando os Beatles estavam completando 50 anos.
A Grã-Bretanha celebrará neste verão (inverno, no Brasil) o jubileu de uma instituição que está durando mais tempo do que qualquer um imaginava, que transcendeu as fronteiras do país e que se mantém ainda hoje como uma fonte constante de alegria no mundo. Estou me referindo não à monarquia britânica - cuja rainha Elizabeth 2ª também celebra seu jubileu - mas ao 50º aniversário do primeiro show com a formação clássica dos Beatles.
Também há 50 anos foi feito o primeiro registro fotográfico de John, Paul, George e Ringo. A imagem foi feita em um ensaio à tarde, poucos dias antes de 22 de agosto de 1962 - a data do primeiro show dos Beatles. Coloco esta foto ao lado de outra imagem importante, feita no dia 22 de agosto de 1969 - exatamente sete anos depois. Este é o último registro dos quatro Beatles juntos. Existe algo sombrio, trágico ou até meio cósmico sobre os Beatles - foram sete anos de fama imediata, e longas décadas de tremores secundários.
Esses dias, vi um vídeo na internet sobre "coisas que as pessoas nunca falam". Um dos itens da lista é: "eu não gosto dos Beatles". Todos gostavam dos Beatles antes, e todos gostam deles ainda hoje. Meus filhos discordam de mim quando falamos sobre os Rolling Stones, e eles não entendem o jeito "metal farofa" do Led Zeppelin (por que eles cantam gritando com sotaque americano?). Mas para meus filhos, os Beatles são tão incontestáveis quanto a lua. Simplesmente algo que não para de brilhar. É um fenômeno.
Se a geração da época dos Beatles ainda estivesse escutando músicas de 50 anos atrás - como nós hoje -, eles estariam ouvindo canções da época da Primeira Guerra Mundial, o que é impensável. Então, por que os Beatles continuam atuais? A explicação que se ouve geralmente é que eles refletiam bem o seu tempo e eram um espelho para uma década que todos ainda reverenciam - os anos 1960.
Mas quanto mais eu os escuto e mais o tempo deles vai ficando no passado, mais fundamental o som deles se torna. Fico pensando se grandes personalidades do mundo pop não têm uma relação inversa com a sua própria época.
Charlie Chaplin, que é um dos poucos artistas com esse tipo de estatura, criou sua obra depois da Primeira Guerra Mundial - a era dos automóveis e da metralhadora, um dos períodos mais conturbados da história da humanidade. Mas seu trabalho era baseado no teatro vitoriano e na prosa de Charles Dickens, evocando uma época anterior ao seu tempo. "Luzes da Cidade" e "O Garoto" mostram a Londres dos anos 1890, não a Nova York dos anos 1920.
Eu acho que o mesmo acontece com os Beatles. Eles não eram provocadores. Seu grande tema é a infância perdida, e o que fazer diante de um mundo sério e austero, mas organizado e seguro da Inglaterra onde eles cresceram. Seus trabalhos mais duradouros - como "Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane" - contam histórias como a de um menino solitário em um jardim que lhe traz conforto, ou de uma rua animada de Liverpool, onde um garoto esperto e sociável vê o mundo ao seu redor.
Sons estranhos do passado - como bandas de metais - adornam as músicas dos Beatles, como ilustrações em um livro infantil. Sexo é um tema presente no primeiro disco, mas é raramente tratado nos demais álbuns.
A música dos Beatles é duradoura sobretudo por causa do poder da colaboração entre opostos. John tinha profundidade. Ele entendia instintivamente o que separa um grande artista de um grande agente de entretenimento. O artista procura surpreender e até chocar seu público. Paul tinha compreensão, sobretudo do aspecto material da música, e sabia instintivamente que a arte que surpreende mas não consegue entreter é mera vanguarda.
Nós percebemos a diferença quando os ouvimos após a separação: Paul tinha milhares de melodias maravilhosas, mas ambições artísticas esporádicas; John tinha muita ambição artística, mas só um punhado de melodias. Mas naqueles sete anos que a profundidade de John encontrou a compreensão de Paul, nós todos subimos o Everest (que por sinal era para ser o nome do último disco dos Beatles).
O dom dos Beatles era o dom da harmonia, e sua visão sempre foi essa. Harmonia - as vozes se entrelaçando em uma canção - ainda é o nosso símbolo mais poderoso de um mundo melhor, onde os opostos cantam juntos como se fossem um só. É por isso que até mesmo Bach e Handel terminavam suas melhores obras com corais - para nos alegrar e encorajar com sons de um mundo harmônico onde nós ainda não chegamos, mas o coral já atingiu e agora está nos chamando.
A arte nos faz sentir vivos e conscientes, mas raramente ela nos faz sentir feliz. Cinquenta anos depois, a música dos Beatles ainda sobrevive porque eles nos dão um dos sentimentos mais incríveis: o de que a felicidade é algo que cabe na nossa mão.
 

4 comentários:

Edu disse...

Gostei do "metal-farofa" do Led Zeppelin. Hihihi

Valdir Junior disse...

O Texto é emocionante, mas discordo da opinião dele em relação ao Led Zep.

João Carlos disse...

Excelente artigo. Não é fácil explicar os Beatles. Há muitas variáveis e circunstâncias.

Joelma disse...

Eu ainda me pergunto