quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

OS REIS DO IÉ, IÉ, IÉ - A BEATLEMANIA INVADE OS CINEMAS

A abertura eletrizante de “Os Reis do Ié-Ié-Ié” - A Hard Day’s Night - 1964 - resume perfeitamente as qualidades do primeiro filme dos Beatles. Dirigido por Richard Lester, os quatro integrantes da banda mais famosa da história aparecem em desabalada carreira, seguidos por uma multidão de fãs alucinados. De repente, num lance genial do destino, George Harrison tropeça nas próprias pernas e sofre uma queda espetacular, retumbante. Os demais integrantes do grupo diminuem o passo e gargalham, deliciados. Ato contínuo, o guitarrista levanta, também sorrindo, e todos retomam a “fuga”, ao som da canção-título. Histeria, irreverência, improvisos e boa música: a essência da Beatlemania em pouco mais de dois minutos.




Filmado a toque de caixa, com período completo de produção (roteiro, filmagem, edição) espremido em 16 semanas, “Os Reis do Iê-Iê-Iê” nasceu como um produto 100% comercial, sem qualquer ambição artística. A idéia da gravadora dos Beatles, a EMI, era apenas aproveitar a fama dos rapazes de Liverpool, adquirida durante a primeira passagem da banda pelos EUA, para vender discos e bilhetes de cinema. Ninguém imaginava que o grupo se tornaria o mais importante da música popular no século XX. Tampouco previam que o filme se tornaria uma referência obrigatória no terreno dos musicais. O medo de que o sucesso escasseasse a qualquer momento acelerou a produção, mas não impediu o jovem cineasta Richard Lester de lançar as fundações do novo gênero (o documentário musical) e criar as sementes do que viria a ser um grande símbolo cultural no fim do século – o videoclipe.

Lester, então um diretor ascendente que tinha apenas um sucesso independente no currículo, atacou o filme com uma abordagem semi-documental muito ousada. Dispondo de apenas US$ 500 mil, ele pôs um roteirista (Alun Owen) para seguir o grupo por um mês e decidiu recriar, em clima de falso documentário, um dia na vida da banda. Owen escreveu alguns diálogos, sempre inspirados naquilo que via, mas deixou espaços para improvisos, algo que John Lennon e os rapazes adoravam. O preto-e-branco das imagens não foi uma escolha estética: as pequenas câmeras portáteis que acompanhavam o quarteto na rua só gravavam em P&B. Não havia um roteiro propriamente dito. Cada músico decorava algumas frases e criava o resto na hora, enquanto o resto do elenco simplesmente seguia os improvisos.

Poderia ter sido um fracasso espetacular, mas não foi. Muito pelo contrário. A opção pelo improviso, associada às técnicas modernas de montagem (os jump cuts, cortes que rasgam a unidade de tempo e espaço dentro das cenas, aprendido nos filmes de Jean-Luc Godard), acabou por capturar muito bem a atmosfera de irreverência e inovação cultural associadas à Beatlemania. As piadas são ótimas (Lennon e Ringo Starr, em particular, se saem bem como atores), e os números musicais que intercalam as cenas dramáticas – em especial as imagens do quarteto brincando num gramado durante “Can’t Buy me Love” – forneceram inspiração e um modelo estético para o futuro nascimento do videoclipe.

Além de ser um musical brilhante, rende uma perfeita sessão dupla com o divertido “Febre da Juventude” (1978). Se o filme dos Beatles acompanha um dia na vida do quarteto de Liverpool, a estréia de Robert Zemeckis no cinema, assumidamente inspirada em “Os Reis do Iê-Iê-Iê”, focaliza as peripécia de um grupo de fãs para conseguir entrar na apresentação de TV gravada pela banda inglesa neste mesmo dia.


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