terça-feira, 15 de abril de 2014

"JOHN" - O LIVRO DE CYNTHIA LENNON

O que logo chama a atenção no livro “John”, escrito por Cynthia Lennon, lançado em dezembro de 2009, é o amargo prefácio de autoria do filho primogênito do casal, Julian Lennon. Em uma página e meia, ele tece sensíveis elogios à mãe e não é muito generoso com o pai: o mínimo que diz é que o grande astro do rock os deixava à mingua enquanto enriquecia. “Ela foi forte no momento em que ele se tornava rapidamente um dos homens mais ricos do seu ramo. Mamãe e eu tínhamos muito pouco e ela trabalhava para nos sustentar.” O filho é novamente duro com o pai ao afirmar que ele foi “um grande talento, um homem extraordinário que defendeu a paz e o amor no mundo. Porém, ao mesmo tempo, era-lhe difícil mostrar um pouco de paz e amor pela sua primeira família minha mãe e eu”. Esses trechos são um aperitivo para o que vem depois: uma história de amor, ciúme, compreensão, mas, ao mesmo tempo, de abandono, indiferença e até agressão física. A rigor, essa é a revelação mais pesada e inesperada sobre um homem que gravou na história a frase “Dêem uma chance à paz”. As inúmeras biografias publicadas sobre os Beatles e especificamente sobre Lennon, detalham que a ex-mulher e o filho foram negligenciados após a aparição de Yoko Ono, em 1968 ela se tornaria sua segunda mulher. Uma das queixas de Cynthia é de que em todas essas publicações ela foi sempre tratada como simples namoradinha sem importância na vida do ex-beatle e que só ganhou certa projeção porque engravidou do popstar no início do sucesso da banda. Lamenta ainda as insinuações da imprensa, inflada por Yoko Ono, de que sua gravidez fora uma forma de forçar o casamento. Em seu livro, ele tenta mostrar que não foi bem assim e conta a sua versão da vida que compartilhou com Lennon, a quem conhecera na Faculdade de Artes, em Liverpool, em 1958. Casaram-se poucos anos depois e a união se prolongaria por mais uma década, quando Lennon conheceu Yoko, se apaixonou e decidiu pela separação. A impressão que se tem ao ler a história de Cynthia é de que ela vivenciou ao lado de John Lennon os seus anos de formação musical, intelectual e de caráter, mas que o universo artístico e de interesses de ambos foi se transformando. E eles, que tanto se amaram, foram se distanciando à medida que Lennon se tornava famoso e se afastava da rotina provinciana da Liverpool dos anos 1960. Ela abandonara seus estudos de artes e se deprimia ao perceber que o marido era-lhe infiel. Somente aqui no nosso blog preferido, a gente confere agora um “trechinho” do final do livro de Cynthia. Boa leitura!
"Quanto ao dinheiro destinado a Julian, quando nada aconteceu depois de seis anos, a questão foi posta nas mãos de advogados. Levaria outros dez anos para que Yoko chegasse a um acordo — quando a questão já havia lhe rendido muitos comentários negativos na imprensa. Eu fiquei feliz pelo fato de que, nesse meio-tempo, Julian tivesse alcançado sucesso pelo seu próprio talento e ganhado seu próprio dinheiro. Ele nunca dependeu da herança deixada por seu pai, mas recebê-la era uma questão de honra. Nós esperávamos que os dois lados chegassem a um acordo a fim de que pudéssemos todos seguir em frente com nossas vidas. No dia 18 de maio de 1999, entretanto, Julian lançou Photograph Smile — seu primeiro álbum em vários anos. Ele investira muita atenção, energia e criatividade no disco, e estava merecidamente orgulhoso dele, chamando-o de seu primeiro álbum de verdade. Assim, Julian ficou arrasado ao descobrir que Sean — agora também músico — havia lançado um álbum no mesmo dia que ele. Julian nunca culpou Sean por isso, mas sabia que não podia ser mera coincidência ele e o irmão terem se colocado numa disputa tão aberta.
Para aumentar o sentimento de mágoa e raiva de Julian, depois disso Sean decidiu anunciar que achava que a morte de John fora parte de uma conspiração. Diante dessa declaração controversa, toda a imprensa quis falar com Julian sobre o que Sean dissera e o que ele pensava sobre isso. A última coisa que Julian queria era discutir a morte de seu pai, mas perguntas sobre isso ofuscaram qualquer interesse que seu álbum pudesse despertar. Tendo tentado por tanto tempo ir em frente com sua vida, Julian chegara ao limite. Ele deu uma série de entrevistas ressentidas condenando Yoko — a qual, estando certo ou errado, ele acreditava estar por trás da data de lançamento do álbum de Sean e de sua declaração sobre a morte de John. Em uma das entrevistas, Julian disse: “Yoko é muito insegura... Ela tem tudo o que sempre quis... Qualquer sucesso que eu tiver é uma maldição na vida dela, uma pedra no sapato, porque eu sou o sangue de John Lennon... Ela sempre tem que sair ganhando”.
Apesar desse começo turbulento, o álbum de Julian foi um sucesso mundial, tendo ficado entre os vinte primeiros lugares das paradas de sucesso em vários países e recebido críticas excelentes na imprensa de todo o mundo. Eu compreendia a frustração de Julian em relação a Yoko. Sempre me senti triste e frustrada por ele e eu nunca termos conseguido estabelecer um relacionamento melhor com ela. Eu sempre me perguntei se a dificuldade dela em aceitar Julian — e, na verdade, tudo o que dizia respeito à vida de John antes de ele tê-la conhecido — se devia, em parte, à perda de sua filha. Fiquei feliz ao saber que, já perto de completar 40 anos e àquela altura também mãe, Kyoko entrou em contato com Yoko e restabeleceu o relacionamento com ela. Eu espero que isso tenha lhe trazido alguma felicidade genuína. Outra reaparição surpreendente ocorreu alguns anos atrás: a da meia-irmã de John, Victoria — o bebé que Julia dera para adoção. Agora chamada Ingrid, ela anunciou quem era em um artigo de jornal. Ao que parece, ela sempre soube, mas manteve silêncio até a morte de sua mãe adotiva. Nós todos ficamos extremamente felizes ao saber que Ingrid havia tido uma infância feliz e quisemos conhecê-la. Infelizmente, no entanto, nunca tivemos essa oportu¬nidade, pois ela não queria ter um relacionamento próximo com a família de John. Julian deixou os Estados Unidos em meados da década de 1990 e passou um tempo viajando antes de se estabelecer na Europa. Nessa época, Jim e eu havíamos nos mudado para a Normandia, mas em 1999 nos separamos, depois de termos passado dezessete anos juntos. A separação me deixou arrasada. Telefonei para Julian, que viajou tarde da noite para vir ficar comigo. No Natal seguinte, ele deu a mim e à minha querida amiga Phyl — agora também separa¬da — um presente: uma viagem para Barbados, onde tomamos ba¬nho de sol, nadamos e nos divertimos muito. Foi em Barbados que conheci Noel Charles, ex-dono de casas noturnas e velho amigo de Julian. Seu espírito tranquilo e sua natureza sociável me encantaram. Além disso, ele não se sentiu nem um pouco impressionado com o meu nome: quando administrava casas noturnas, Noel convivera com celebridades e tivera uma vida movimentada e excitante. Nós nos tornamos bons amigos e, no fim das contas, nos apaixonamos. Foi assim que, no dia 7 de junho de 2002, fiz algo que havia prometido a mim mesma nunca fazer novamente: eu me casei — pela quarta e última vez. Atualmente, Julian mora na Europa com Lucy, sua companheira. Cozinha maravilhosamente bem e é sócio de alguns restaurantes. Quando tem vontade, ainda faz música. Ele tem uma coleção incrí¬vel de objetos do seu pai, os quais foram comprados em leilões ao longo dos anos e agora são cuidadosamente preservados. Nós nos vemos com frequência e eu tenho um orgulho enorme dele — mais ainda da pessoa que é do que das coisas que já fez. Em abril de 2003, ele fez 40 anos. Nós dois não pudemos deixar de pensar que ele havia chegado à idade em que John morrera. Por um momento, Julian lutou contra o medo — como acontece a muitos daqueles cujos pais morreram de forma prematura — de que sua própria hora houvesse chegado. Sempre notavelmente generoso, ele convidou a mim e a Noel, além de alguns amigos do passado e do presente, para celebrarmos seu aniversário numa festa de duas semanas em Barbados. Cercado por pessoas que o amam, ele percebeu que com certeza sua hora não chegara. Ele ainda tem muito para viver, e sua vida aos 40 era muito diferente da de John. Nenhum de nós dois nunca escapará do nome Lennon, e hou¬ve momentos em que tivemos a sensação de que ele era um fardo pendurado em nosso pescoço. Porém, sobrevivemos aos tempos di¬fíceis e aprendemos a agradecer por tudo o que ele nos trouxe — de bom e de ruim. Nós dois sentimos falta de John, mesmo depois de todo esse tempo, e de várias formas. Conservei muitas das amizades que John e eu fizemos na épo¬ca de Liverpool, e chorei a morte de outras. Maureen, ex-esposa de Ringo e amiga querida até o fim, morreu de leucemia quando tinha apenas 45 anos. Fazia somente alguns anos que nós havíamos ido ao seu casamento com Isaac Tigrett, dono do Hard Rock Café. Tanto Isaac quanto Ringo estavam ao seu lado na hora de sua morte, jun¬tamente com os três filhos que ela teve com Ringo e com Alexandra — a filha que ela tivera com Isaac. Também fiquei terrivelmente triste quando li sobre a morte de George Harrison de câncer aos 58 anos. Havia muitos anos que eu não o via, mas tenho memórias carinhosas dele e sempre serei grata pelo despertar espiritual ao qual ele estimulou a todos nós naque¬les dias de paz e amor. Eu me sinto triste quando me lembro das pessoas que conhecemos no auge dos Beatles e que se foram — e também é uma fonte de enorme prazer saber que outros velhos amigos vão de vento em popa. Ainda vejo Cilla (Black), e nós nos divertimos nos lembrando dos velhos tempos. Não faz muito, voltei para Liverpool quando os curadores da Beatles Story — a exposição permanente da cidade sobre a banda — compraram todas as ilustrações que eu havia desenhado dos rapazes no início de sua carreira. Para comemorar, fizemos uma festa em um restaurante nas docas de Liverpool — foi como voltar no tempo. Estavam presentes amigos como Helen Anderson, da época da faculdade, Pete Best, com uma aparência ótima, seu irmão mais velho Roag, a irmã de John, Julia, e minha querida Phyl. Nós conversamos, contamos histórias e passamos a noite rindo. Enquanto o vinho e as memórias fluíam, eu não pude evitar um momento de tristeza ao pensar que John fizera parte daquele grupo e amara a todos tanto quanto eu. Tenho certeza de que ele teria adorado a festa. Eu me perguntei o que ele teria pensado quando seus velhos amigos Paul, Mick e Elton receberam o título de Sir. É claro que John provavelmente teria recebido a oferta para ganhá-lo também, mesmo tendo devolvido seu MBE. Teria John ridicularizado a oferta e recusado, ou teria ele sido sentimental e patriótico o bastante para aceitá-la? Eu aposto na segunda possibilidade. John podia ser incrivelmente sentimental. Uma vez, ele disse a Julia que queria retornar a Liverpool, navegar pelo Mersey e rever todas as pessoas que havia deixado para trás. Além disso, pouco antes de morrer, pedira a Mimi que lhe mandasse todas as fotos antigas, roupinhas e outras lembranças de sua infância que pudesse encontrar, a fim de que ele se cercasse delas. Em outro momento de sentimentalismo, mas talvez também de carinho e amor, John disse a Julian: “Se alguma coisa acontecer comigo, procure por uma pena branca no céu, e você saberá que eu estarei lá olhando por você”. Ele foi um homem extraordinário: talentoso, imperfeito, um gênio criativo que cantava de forma emocionante sobre o amor en¬quanto, por outro lado, frequentemente feria aqueles que mais o amavam. Nunca deixei de amar John, mas o preço desse amor tem sido enorme. Alguém me perguntou recentemente se, caso soubesse desde o início o que me esperava, eu teria passado por tudo o que passei. Eu tive que responder: "Não". É claro que nunca me arrependerei de haver tido o filho maravilhoso que tenho, mas a verdade é que, se eu tivesse sabido naquele momento da minha adolescência as consequências que me apaixonar por John Lennon me traria, eu teria dado meia-volta e me afastado dele para sempre."
Para terminar com chave de ouro, a gente confere agora uma faixa do álbum de Julian “Photograph Smile” de 1999 – o sucesso “I Don’t Wanna Know” – “Eu não quero nem saber” – cheio de referências aos Beatles. Abração em todos! Deixem seus comentários!

2 comentários:

Fábio Simão disse...

Edu,

Li este livro no ano passado e considero que ele, junto com o livro da Julia (irmã de John) traçam uma personalidade mais humana e perto do real do que foi John. Não apenas o ídolo e mito que conhecemos.

Recomendo a todos os interessados, que façam a leitura de ambos os livros para entender um pouquinho mais do universo deste gênio ( que também era humano).

Abraços!

João Carlos disse...

Exatamente Edu! Exatamente!