Assim como
“Misery” introduziu os sentimentos de isolamento e de rejeição que se tomariam
tão significativos nas canções de John, “Theres a Place” apresentou o tema
relacionado à fuga para seus pensamentos, sonhos e memórias. A música sugere
ainda uma ideia que viria a se tomar mais central no seu trabalho com o avançar
da década: o desejo de um estado alterado de consciência, o poder da mente de controlar
o que é “real”. Em “Theres a Place”, John lida com a tristeza se recolhendo aos
seus pensamentos, e é isso que caracteriza canções posteriores como “Strawberry
Fields Forever”, “Girl”, “In My Life”, “Rain”, “I’m Only Sleeping”, “Tomorrow
Never Knows” e tantas outras. “Bem típico de Lennon”, comentaria ele mesmo em
referência a “There’s a Place”. “Está tudo na cabeça.” “Ele era uma combinação de introversão com extroversão”, conta Thelma McGough,
que namorou John quando ambos cursavam a Liverpool School of Art e ela ainda
usava o sobrenome Pickles. “Parecia muito extrovertido mas era tudo fachada. Na
verdade, era profundo, mas mantinha esse lado muito bem escondido até que você
ficasse sozinha com ele.” Embora John descrevesse a canção como sua, Paul alegaria depois que tivera a
ideia original, sendo que o título derivava de “Theres a Place for Us”, de West
Side Story (1957), de Leonard Bernstein (música) e Stephen Sondheim (letra),
que integrava sua coleção de discos na Forthlin Road. Mas, ao mesmo tempo que Sondheim busca no mundo físico um espaço livre de
pressões onde o amor possa germinar, John se recolhe em seu mundo interior, a
fim de controlar o que acontece. Para uma canção criada numa época em que
música pop não servia de veículo para poesia confessional, era reveladora como
poucas. Musicalmente, John diz que “Theres a Place” foi a sua tentativa de fazer “uma
coisa meio negra, tipo Motown”, referindo-se ao som novo e quente que então
emergia de Detroit por meio da incipiente gravadora independente de Berry
Goidy. A maior parte dos sucessos da Motown era composta no esquema de linha de
produção e interpretada por grupos educados na escola do próprio selo: música
dançante propulsionada por linhas de baixo criativas, gritos e harmonias vocais
ao estilo gospel, e salpicada de pandeiros. Entre os artistas favoritos dos
Beatles estavam Barrett Strong, os Miracles (com Smokey Robinson como
vocalista), as Marvelettes, Marvin Gaye e “Little” Stevie Wonder. Os Beatles, por sinal, desempenhariam um papel crucial na popularização da
Motown, ao gravar canções do selo como “Please Mr. Postman”, “You ve Really Got
a Hold on Me” e “Money”, e depois ao mencionar seus artistas e discos em
entrevistas. Em 1964, ao explicar à Record World o sucesso de sua gravadora, Berry
Gordy disse: “Ajudou ter várias de nossas canções gravadas pelos Beatles. Eu os
conheci e descobri que eram fas da Motown e vinham estudando a nossa música,
então acabaram se tomando alguns dos maiores compositores da história. Ficamos
absolutamente maravilhados.” A canção pode ter exercido influência sobre “In My Room”, de Brian Wilson,
lançada em setembro de 1963 no álbum Surfer Girl, dos Beach Boys. Os versos de
abertura são notoriamente semelhantes, bem como a reflexão sobre uma fuga dos
problemas do mundo. Os Beach Boys e os Beades teriam efeito benéfico uns sobre
os outros ao longo dos anos 1960, cada grupo impelindo o rival a subir de
nível. Wilson, o gênio atormentado dos Beach Boys, tinha em comum com John a
melancolia e com Paul a inventividade melódica e o ouvido impecável para
harmonia.
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2 comentários:
A "pegada" pop dessa musica, a harmonia do vocal e o baixo do Paul, por mais que tenham influência da Motown, já dão as características do que seria a musica dos Beatles.
Tem a mão de Paul nessa. Dá pra notar.
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