quarta-feira, 18 de novembro de 2015

JOHN LENNON - DOUBLE FANTASY - 35 ANOS - PARTE 2

 
1980 marcou um importante fim e ainda mais importante começo para John Lennon. Ele estava cansado, doente e exausto de viver doente e exausto. Ele empregou seus últimos fiapos de determinação para começar o processo de desintoxicação, a frio dessa vez. Sem ajuda de metadona, de morfina, de rituais xamânicos, sem recaídas, sem voltar atrás. Aos 39 anos, seu corpo parecia o de um mendigo nova-iorquino desnutrido. Magro, com as costelas aparentes, barba e cabelos esparsos, o que lhe restava de musculatura estava flácido, desprovido de tônus sobre os ossos. Nos últimos cinco anos Lennon havia desenvolvido uma enorme aversão por si mesmo. Sabia que havia chegado ao fundo do poço, numa crise de identidade de cinco anos. O autoproclamado "marido e dono de casa" estava sofrendo o mal-estar do isolamento e do tédio, idênticos às reclamações das donas de casa suburbanas.
O que aconteceu a John foi a mesma coisa que aconteceu a Elvis Presley, Howard Hughes e muitos outros ricos reclusos e autoindulgentes: Lennon havia simplesmente se recusado a pagar o preço para permanecer vivo, o tributo feito em termos de envolvimento, responsabilidade e esforço, encontrando em Yoko Ono alguém disposto a lhe poupar o fardo da existência. John havia se afastado da realidade de seus próprios negócios. Yoko, ou "Mamãe", como ele a chamava, o aconselhou a não se ocupar mais de novas músicas. O édito estava em vigor havia mais de cinco anos agora, e os frutos de seu trabalho estavam apodrecendo. Não importa quão inquieto ele se tornara, ela continuava advertindo-o de que se tentasse cortejar as musas iria sofrer um fracasso humilhante, Esse longo silêncio estava prestes a acabar.

Quando John e Yoko voltaram de sua terceira viagem anual ao Japão, fizeram um pacto de se livrarem do vício da heroína. John, prometendo conseguir isso buscou técnicas de isolamento meditativo. Usou um tanque de privação sensorial: uma grande caixa negra no formato de um caixão cheia de uma solução salina morna. Flutuando por até meia hora, sem som e na escuridão total, experimentava uma sensação parecida com a de quando estava drogado, isolado em seu quarto por dias, imergiu em suas questões favoritas, relacionadas ao misticismo e às civilizações antigas. Como literatura inspiradora, releu os relatos de aventuras Kon Tiki, de Thor Heyerdal e do famoso navegador Sir Francis Chichester. Tocado por essas fábulas de autoconfiança e suficiência, encontrou a coragem para começar a confrontar seus demônios. Estava pronto para voltar à tona.

Yoko Ono
evitou confrontar sua dependência de heroína e permaneceu uma junkie "funcional". Administrando a fortuna de 150 milhões de dólares do casal, havia investido no mercado imobiliário e comprado mansões na costa de Palm Beach, na Flórida, e em Long Island. John era dono de dois haras no rio Potomac e de uma fazenda em Catskills onde nunca poria os pés, além de urna fazenda de gado leiteiro no estado de Nova York avaliada em vários milhões de dólares. Sua propriedade favorita, escolhida por Yoko, era a casa em Cold Spring Harbor, em Nova York, chamada de Cannon Hill. Foi nessa mansão de 14 quartos, de frente para o mar, que ele se isolou no início da primavera. A proximidade com o mar sempre o inspirava a fantasiar sobre viagens e ele mandou seu assistente Fred Seaman comprar um barco a motor para que ele pudesse passear pela baía.
John ganhou confiança e destreza na pequena embarcação. Encontrando nova satisfação em estar na água, comprou também um pequeno veleiro, o Isis. Ele e Fred aprenderam a navegá-lo, tomando aulas com Tyier Coneys, um marinheiro veterano. Começou a desejar "a coisa certa", dizendo a Fred como gostaria de velejar pelo Atlântico até o Tâmisa em Londres em vez de ir de limusine para o aeroporto de Heathrow. A ideia de velejar de volta para a Inglaterra se transformou em obsessão. Yoko disse que não fosse para a Inglaterra, mas para o sudeste, até as Bermudas. Em 4 de junho de 1980, John embarcou em um pequeno avião com seu instrutor de vela Tyler Coneys e voou para Newport Rhode Island para pegar seu veleiro fretado, a escuna de 13 metros Megan Jayne, capitaneada por Hank Beard. Outros dois primos de Tyler Coneys formavam o restante da tripulação. Seguindo para o mar aberto, sozinho no meio de estranhos, John estava assumindo o tipo de risco que passou toda a vida evitando. Ao mesmo tempo, realizava urna de suas fantasias infantis mais queridas: ir para o mar, como seu pai e seu avô. Com pouco conhecimento de navegação, John ocupou a cozinha do navio. A purificação emocional de uma nova aventura trabalhava sua alma e a adrenalina fresca corria em suas veias, provocando um novo e inesperado humor.

Inevitavelmente, em se tratando do Triângulo das Bermudas, o barco passou por uma forte tempestade, Um a um, os membros da tripulação ficaram enjoados e incapacitados. Na condição de único tripulante a não vomitar, o capitão ordenou que John ficasse no leme por quatro horas. Lutando para man­ter o curso, amarrado a uma corda enquanto o deque se inclinava e balançava, primeiro ficou aterrorizado com a visão do mar lançando seu peso e força ex­traordinários. A água que corria pelo convés era alar­mante. John estava sozinho no leme, batendo de frente com ondas de seis metros de altura.
Mas o barco manteve seu curso e, depois dos primeiros quinze minutos de puro terror, ele sentiu aumentar sua coragem. Era como estar no palco. Primeiro você entra em pânico e está prestes a vomitar, mas depois começa a fazer o que sabe fazer, esquece todos os medos e começa a ter prazer com a coisa toda. Enquanto o mar crescia diante dele, Lennon gritava de volta, cantava canções de marinheiros que ouvira na voz do pai em Liverpool. Havia vencido sua tempestade perfeita e chegado ao outro lado com a bazófia de um marinheiro para descansar no sol tropical de Hamilton Terrace, nas Bermudas. Fred Seaman estava emocionado ao se juntar a ele na ilha caribenha. Depois de mais de um ano vendo seu herói viver como um homem apanhado por urna doença devastadora, testemunhava o renascimento do verdadeiro, velho e bom John Lennon.

Instruído a encontrar um refúgio criativo para John viver e trabalhar, Seaman logo descobriu Fairylands Undercliff: uma vila à beira-mar, isolada em um trecho estreito de terra. Durante o entardecer John fumava no pátio enquanto ouvia o álbum “Burnin” de Bob Marley. Depois de tocar Hallelujah Time sem parar durante meia hora, explicou a Fred que finalmente havia entendido o motivo de ter ficado tão obcecado com a canção por tanto tempo: era a frase sobre "não ter muito tempo para viver". Era exatamente como se sentia. Imediatamente começou a improvisar sobre a frase do álbum de Marley. Fred ligou o gravador enquanto John tocava sua versão pirata da música que iria se chamar "Living on Borrowed Time". Satisfeito, acendeu um cigarro de maconha e começou a descrever para Fred, de maneira arrebatada, sua ideia de um grande álbum, A gravação seria repleta dos sons sensuais, importados da Jamaica.

Os planos de John acabaram na manhã seguinte, quando descreveu sua visão a Yoko Ono por telefone. Yoko Ono brigou para tê-lo de volta. Sem o conhecimento de John, havia decidido que sua obsessão em controlar os negócios familiares havia acabado e anunciou a seus bajuladores que voltaria a produzir arte e "eventos" musicais. Ela já tinha um monte de canções para gravar e estava determinada a transformá-las em um álbum de sucesso. A experiência havia lhe ensinado que um álbum solo seria o fim da estrada. Se produzisse seu próprio álbum, John faria a mesma coisa, E o dela ficaria nas prateleiras das lojas enquanto o dele evaporaria rapidamente. A solução foi o conceito de "the heart play": um diálogo entre amantes casados. Diante dessa ideia, John foi impelido a um apuro imediato: se rejeitasse o conceito, rejeitaria o mito de John e Yoko. Se adotasse a proposta, daria adeus à orientação de seus temas caribenhos. Depois de uma maratona de telefonemas e brigas iradas cara a cara, John foi persuadido a abandonar sua ideia de um álbum de reggae com uma pitada de tango em favor de um outro no qual duas pessoas, empregando idiomas musicais discordantes, cantavam alternadamente, falando de coisas diferentes.

John continuou nas Bermudas por cinco meses compondo e trabalhando, incapaz de achar Yoko Ono por telefone por vários dias, escreveu a melhor peça do que viria a ser o álbum “Double Fantasy”: "I'm Losing You". Depois da temporada nos trópicos, ele voltou para Nova York planejando ir direto ao estúdio de gravações. Começou a organizar ensaios e a juntar uma banda. Instruiu Jack Douglas, seu produtor, a contratar novos músicos. Depois de passar anos com os mesmos companheiros de palco, que frequentemente tomavam liberdade com drogas e bebidas durante as sessões, John tentava evitar o caminho sinuoso e festivo que caracterizava seus rituais de gravações anteriores. Ele queria poder usar o chicote, tirando tudo o que quisesse dos músicos" sem ter que se preocupar em pisar no ego de "amigos". O objetivo de Lennon era fazer as coisas de forma simples e eficiente. Se ele tivesse que fazer mais do que cinco ou seis tentativas para cantar uma música, se enchia e seguia para a próxima. Esse estilo de gravação vigoroso e direto impressionou os músicos, muitos deles veteranos acostumados a passar dias sobre uma única faixa.

Por mais genialidade e confiança que aparentasse, Lennon tinha graves receios após a semana inicial no estúdio. Achava que seu material e voz estavam enferrujados e abaixo do padrão. Nesse momento de vulnerabilidade, Yoko Ono revelou sua exigência por 50% das canções do novo disco. Enfurecido, Lennon explodiu: "Se é isso o que você quer, então não haverá um álbum". Passou os dois dias seguintes trancado em seu quarto, comunicando-se com a mulher apenas através de bilhetes passados debaixo da porta.

Jack Douglas havia previsto o que estava por vir semanas antes de John voltar. Em um encontro pré-produção, Yoko Ono lhe dera um monte de fitas com as músicas "dela" para o álbum. "Não diga nada ao John", instruiu. Gravar Yoko Ono foi uma dor de cabeça para Douglas. Para que ele conseguisse uma nota decente em cada sílaba que ela cantava, obrigou Yoko Ono a fazer tomadas intermináveis. E nunca ficou plenamente satisfeito com o resultado.
Em duas semanas John gravou 22 faixas, material para dois álbuns. Ele voltou a assumir uma posição mais relaxada, permitindo a si mesmo tragos liberais de uma garrafa de uísque escondida. O ex-vegetariano também descobriu os prazeres dos whoppers do Burger’s King e dos pedaços oleosos da pizza de Nova York. Quando Yoko Ono finalmente ia para casa, deixando-o para trás, ele enviava alguém em busca de cocaína e todos ficavam felizes.

A maior parte da gravação e mixagem de Double Fantasy estava completa na festa de aniversário conjunta de Sean e John Lennon, celebrada em 13 de outubro para coincidir com o lançamento, no dia seguinte, do primeiro single do álbum: “Starting Over”. O single imediatamente foi parar no topo das 20 mais da Billboard e o lado B, "Kiss, Kiss, Kiss", de Yoko Ono, foi bem recebido nas danceterias gays e clubes noturnos da cidade. Double Fantasy era saudado corno um evento no mundo da música. A manipulação experiente de Yoko Ono da mídia rendeu montes de publicidade gratuita. As agências de notícias estavam estalando com o conteúdo de itens inseridos por seus agentes de publicidade. Sem poupar despesas, ela contratou um esquadrão de aviões para escrever uma mensagem de parabéns para John e Sean no céu sobre o Central Park.

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