segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O DIA QUE RINGO DEIXOU OS BEATLES


No dia 4 de setembro de 1968, Ringo retornou aos Beatles depois de duas semanas, quando ele finalmente encheu o saco e mandou os outros às favas. Aqui, no nosso blog preferido, a gente confere o capítulo sobre esse episódio, do livro de Paolo Hewitt "LOVE ME DO - 50 momentos marcantes dos Beatles", de 2012.

Anos mais tarde, John e Paul discutiriam a respeito de quem foi o primeiro a deixar a banda e destruir a Beatlelândia, cada um reivindicando ser o autor da proeza, mas na verdade ambos estavam errados. Ringo Starr foi o primeiro a deixar os Beatles. Em 22 de agosto de 1968, ele saiu do estúdio Abbey Road e se mandou para o iate de Peter Sellers no Mediterrâneo. O despreocupado Ringo seria o primeiro a botar a boca no trombone sobre o clima amargo e angustiante das sessões de gravação de The White Ál­bum (Álbum Branco).
Foi culpa de John — para começar a dissolu­ção da gangue, ele sabia que seria necessá­rio meter o pé na porta. Obviamente, não bastou aparecer nu com Yoko na capa do LP Unfinished Music N. 1: Two Virgins. Então era hora de destruir a regra essencial da banda e, depois de ela ser esmigalhada, as coisas passariam do prumo. E foi isso mesmo o que aconteceu. John entrou no estúdio de braço dado com Yoko e agiu como se nada estivesse errado. Nas sessões de gravação dos Beatles, pessoas de fora não eram permitidas. Era a gangue e nada além da gangue no estúdio. Em seu belo livro de memórias, An Affctionate Punch (1986), Justin de Villeneuve, empresário de Twiggy, descreve o dia em que foi visitar os Beatles a negócios em Abbey Road e os encontrou fazendo uma pausa. Na época, ele se considerava amigo de Paul, George e Ringo, mas, quando eles estavam juntos, era como se uma parede de vidro os separasse das outras pessoas. “O Paul, meu amigo, me deu um gelo total”, contou Ville­neuve. “O Ringo virou a cara, o George ficou me encarando [...]. Depois de dez minutos falando com as paredes, eu fui embora chamando-os de “bando de caipiras do caralho...”. Sempre que eles gravavam, a barreira invisível aparecia, e Justin não foi o primeiro a perceber isso, como provam outros livros e relatos a respeito dos Beatles. John agora havia destruído essa barreira ao trazer Yoko, que sentou ao seu lado, deu risadinhas, sussurrou ao ouvido dele, e depois — inacredi­tavelmente — passou a dar opiniões sobre as músicas, como se fosse integrante da banda. Os outros três Beatles ficaram atordoa­dos, confusos e com raiva. Paul revidou, pri­meiro trazendo sua namorada de então, a norte-americana Francie Schwartz, e a seguir a futura esposa, Linda Eastman. Brigas estou­ravam diariamente. Observações sarcásticas voavam por todos os lados do Estúdio Dois
Pouco ajudou o fato de o grupo ter cer­ca de trinta canções para serem trabalha­das. E a gravação de algumas delas, se não de todas, levou a banda à loucura. “Ob-La-Di Ob-La-Da” nunca será conhecida como a me­lhor obra de McCartney, mas a sucessão de horas para gravá-la deixou a banda totalmen­te atordoada. Com John e Yoko dando risadi­nhas feito dois adolescentes excitados na maioria das sessões, a persona de professor de Paul aflorou, criticando George e Ringo — mas nunca John — ao dar suas instruções. A frustração de Ringo era agravada pe­lo fato de invariavelmente ser o primeiro a chegar a Abbey Road. E ele tomava um chá de cadeira até os outros fInalmente darem o ar da graça. Além disso, Ringo ficava lá sen­tado, aguentando as discussões e maledicên­cias até o trabalho finalmente começar, sem­pre num clima ruim. Nessa hora, ninguém pensava em falar “All you need is love” (“O amor é tudo de que você precisa”). No dia 22 de agosto, Ringo errou um ritmo na baterIa e McCartney começou a dar sermão; de repen­te, a raiva tomou conta do baterista. Ringo simplesmente não aguentava mais. Beatles ou não Beatles, pela primeira vez na vida aquilo não tinha mais importância. Ele saiu fumegando de Abbey Road.
De certa forma, o trabalho de Ringo nos Beatles sempre foi um tanto ofuscado por uma afirmativa impertinente e arrogante de John Lennon. Quando perguntaram se ele considerava Ringo Starr o melhor baterista do mundo, Lennon respondeu: “Ele nem se­quer é o melhor baterista dos Beatles”. Detra­tores de Starr têm utilizado essa frase con­tra ele desde então, sem questionar por que dois dos maiores compositores do século teriam empregado um baterista meia-boca du­rante anos para ajudar na concretização de suas músicas. É claro que não era nada disso. “Rain”, “Tomorrow Never Knows” ou “Come Together" são tudo que precisa ser mencio­nado em qualquer debate a respeito da habi­lidade de Ringo. “Até Abbey Road”, Paul afirmaria mais tarde, “nunca tivemos um solo de bateria no repertório dos Beatles, por isso outros bateristas diziam que, apesar de gostarem de seu estilo, Ringo não era um baterista muito bom tecnicamente. Foi uma coisa meio condes­cendente, e acho que deixamos isso ir longe demais”.

Ringo era o sorriso dos Beatles, o som de gargalhada da gangue. O único elemento que carregava uma vulnerabilidade despre­tensiosa, e isso o tornava adorável. Ringo era o cara comum. Ele representava a ideia de que coisas boas realmente acontecem a pes­soas boas, e essa constatação alegrava os co­rações de toda a Grã-Bretanha. Além disso, ele não era apenas um baterista, mas o me­lhor ator da banda (John vinha logo na se­gunda posição), e era ele quem os produto­res procuravam. Em 1968, ele tirou folga da banda para participar da quase chanchada Candy. Foi um horror completo e ele nunca devia ter acei­tado, mas o baterista foi pago pela atuação e teve seu nome exibido ao lado do de Marlon Brando, Richard Burton e Walter Matthau. No ano seguinte, ele estrelou outro fil­me, Um Beatle no paraíso, que também não lhe acrescentou muito, mas dessa vez seu nome foi visto ao lado do de Peter Sellers, Spike Milligan, Richard Attenborough, John Cleese, Laurence Harvey, Christopher Lee, Roman Polanski, Raquel Welch, Hattie Jacques, Graham Chapman, Yul Brynner e Harry Carpenter. Ringo não passou vergonha em nenhum dos dois filmes — nada mau para quem não fez aula de teatro. À época de Candy, o bate­rista se tornara ainda mais bem-visto pelo público britânico ao aparecer no especial de televisão Cilla, transmitido em fevereiro de 1968.0 programa mostrava Ringo cantando e se divertindo em sequências de sapateado e ventriloquia.
Seis meses depois, ele estava fora da banda e se espreguiçando no iate de Peter Sellers com a família. Foi então que o bate­rista terminou sua primeira composição a ser executada pelo grupo (embora também tenha sido coautor de “What Goes On”, em Rubber Soul). Convenientemente, dados os eventos da semana anterior, ela se chamava “Don’t Pass Me By” (“Não me ignore”). No dia 4 de setembro de 1968, quando Ringo voltou à banda e entrou no estúdio Abbey Road, levemente nervoso por encontrar os amigos que xingara até não poder mais, sua bateria estava coberta de flo­res e havia uma faixa com os dizeres “Bem-vindo ao lar, Ringo” pendurada no teto. En­tão ele sorriu, depois gargalhou, e assim os Beatles ainda seguiram adiante.

3 comentários:

João Eiras disse...

Aquela frase "Ringo não é nem o melhor baterista dos Beatles" nunca foi dita pelo John. Quem disse isso foi Jasper Carrott em 1983 num Pub em NY - comprovado pela BBC.
Não entendo como tem gente que realmente acha que o John diria algo do tipo pro Ringão. Eles eram amigões <3
Otima postagem! =)

Edu disse...

Também acho que não disse. No site The Beatles Bible, existe uma grande discussão sobre isso...
https://www.beatlesbible.com/forum/john-lennon/ringo-isnt-even-the-best-drummer-in-the-band/

Dani disse...

Ele sempre pareceu tão calmo, tranquilo, para ter perdido a paciência assim, é porque o clima devia estar bem pesado mesmo...