segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O DIA QUE JOHN LENNON MORREU


Eram quase onze da noite em Nova Iorque, e o cantor e compositor James Taylor estava em seu apartamento no exclusivo Edifício Langham, na vizinhança do Central Park West. Ele falava ao telefone com Betsy Asher, cujo marido o contratara ao selo Apple, dos Beatles, havia doze anos. 'Ela estava em Los Angeles e reclamava que as coisas estavam muito loucas por lá,' relembrou Taylor. 'Algo a ver com a família de Charles Manson e as maluquices que aconteciam. Daí eu ouvi os tiros. Alguém já tinha me falado que os policiais carregavam as armas não com seis, mas com cinco balas, então se você ouvisse um tiroteio de policial, seriam cinco tiros em sequência até a arma ser descarregada. Foi o que escutei - pá-pá-pá-pá-pá - cinco disparos. Eu disse para Betsy, "E você acha que é ai que as coisas estão loucas... Acabei de ouvir a polícia atirar em alguém aqui perto." Desligamos, e uns vinte minutos depois ela me ligou de volta, dizendo: "James, não era a polícia." A polícia chegou à cena em minutos, e a notícia estalou pelo rádio, sobre os tiros em frente ao Edifício Dakota, a uma quadra do Langham. A agência de notícias UPI telegrafou os primeiros informes: 'Polícia de Nova Iorque avisa: ex-Beatle John Lennon em situação crítica após ser baleado com três tiros em seu lar no Upper West Side, em Manhattan. Um porta-voz da polícia informou, sem mais detalhes, que um suspeito foi detido. Um funcionário do hospital disse: 'Tem sangue por toda parte. Estão trabalhando nele feito loucos.' A rede ABC correu a notícia ao longo da tela durante a transmissão de Patriots contra Dolphins, partida daquela segunda-feira à noite. Cinco minutos depois, o comentarista Frank Gifford interrompeu seu colega Howard Cosell: 'Não me importa o próximo lance, Howard, você tem que anunciar o que soubemos na cabine.' 'Sim, temos que comunicar isso,' disse Cosell gravemente, e acrescentou o que soou quase como um sacrilégio num país obcecado por esportes: 'Lembrem-se de que isso é só um jogo, não importa quem ganhe ou perca.' Então, com a solenidade de um locutor acostumado a dramatizar disputas esportivas, Cosell anunciou: 'Tragédia indescritível. Confirmada pela ABC Notícias de Nova Iorque. John Lennon, em frente a seu prédio no West Side de Nova Iorque, talvez o mais famoso dos Beatles, baleado duas vezes pelas costas, encaminhado às pressas ao Hospital Roosevelt' - cada palavra pronunciada lenta e cuidadosamente como um prego sendo batido na madeira - 'morto... ao chegar... Vai ser difícil voltarmos ao jogo depois dessa notícia.' Richard Starkey e sua namorada, a atriz Barbara Bach, estavam bebendo numa casa alugada, nas Bahamas, quando sua secretária pessoal, Joan Woodgate, entrou em contato com Starkey. 'Recebemos telefonemas dizendo que John estava ferido', relembrou ele. 'Depois ouvimos que estava morto.' Foi o primeiro dos Beatles sobreviventes a saber da notícia. 'John era meu amigo querido, sua esposa é uma amiga, e quando você ouve uma coisa dessas...' O horror rompeu a névoa anestésica de álcool que o protegia do mundo. 'Você não fica mais ali sentado, pensando no que fazer... Precisávamos agir, então voamos para Nova Iorque.' Primeiro, Starkey telefonou à sua ex-esposa, Maureen Cox, na Inglaterra. Hóspede na casa, Cynthia Lennon acordou com os gritos. Segundos depois, Maureen irrompeu no quarto: 'Cyn, atiraram em John. Ringo está na linha, ele quer falar com você.' Cynthia acorreu ao telefone e ouviu o som de um homem chorando. 'Cyn', soluçou Starkey. 'Eu sinto muito. John está morto.' Ela deixou cair o telefone e gritou como um animal apanhado numa armadilha. A irmã mais velha de George Harrison, Louise, acabara de se deitar, em Sarasota, Flórida, quando um amigo telefonou dizendo para ela ligar a TV. 'Meu primeiro pensamento foi que seria algo errado com George,' recordou ela. 'Quando soube, senti duas coisas - uma onda de alívio porque George estava bem e o horror pelo que tinha acontecido comjohn.' Ela tentou telefonar imediatamente para Friar. Park, a desmesurada mansão gótica de seu irmão, em Henley, mas ninguém atendeu. 'Naquela época eles deixavam o telefone embaixo da escadaria,' relembrou ela, 'para George não se incomodar.' Pelas duas horas seguintes ela discou o número repetidamente, mas só ouviu o toque de chamada. Por volta das cinco da madrugada em Londres, uma hora após o assassinato, a BBC estava pronta para dar a notícia ao mundo. Em sua casa com vista ao cais de Poole, a senhora, de 74 anos, Mimi Smith - tia de John Lennon, que cuidara dele desde seus seis anos de idade - dormitava ao zumbido reconfortante da rádio BBC de notícias. Ela não via o sobrinho havia nove anos, mas dois dias antes ele lhe dissera que retornaria à Inglaterra no Ano Novo. Ela ouviu o nome dele, sem saber se estava ou não acordada, depois percebeu que era o locutor falando sobre Lennon. Ela só teve tempo de repassar um pensamento familiar durante a infância dele - 'O que aprontou dessa vez?' - antes que o locutor confirmasse um temor que sempre a assombrara. Permaneceu deitada, sozinha e atenta, enquanto a esperança e a alegria morriam em seu coração. Uma hora depois, Louise Harrison desistira de telefonar a Friar Park e conseguira acordar o irmão Harry, que vivia numa casa diante da entrada da propriedade do irmão mais novo. 'Eu desabafei que John tinha sido baleado,' recordou ela. 'Harry disse que não havia motivo para acordar George àquela hora, porque ele não ia poder fazer nada. "Vou conversar com ele quando eu levar a correspondência, depois do café da manhã," foi o que Harry me disse.' A notícia se espalhou gradualmente pela comunidade Beatle. O assistente mais antigo do grupo, Neil Aspinall, tinha um vínculo especialmente estreito com Lennon. Quando Neil foi acordado, seu primeiro impulso foi telefonar à tia de John, Mimi: a chamada convenceu aquela senhora de que seu pesadelo era real. Depois Aspinall seguiu severamente pela hierarquia dos Beatles, telefonando à casa de Harrison, falando com Starkey antes de este seguir rumo ao aeroporto de Nassau, mas não conseguindo contatar McCartney, cujo telefone ficava desligado durante a noite. No chalé de McCartney, em Sussex, ninguém ligara a TV ou o rádio; Linda McCartney levou os filhos do casal à escola, como de costume. Enquanto ela estava fora, seu marido conectou o telefone e soube que o parceiro de composições e então desafeto, o homem que marcara, por vezes dolorosamente, sua vida adulta inteira, estava morto. Minutos depois, a esposa voltou para casa. 'Eu entrei com o carro', ela lembrou, 'e ele saiu pela porta da frente. Eu soube só de olhar para ele que algo absolutamente errado tinha acontecido. Eu nunca tinha visto ele assim. Desesperado.' Linda descreveu como 'horrível' o rosto dele. Então ele lhe contou o que ocorrera. 'Eu revejo claramente', disse ela depois, 'mas não me lembro das palavras. Só consigo me lembrar da situação por imagens.' Chorando e tremendo, o casal cambaleou para dentro da casa. 'Era insano demais', disse McCartney.'Tudo ficou borrado.' . Um ano depois, perguntaram a Paul McCartney como se sentira. 'Não consigo lembrar,' disse ele, apesar de conseguir, com clareza talvez excessiva. Reviveu as emoções clamorosas daquele momento: 'Eu não posso expressar. Não posso acreditar. Era loucura. Raiva. Medo. Insanidade. Era o mundo chegando ao fim.' Vacilando entre tristeza e irrealidade, começou a imaginar que também ele poderia tornar-se alvo de um assassino. 'Ele começou a imaginar que poderia ser o próximo,' revelou Linda McCartney, 'ou se não seria eu, ou as crianças, e eu não sabia mais o que pensar.' 'Era uma informação que você não conseguia assimilar,' confirmou o marido. 'Eu ainda não consigo.' George Martin, que supervisionara a carreira de gravações dos Beatles com cuidado paternal, foi acordado por um amigo americano ansioso para passar a notícia. 'Não foi uma boa maneira de começar o dia', lembrou. 'Telefonei imediatamente a Paul.' Os dois tinham encontro marcado para mais tarde, no estúdio de Martin, em Londres, onde McCartney estava gravando um álbum. Martin relembrou: 'Eu disse, "Paul, você obviamente não quer vir hoje, não é?" Ele disse "Deus, o que eu não posso é não ir. Eu preciso ir. Não posso ficar aqui com o que aconteceu." ' Como McCartney explicou depois, 'Ouvimos a notícia pela manhã, e o curioso é que todos nós reagimos da mesma forma. Separadamente. Todos simplesmente fomos trabalhar naquele dia. Ninguém conseguiu ficar em casa. Nós tivemos que ir trabalhar e estar com as pessoas que conhecíamos.' 'Nós' para Paul então significava, como na década de 1960, os Beatles, outro dos quais também tinha compromisso de gravação naquela tarde. Após ouvir que seu material mais recente era insuficientemente comercial, George Harrison relutantemente concordara em apresentar mais quatro novas canções. Seus colaboradores incluíam o percussionista Ray Cooper e o músico norte-americano Al Kooper, um insone que, assim como Mimi Smith, soubera da morte de Lennon pela BBC de notícias. 'Liguei para Ray e disse "Sabe o que mais?" ' lembrou Kooper. 'Eu disse "Devemos ir lá e levar ele [Harrison] pro estúdio, e trabalhar e tirar a cabeça dele disso", em vez de deixar ele cozinhando o assunto. Então o Ray concordou e fomos pra lá, e quando chegamos no portão tinha um milhão de jornalistas parados lá, na chuva. Saí do carro e eles começaram a gritar pra mim. Eu disse "Vocês não têm nada melhor pra fazer?" ' McCartney enfrentou uma situação semelhante nos estúdios AIR, de Martin, em Londres. 'Eu cumpri o dia de trabalho em estado de choque', disse ele depois. O músico irlandês Paddy Moloney estava lá. 'Foi um dia estranho', lembrou Paddy, 'mas tocar pareceu ajudar Paul a passar por aquilo.' George Martin recordou que a música cedeu lugar a uma terapia de grupo: 'Nós chegamos lá e caímos uns nos ombros dos outros, e nos servimos de chá e uísque, e nos sentamos juntos e bebemos e falamos e falamos. Conversamos e lamentamos John o dia todo, e isso ajudou.' Um amigo de infância de Lennon, Pete Shotton, que trabalhara para os Beatles no final dos anos de 1960, decidiu que 'queria estar com alguém que conhecesse John tanto quanto eu'. Ele chegou por volta do meio-dia à mansão de Harrison. '[George] pôs o braço no meu ombro e fomos em silêncio para a cozinha, tomar um chá. Conversamos em voz baixa, sem dizer muita coisa, e George foi atender uma chamada transatlântica de Ringo.' Depois desse telefonema, Starkey voou para Nova Iorque. 'Não podemos fazer muito mais que isso', disse Harrison a Shotton; 'temos só que seguir adiante.' Al Kooper foi conduzido à cozinha, onde encontrou Harrison 'branco que nem um papel, totalmente abalado. Tomamos um café da manhã todos juntos. Ele recebeu telefonemas de Paul e de Yoko, o que pareceu ajudar seu espírito, e depois fomos pro estúdio e começamos o dia de trabalho.' Em Nova Iorque, milhares de fãs em luto se reuniram ao redor do Edifício Dakota. Às duas da manhã, a polícia já isolara o local, com guardas armados de plantão na cena do crime. A viúva de Lennon, Yoko Ono, recordou: 'Voltei para cá e fiquei em nosso quarto, em frente à Rua 72. Eu só ouvia, toda noite, e pelas semanas seguintes, os fãs lá fora colocando os discos dele para tocar. Foi tão doloroso, simplesmente apavorante. Pedi aos meus assistentes que implorassem aos fãs para pararem.' A equipe informava aos fãs em vigília, nos momentos em que Yoko estava tentando dormir, e filtrava as chamadas em sua linha privativa. O filho de Lennon, Julian, então com 17 anos de idade, disse à sua mãe Cynthia que queria voar imediatamente da Inglaterra a Nova Iorque para acompanhar a madrasta e o meio-irmão. 'Fomos colocados diretamente em contato com [Yoko],' recordou Cynthia, 'e ela concordou que seria bom que Julian estivesse junto. Disse que iria arranjar um voo para ele naquela tarde. Eu falei da minha preocupação com o estado dele, mas Yoko deixou claro que eu não seria bem-vinda: "Não é como se você fosse uma colega de escola, Cynthia." Foi meio áspera, mas eu aceitei.' Quando Yoko falou com Paul, algumas horas mais tarde, o tom foi mais conciliador. 'Ela chorava, arrasada,' disse McCartney naquela noite, 'não tinha ideia por que alguém quis fazer uma coisa dessas. Ela queria que eu soubesse o quanto John era afetuoso a meu respeito.' Por mais de uma década, a relação entre Lennon e McCartney foi fragmentária e tensa, e a autoconfiança de McCartney ficou evidentemente abalada por aquele afastamento. O conforto de Yoko ajudou Paul a reerguer seu ego: 'Foi quase como se ela percebesse que eu me perguntava se a relação já não tinha desaparecido.' A morte de Lennon roubou, tanto de McCartney quanto de Harrison, alguém por quem ambos nutriam sentimentos preciosos. 'O consolo para mim,' refletiu McCartney em 1992, 'foi que, quando [John] morreu, eu tinha recuperado o nosso relacionamento. E eu sinto muito por George, porque com ele não foi assim. George seguiu polemizando até o fim.' Harrison e Lennon não se falavam havia muitos anos, e as entrevistas finais de Lennon mostraram o ressentimento com o antigo amigo. Ainda assim, a dor de Harrison foi salpicada de fúria em vez de autoquestionamento. Derek Taylor telefonou a Harrison naquela tarde e achou-o 'chocado, terrivelmente perturbado e com muita raiva. Ele disse que não queria dar uma declaração num momento daqueles, mas [o gerente de negócios] Denis 0'Brien disse que era necessário. Depois de mais ou menos uma hora, telefonei de novo para George e elaboramos uma declaração curta, sobre como ele reagiu à tragédia.' O profundo senso de espiritualidade de Harrison recobriu-se com sua raiva. 'Depois de tudo que passamos juntos', leu-se na declaração, 'eu tinha e ainda tenho amor e respeito por ele. Estou chocado e surpreso. Roubar a vida de alguém é o maior roubo possível. A invasão do espaço da outra pessoa chega ao limite máximo com o uso de uma arma de fogo. É ultrajante que pessoas que obviamente não têm as suas próprias vidas em ordem possam tirar a vida de outras.' Mais tarde, ele falou com sua irmã. 'George me ligou', disse Louise Harrison, 'e ele estava obviamente muito perturbado. Ele só me disse: "Mantenha-se invisível."' Depois, Harrison voltou ao seu estúdio na mansão. Al Kooper relatou: 'Nós meio que embebedamos ele, e seguimos fazendo tudo que era possível, até não sobrar mais nada pra fazer.' Enquanto McCartney e Harrison tentavam aliviar a dor com álcool e camaradagem, Richard Starkey e Barbara Bach voavam a Nova Iorque. 'Tínhamos que visitar a esposa dele,' explicou Starkey, 'no mínimo para dizer "oi, estamos aqui." ' Eles tomaram um táxi até o apartamento onde a irmã de Bach morava, e telefonaram de lá a Yoko Ono. 'Yoko realmente não queria ver ninguém,' lembrou ele. 'Estava realmente alterada - ela queria ver alguém e depois não queria mais. Então ficamos esperando um pouco, e aí ela disse: "Venham." Chegamos ao apartamento, e ela pediu que só eu fosse falar com ela - principalmente porque me conhecia havia muito mais tempo, e só estivera com Barbara umas duas vezes.' Uma década antes, John e Yoko informaram ao mundo que eram inseparáveis e indissolúveis: 'John&yoko'. Numa homenagem inconsciente ao amigo, Starkey espelhou então essa postura, dizendo a Yoko: 'Desculpe, mas nós vamos juntos a todos os lugares.' Ela então concordou em ver os dois, num breve e traumático encontro. 'Depois voamos embora', disse Starkey, 'porque não estávamos muito favoráveis a Nova Iorque naquele momento.' Em Londres, os efeitos apaziguadores da sessão de gravação tinham desaparecido em McCartney, e ele saiu pela Oxford Street. Uma falange de repórteres cercaram sua limusine, fazendo perguntas óbvias e irrespondíveis. Ele manteve a polidez, sombrio, a goma de mascar servindo como distração à dor. Para encerrar aquela provação, tudo que não conseguia dizer foi apertado em três palavras, atiradas com desprezo aos microfones vorazes: 'Chato isso, não?' A seguir, por força do hábito, acenou às câmeras e refugiou-se no carro. 'Foi o final de um dia inteiro em choque,' refletiu ele depois. 'Eu quis dizer "chato" no sentido mais pesado da palavra. [Mas pareceu] banal.' 'Ele foi muito criticado por isso,' disse George Martin. 'Eu senti cada golpe que ele recebeu. Foi uma tolice, mas ele foi pego com a guarda baixa.' Naquela noite, as duas redes britânicas de TV trataram o crime como se a vítima fosse um membro da família real. A BBC exibiu Help!, um dos longa--metragens dos Beatles, e a jovialidade popart da comédia acrescentou um verniz surreal à tragédia ocorrida. AITV reuniu em seus estúdios todos os que teriam alguma vaga justificativa para se arrogarem a especialistas em Beatles: biógrafos, críticos, efémeros astros do pop - 'todos os que supostamente teriam sido amigos de John', conforme disse um furioso McCartney depois. 'E os especialistas e comentaristas vieram com suas frases: "Sim, John era o mais brilhante da banda. Sim, ele era muito astuto. Ah, pois é, ele vai fazer muita falta, ele era grande, e isso e aquilo." E eu pensei: "Diabos, como é que conseguem sequer articular um diálogo como esse?" Mas foram eles os que se saíram bem, porque disseram as coisas adequadas para se ouvir. E eu fui o idiota que disse: "Que chato." ' Sem poder reagir, atingido pela perda do homem cujo senso crítico ele considerava acima de todos os outros, McCartney soltou sua fúria pela noite adentro. 'Chorei bastante,' revelou. 'Eu me lembro de ter gritado que Mark Chapman [o assassino de Lennon] era o mais idiota de todos os idiotas da história. Eu me sentia totalmente roubado, em crise emocional.' Por fim, o álcool apaziguou os Beatles sobreviventes. Starkey voou para Los Angeles, onde jantou no Mr Chow, em Beverly Hills, com Harry Nilsson, cantor e compositor desafiadoramente autodestrutivo que tinha sido companheiro de farras de Lennon. 'Ringo não mencionou os acontecimentos e o tumulto em Nova Iorque', disse Ken Mansfield, outro dos amigos nesse jantar, 'e eu não pude deixar de admirar o modo como ele lidou com a situação.' Entretanto, esse controle seria cada vez mais difícil de manter. Sem o conhecimento de Starkey, sua chegada ao aeroporto de Los Angeles foi monitorada por dezenas de policiais, devido a uma ameaça de assassinato feita por um desequilibrado, que iria ao desembarque disposto a rivalizar com a fama repentina de Mark Chapman. Enquanto isso, a polícia de Nova Iorque informava ao pessoal de Yoko Ono que uma pessoa tinha sido detida, no salão de entrada do Dakota, intencionando matar Yoko. Mas, para alguns, a tragédia trouxe recompensas. David Geffen, que acabara de lançar o último álbum de Lennon, espantou-se com o volume de pedidos que congestionaram as linhas das suas distribuidoras. Mesmo o cancelamento, em respeito ao luto, de toda a publicidade do álbum, não deteve esse afluxo. Os advogados de Lennon foram inundados de pedidos de licenciamento do nome do músico. Trabalhadores da fábrica de discos EMI, nos arredores de Londres, foram escalados em horas extras de emergência para suprir a demanda pelo catálogo de Lennon. Em menos de 24 horas, ele se transformou de músico em herói mundial, e os três membros sobreviventes dos Beatles passaram a formar com suas próprias histórias de vida um elenco de apoio a este novo mito. 'Não é difícil imaginar o golpe brutal que a morte dele significa para Paul, George e Ringo,' escreveu o colunista do Daily Mirror, Donald Zec, logo após o assassinato. 'Basta imaginar a repentina queda de um dos pilares de aço de uma plataforma de petróleo. Não há como reagir a esse tipo de catástrofe.' Apesar de todas as declarações insistentes de que já não se consideravam mais como Beatles, McCartney, Harrison e Starkey sabiam que iriam sempre ser definidos pelo monolito que projetava uma sombra em suas vidas. A perda de Lennon afetou cada átomo da existência deles. Para McCartney, encerram-se todas as esperanças de retomar contato com o homem cujo nome estaria ligado para sempre ao seu. E a familiar hierarquia dessa ligação -Lennon/McCartney, nunca McCartney/Lennon - se tornaria cada vez mais desconfortável nos anos seguintes. Ele não apenas perdera um amigo, mas o homem cuja aprovação ou desdém eram decisivos à sua autoconfiança. McCartney já lamentava a perda do amor e da estima de Lennon desde que Yoko Ono o substituíra como colaborador preferencial, em 1968. Agora esse lamento seria permanente, sem esperança de alívio. Vinte e cinco anos após o assassinato de Lennon, a lembrança ainda podia causar um colapso emocional em McCartney, em público. A relação de George Harrison com Lennon enraizava-se numa instância cósmica. Durante as experimentações dos dois com a expansão química da mente, em meados dos anos 1960, Harrison vivenciara um sentimento de profundo parentesco com seu frequentemente agressivo e sarcástico amigo. Apesar do pouco contato pessoal que tiveram durante a década de 1970, aos olhos de Harrison o vínculo não poderia ser rompido: era uma união espiritual, que sobreviveria ao túmulo assim como tinha superado anos de tensões públicas e particulares. No seu último encontro, Harrison ainda detectava nos olhos de Lennon aquele vínculo não declarado. 'Eu sempre me preocupei com Ringo,' observou Lennon após a separação da banda. Lennon, McCartney e Harrison transferiram às carreiras solo as suas já comprovadas habilidades como compositores. Starkey viu-se forçado a contar apenas com seu charme e camaradagem. Mas tais recursos se mostraram bastante fortes: em 1973, ele chegou perto de articular um reencontro dos Beatles, e no período antes do crime tentava uma superação conciliadora, com a produção de um novo álbum. McCartney e Harrison já haviam contribuído em sessões de gravação, e Lennon estava agendado para completar o serviço em janeiro de 1981. Mas era óbvio que nada, a não ser a presença mágica dos quatro Beatles juntos poderia despertar interesse significativo em qualquer coisa que Starkey fizesse. Sua carreira estava em queda livre desde meados dos anos de 1970, espelhando o declínio num alcoolismo agudo, conforme Lennon lamentava entre seus amigos. Seu relacionamento com Starkey era mais próximo e menos complicado do que as negociações com Harrison e McCartney, mesmo porque Starkey não representava nenhuma ameaça em termos artísticos ou financeiros. Lennon oferecia a Starkey amor incondicional e aceitação, valores que o milionário alcoólico lutava para consolidar em seu próprio coração conturbado. Cada um dos Beatles sobreviventes sofreu perdas especificamente pessoais em dezembro de 1980, mas o emocional foi apenas um dos níveis em que o assassinato de Lennon cobrou seu preço. Apesar da anulação da associação legal, os quatro Beatles ainda estavam presos numa teia claustrofóbica de obrigações financeiras. Literalmente dezenas de empresas criadas gerenciavam e consumiam suas fortunas individuais e corporativas. Alguns de seus auxiliares haviam elaborado métodos de manobrar os ganhos, de uma jurisdição fiscal para outra, o dinheiro seguindo em alta velocidade pelo mundo, de empresa a empresa, rumo a paraísos fiscais. Nenhum dos Beatles compreendia na totalidade as implicações legais das centenas de documentos e contratos que vinham assinando desde 1962. Era uma vez, havia muito, muito tempo, eles recebiam dos agenciadores, em Liverpool, pagamentos em notas amarrotadas e moedas e dividiam o dinheiro entre eles na parte traseira de seu carro de equipamentos. Agora, empregavam exércitos de especialistas financeiros, cujos objetivos eram aumentar a riqueza de seus clientes e as suas próprias comissões. Já passara o tempo em que os Beatles lidavam apenas com música. Agora seus interesses iam da produção de filmes até fazendas de gado leiteiro, além das misteriosas formas de corretagem financeira disponíveis somente a investidores obscenamente ricos. No início, os Beatles confiaram seus negócios ao empresário Brian Epstein. Este recrutou uma equipe de assistentes com reconfortantes sotaques de Liverpool, os quais continuaram a servi-los após a morte de Epstein, em 1967. Mas a perda de seu ingénuo, porém dedicado mentor, abriu as portas a confusões financeiras e a homens muito mais experimentados em negócios do que Epstein, mas por vezes muito menos leais. Uma luta ocorreu pelo controle dos interesses financeiros dos Beatles, mas tão logo o contador nova-iorquino Allen Klein triunfou, o prémio dissolveu-se diante de seus olhos. Em meados dos anos de 1970, quando a parceria profissional foi finalmente anulada, os Beatles tinham montado - e seria difícil a eles recordarem o modo como isso ocorrera exatamente - cada qual o seu próprio exército de advogados corporativos, assessores e conselheiros. Enquanto seus representantes se atiravam alegremente às batalhas judiciais e às manipulações financeiras, os Beatles podiam pelo menos sentir-se seguros em manter algum vestígio de controle sobre sua música. A medida exata de cada participação no atemporal catálogo de composições dos anos de 1960 foi uma questão sujeita a custosas disputas legais, e assim prosseguiria por anos a fio. Mas até o final dos anos 1970, quando as gravadoras começaram a ousar dizer não a Starkey e depois a Harrison, os estúdios de gravação permaneceram bastiões de independência ferozmente controlados pelos quatro. Em termos pessoais e criativos, os Beatles nunca foram inteiramente iguais, mas quando se tratava de assuntos que afetavam a todos, o voto de cada um possuía o mesmo peso. No entanto, já em 1968, Lennon introduzira um quinto elemento no quarteto: sua companheira, a cineasta experimental e artista de vanguarda Yoko Ono. Primeiro, ele insistiu na presença dela durante as sessões de trabalho dos Beatles; em seguida, abandonou o grupo e passou a colaborar apenas com ela. Finalmente, após o nascimento de seu filho, Sean, em outubro de 1975, Lennon tomou a fatídica decisão de nomeá-la sua procuradora em reuniões e negociações contratuais. Os outros três Beatles e seus assessores, extravagantemente bem-pagos, viram-se forçados a lidar com uma pequena mulher de fala macia, obstinada e absolutamente imprevisível, a quem eles sempre enxergaram com desconfiança e desconforto. Até dezembro de 1980, McCartney, Harrison e Starkey podiam tranquilizar-se com o fato de que seu ex-colega ainda tomaria parte nos negócios feitos em seu nome. Quando ele morreu, Yoko entrincheirou-se como a única guardiã do legado de Lennon: a autonomeada 'portadora da tocha', protetora dos interesses dele, curadora de seu arquivo, porta-voz de sua memória, e controladora de 25 por cento dos Beatles e de seu império de negócios. Não haveria mais os quatro Beatles, mas haveria sempre Yoko Ono, a rebelde de Manhattan. A elevação dela ao status de sucessora Beatle colocou os ex-colegas de Lennon diante de um enigma desconcertante. Desde o início, os quatro homens estabeleceram relações em diferentes níveis de respeito. Starkey era o baterista, com a graça redentora de sua imagem amável e autodepreciativa, armado com uma astúcia simples, mas divertida. Harrison era o 'Beatle quieto', apesar de uma vez queixar-se de que 'se eu era o quieto, os outros deviam ser realmente barulhentos'. Dedicado estudioso da guitarra, fascinado por filosofias orientais, dono de humor e seriedade igualmente secos, além de ser o compositor do que Frank Sinatra descreveu como 'a maior canção de amor do século XX'. (Todo o bom humor de Harrison foi necessário para ignorar a convicção, da parte de Sinatra, de que Something tinha sido feita por Lennon e McCartney.) McCartney era um enigma. Diabolicamente talentoso, motivado quase que obsessivamente por uma ética de trabalho implantada na infância, orgulhoso proprietário de uma veia criativa quase que sem paralelos na história da música popular, ele também era inseguro, atrapalhado diante da mídia, um artista por natureza e também um canastrão de nascença. Ex-funcionários o qualificaram como controlador maníaco. Mas o seu dom melódico contrabalançava todas as suas fragilidades humanas. Da mesma forma, por vezes, a determinação de produzir desequilibrou seu senso crítico artístico. Essa mistura de traços e características tornou-o o compositor musical de maior sucesso comercial de todos os tempos. Mas em algum nível de sua psique nada disso valia se ele não tivesse o respeito de John Lennon. Com a partida de Lennon, McCartney ficou preso a uma íntima parceria financeira com uma mulher que ele nunca compreendera, e que parecia nunca ter valorizado a pessoa e o talento dele. Nos anos seguintes à sua morte, Lennon foi retratato em cores vívidas e contraditórias. Alguns observadores afirmaram que seus anos finais se caracterizaram por falência criativa, uso de drogas e desespero suicida. Outros - a exemplo do próprio Lennon, em seu depoimento final - declararam que ele estava no auge de seus poderes criativos, totalmente reconciliado com sua musa, pronto para celebrar mais um deslumbrante capítulo da saga romântica que uma vez ele chamara de 'A Balada de John e Yoko\ Os redatores dos obituários o declararam 'um herói', que 'ultrapassou o entretenimento para chegar a oferecer uma filosofia de vida mais humana'. Pela estatura e pelas esperanças que inspirava, foi comparado ao falecido Presidente Kennedy: 'ambos representaram, cada um a seu modo,' afirmou o jornal The Times, 'as aspirações de uma geração'. Nas colunas editoriais que ainda representavam a voz da autoridade britânica estabelecida, o mesmo jornal declarou: 'Lennon era somente um dos membros do grupo, mas era o mais carismático e interessante, e talvez o mais importante.' Sua morte 'entrega à história a década que mudou mais radicalmente a sociedade britânica'. Como poderia Paul McCartney manter sua carreira artística após o antigo parceiro ser assim canonizado? Como poderia reivindicar sua parte no legado artístico dos Beatles, sendo ele desconfortavelmente mortal, enquanto Lennon ascendia ao nível dos deuses? A dor pessoal seria apenas uma das maldições; pelo resto da vida McCartney teria que batalhar com Yoko Ono por seu devido lugar na história. Havia agora três Beatles e um santo. Talvez esse tenha sido o mais cruel destino de McCartney: ele não desejava nada mais que recuperar o amor de Lennon, mas viu-se condenado a competir com a memória do parceiro por um reconhecimento que, por direito, já deveria ser seu. Dois dias antes de matar Lennon, Mark Chapman passou várias horas esperando inutilmente em frente ao Edifício Dakota. Dali, pegou um táxi ao bairro de Greenwich Village. Contou ao taxista que ele era um engenheiro de gravação, que tinha passado a tarde trabalhando no álbum que reuniria John Lennon e Paul McCartney. Chapman não podia ter sabido que McCartney tentara contatar seu ex-colega durante a produção do recém-finalizado álbum de Lennon, Double Fantasy, nem tampouco que o contato fora bloqueado por terceiros. Muito menos sabia que já haviam sido solicitados à prefeitura de Nova Iorque estudos sobre a viabilidade de uma apresentação de retorno dos Beatles no Central Park, ou que Lennon acabara de assinar um compromisso por escrito, afiançando que voltaria a colaborar com o grupo, pela primeira vez em onze anos. Todas essas fantasias e planos morreram com Lennon em 8 de dezembro de 1980. Os quatro Beatles haviam trabalhado juntos pela última vez em agosto de 1969; desfizeram a banda efetivamente um mês depois e anunciaram o fato na primavera de 1970. Um ano depois, a reputação deles seria rasgada em tiras diante do Tribunal Superior de Londres, quando Paul McCartney processou seus amigos para dissolver a sociedade formada por eles. Os quatro.Beatles costumavam naturalmente ter suas rusgas 'de irmãos', mas depois da separação os confrontos passaram a ser dignos de uma família da Máfia. Os jovens ídolos com seus penteados de franjas, ainda referidos como 'os rapazes' por uma já longamente sofrida equipe de produção, expuseram--se então como homensjá desgastados e amargos, deslizando inexoravelmente para fora da voga. Ao longo da década de 1970, os desentendimentos mantiveram a imprensa e o público atentos, a traçar as posições conflitantes como se fossem tropas num mapa militar. Os sinais de trégua entre os dois principais protagonistas seriam contrapostos pelos aumentos repentinos das animosidades de Harrison; se um Beatle sugeria que um retorno seria 'divertido', outro responderia com desprezo. No entanto, não importando quantas vezes os Beatles negassem que estavam prestes a se reagrupar, havia um entendimento compartilhado - pelo menos entre os ias - de que afinal de contas eles se reconciliariam, e (o que era igualmente controverso) de que esta volta seria artisticamente válida. O potencial comercial de um retorno dos Beatles nunca esteve em dúvida, mas não era somente dinheiro o fator que animava as ofertas de somas inimagináveis para uma única apresentação ou uma turnê. Nem era somente pela música, a razão ostensiva para o retorno. Ao sabor de seu humor momentâneo, os Beatles recebiam as inevitáveis perguntas sobre o futuro com uma mistura de suprema autoconfiança ('Se voltássemos a fazer algo, seria sensacional') e insegurança ('Seria tão bom quanto o que esperam de nós?'). Em última instância, conforme demonstrou a colaboração entre McCartney, Harrison e Starkey, na década de 1990, a realização artística não faria diferença; o importante seria o seu simbolismo. 'As relações sexuais começaram em 1963,' escreveu o poeta Philip Larkin, 'entre o fim da proibição a Chatterley e o primeiro LP dos Beatles'. E por 'relações sexuais' subentendiam-se todas as facetas do fenómeno cultural hoje conhecido como "anos 60" - liberação sexual, moda extravagante, protestos estudantis, pacifismo, a Carnaby Street, a Grosvenor Square, a Primavera de Praga, o maio de 1968 em Paris, LSD, maconha, liberação das drogas, amor livre, música livre, libertação de um passado e, conforme se viu, também de um futuro. Fatores múltiplos combinaram-se, colocando os Beatles no coração de toda essa agitação cultural, ou revolução, ou qualquer expressão que melhor descreva um sentimento coletivo de que o mundo nunca mais seria o mesmo. Houve uma coincidência de calendário: por acaso, a banda acabou nos últimos meses da década, e isso não foi graças a uma atenção aguda dos integrantes na construção de uma mitologia pessoal. Sua exuberância juvenil e sua recusa ao status quo vibraram no tom da inquietação de uma geração pós-guerra que atingia predominância demográfica. Eles exibiram uma incrível capacidade de assimilar tudo que entusiasmava as vanguardas artísticas e culturais, desde as drogas psicodélicas e a espiritualidade indiana até a música concreta e a arte pop, e reproduzir tudo isso para uma audiência de massas. Os Beatles não criaram os anos 1960, mas sua música e carisma venderam os anos 1960 para o mundo. Para além de sua existência ativa, os Beatles passaram a ser usados como ilustração das mais absurdamente diversas descrições da década de 1960. Alguns comentaristas culparam-nos pelos males culturais da década: a falta de respeito pela autoridade, as relações sexuais extraconjugais, o uso de drogas, os palavrões, a decadência moral da sociedade. Menos controversamente, os Beatles colocaram-se com outros ícones da época numa colagem aparentemente sem remendos, tão evocativa e - depois - tão culturalmente esvaziada quanto uma união de: JFK, as minissaias, conflagrações urbanas, jlower power, a Guerra do Vietnã, e a chegada à Lua. Reduzidos a terninhos bem-cortados e fãs histéricas, eles ofereceram a suavidade da nostalgia sem os solavancos inquietantes da realidade. Emergiu de fato a sensação de que eles atravessaram a década de 1960 imunes à história, tão afastados de sua época quanto da necessidade cotidiana de obter alimento. Fama e fortuna exilaram os Beatles da revolução juvenil que supostamente lideravam, e um dos sintomas da desintegração inevitável foi a crescente incapacidade quando confrontados com a vida fora da redoma - notavelmente ao montarem seu utópico império de negócios, a Apple. O grupo imaginava ser capaz de contornar as necessidades comerciais usando simplesmente o poder de seu nome. Não era a imaginação prodigiosa de toda uma geração desabrochando, mas sim a ingenuidade de homens (não mais 'os rapazes') que esqueceram como lidar com a realidade. Como nobres príncipes superprotegidos, diante de uma máquina de vendas automáticas na rua, eles se viram perplexos e confusos. Isso os tornou presas fáceis de homens de negócios que eram tudo menos idealistas e que reconheciam uma oportunidade de faturar quando surgia alguma diante deles. A medida que seu império decaía por dentro, os Beatles viam-se forçados a confrontar suas diferenças individuais. Estas gradualmente superaram a solidariedade que dera suporte à vertiginosa ascensão à fama. Muitos desses detalhes eram esquecidos quando se falava sobre uma volta dos Beatles. Ninguém contemplava um retorno aos dias sombrios de 1969, quando Lennon e McCartney frequentemente evitavam permanecer no mesmo ambiente, e Lennon fazia questão de se ausentar quando uma canção de George era gravada. Não piscava nenhum sinal daquela disputa judicial que os colocara uns contra os outros e expusera suas recriminações amargas. Mas mesmo os mais sonhadores, a torcer por um retorno, não poderiam esperar que a banda se parecesse ou soasse como em 1964, quando sua energia irrefreável conquistou o mundo. Não: o que se exigia de um reencontro dos Beatles era que o público se sentisse como quando ouviu / Wanna Hold Your Hand pela primeira vez, ou quando fumou um baseado ao som de Sgt. Pepper. O que as pessoas queriam não era os Beatles, mas o passado delas, despido de sofrimento e ambiguidade. Mas foi precisamente uma combinação de sofrimento e ambiguidade o que destruiu o sonho.
Texto extraído do livro de Peter Dogget “A Batalha Pela Alma dos Beatles”.

3 comentários:

João Carlos disse...

Não consigo reler completamente. É um texto irrepreensível mas doloroso. Todos nós morremos um pouco naquele dia!

Fábio Simão disse...

Fiquei arrepiado durante a leitura. Triste dia, triste fim.

Marcelennon disse...

A leitura deste texto dói na alma e extravasa em lágrimas... Minha vida parou em 8 de dezembro de 1980... De alguma forma, parece que nada depois daquela data tem o colorido que tinha até então! A vida passou a ser em preto e branco, desde aquele fatídico dia! John, saudades eternas! Eu amo (e sempre amarei!) muito você!