quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

THE BEATLES - THE BEING FOR THE BENEFIT OF MR. KITE

Em janeiro de 1967, os Beatles foram ao Knole Park, perto de Sevenoaks, em Kent, para rodar o filme promocional de “Strawberry Fields Forever”. “Perto do hotel onde tínhamos nos hospedado havia um antiquário”, diz Tony Bramwell, ex-funcionário da Apple. “John e eu entramos para dar uma olhada, ele viu um cartaz vitoriano de circo emoldurado e comprou.”
Impresso em 1843, o cartaz orgulhosamente anunciava que o Circo Royal de Pablo Fanque apresentaria a “mais sublime noite de sua temporada” em Town Meadows, Rochdale, Lancashire. A produção aconteceria “em benefício do Sr. Kite” e teria como atração “o Sr. J. Henderson, o famoso saltador” que “apresentará seus extraordinários saltos mortais e de trampolim sobre homens e cavalos, entre argolas, sobre ligas e por fim através de um tonel em chamas. Neste ramo da profissão o Sr. H. desafia o mundo”. Dizia-se que o Sr. Kite e o Sr. Henderson asseguravam ao público que “a produção da noite será uma das mais esplêndidas já produzidas nesta cidade, sendo preparada há alguns dias”.
John começou a compor uma canção com base no texto do cartaz, que passou a ficar pendurado na parede da sua sala de música. Pete Shotton o viu estreitando os olhos para ler o texto enquanto tentava achar uma melodia ao piano. John modificou alguns fatos para que melhor se adequassem à música. No cartaz era o Sr. Henderson que desafiava o mundo, não o Sr. Kite; os Henderson “não tinham saído da Pablo Fanques Fair”; Kite, sim, “saíra do Circo Wells”. Para acertar a rima com “dont be late”, John moveu o evento de Rochdale para Bishopgate, em Londres, e fez do circo uma feira (“fair”) para rimar com “will all be there”. Também o nome original do cavalo era Zanthus, e não Henry. Para John, Pablo Fanque, o Sr. Kite e os Henderson nunca passaram de nomes exóticos, mas os registros históricos mostram que eles foram astros no mundo do circo há 150 anos. O Sr. Kite era William Kite, filho do dono de circo James Kite, que fundara o Kite’s Pavilion Circus por volta de 1810. William aparentemente teria nascido por volta de 1825 em Lambeth, Londres, e se tornado um artista versátil e especializado em trabalho equestre. Integrou o circo de Lord Sanger, depois o Wells e, de 1843 a 1845, trabalhou no de Pablo Fanque. Ele se casou com Ann Deveraux e em 1875 tiveram uma filha, Elizabeth.
Pablo Fanque era um artista de muitos talentos e foi o primeiro negro a ser dono de um circo na Grã-Bretanha. Seu nome verdadeiro era William Darby. Nasceu em Norwich em 1796, filho de John e Mary Darby. Nos anos 1830, quando atuava como equilibrista, começou a se apresentar como Pablo Fanque. Morreu em Stockport, em maio de 1871, e foi enterrado no cemitério de Woodhouse, em Leeds, no terreno que hoje está situado dentro do campus da universidade local. Os Henderson eram John, que se apresentava na corda bamba, a cavalo, no trampolim e como palhaço, e sua esposa Agnes, filha do famoso dono de circo Henry Hengler. O casal circulou por toda a Europa e pela Rússia nas décadas de 1840 e 1850. Os “somersets” que o Sr. Henderson executava sobre “chão duro” eram saltos mortais, “garters” ou “ligas” eram panos que duas pessoas seguravam, uma em cada ponta, e “trampoline” naquela época era o próprio trampolim, de madeira, não as camas elásticas de hoje.
Era comum naquele tempo que artistas de circo conhecidos ganhassem espetáculos em sua homenagem, ficando com todo o lucro. Alguém estabelecido e popular como William Kite podería contar com pelo menos um destes eventos por ano. Na época, John achou que “Being for the Benefit of Mr. Kite!” era uma canção descartável, contando a Hunter Davies que “não tinha orgulho dela. Não tinha me dado trabalho de fato. Eu estava no piloto automático porque precisávamos de uma canção nova para o Sgt. Peppers naquele momento”. No entanto, ao criar uma música a partir do texto de um anúncio, o que ele estava fazendo era o que Marcei Duchamp fizera na arte em 1917, ao colocar um mictório em exposição. William Burroughs e Bryon Gysin realizaram algo parecido ao incorporar textos de anúncios, diários e jornais à sua poesia e ficção. Em 1980, John mudou radicalmente de opinião, dizendo ao repórter da Playboy, David Sheff, que “ela é tão cosmicamente linda... a canção é pura, como uma pintura, a mais pura aquarela”.
Participaram da gravação: John Lennon: vocais e backing vocals, loops e gaita; Paul McCartney: baixo e guitarra solo; George Harrison: tamborim, gaita órgão Hammond; Ringo Starr: bateria, tamborin, maraca; George Martin: piano, gaita, órgão, glockenspiel e loops; Mal Evans: gaita baixo; Neil Aspinall: gaita e Geoff Emerick: loops.

E, para encerrar essa postagem com chave de ouro, a gente confere um um vídeozinho artesanal, mas bem legal dos Beatles, e com a cena do filme “Across The Universe”.

2 comentários:

João Carlos disse...

Coisa de gênio. Fantástica.

Valdir Junior disse...

Só aquela mistura de fitas que o George Martin fez para simular o ambiente de um circo, por si só já vale a musica.