quarta-feira, 18 de maio de 2016

GEORGE HARRISON - ALL THINGS MUST PASS

Em outubro de 1979, eu estava com 17 anos. Quase 1 ano havia se passado desde que cometi o maior roubo da minha vida - o álbum triplo “Wings Over America” na Sears do Conjunto Nacional e agora já me sentia novamente seguro para voltar lá no shopping para conferir as novidades do mundo Beatle. Minha Beatlemania nessa época era incontrolável e sonhava dormindo e acordado com discões que só ouvia falar. Quando entrei na Discodil, minha loja preferida (que ainda existe até hoje), tocava uma música que me deixou louco pelo seu balanço e pelo contagiante riff de guitarra. Eu não conhecia, mas a voz era inconfundível para mim. Ao perguntar ao vendedor que música era aquela, ele me mostrou uma coisa que me deixou de boca aberta. Era o álbum triplo All Things Must Pass, de George Harrison e a música que me entorpeceu era What Is Life. Ele (o vendedor) disse que havia chegado naquele dia e somente 5 unidades. Depois de passar horas namorando com o bichão na cabine, fui embora triste e desolado. Quando eu teria o meu? Chorei, pedi e implorei alguma ajuda de todos que conhecia, pai, mãe, irmãos, tios, avós, everybody! Uns três dias depois estava com a grana e voltei para pegar o que era meu. Era um sábado. No domingo saiu a resenha sobre o álbum na coluna que o “Brother” escrevia no Correio Braziliense. O “Brother” era o apelido do amigo João José Miguel, que morava na minha quadra e era famoso por ter mais de 2 mil discos e ter uma coluna semanal no jornal. Carinhosamente recortei a matéria e desde então, ela vive guardada dentro da minha caixona do All Things. Tantos e tantos anos depois, agora, na sessão “Tesouros do Fundo do Baú”, a gente confere o que o “brother” falou. Muita coisa se passou, meu All Things Must Pass não! What is life...
Habituado a encontrar nas lojas apenas a submúsica pop produzida nos decadentes anos setenta, o público brasileiro volta agora a ter ao seu alcance uma das obras primas do rock: o álbum-triplo "All Things Must Pass", de George Harrison.
GEORGE HARRISON
Toda a magia dos Beatles num marco da música pop

JOÃO JOSÉ MIGUEL 

Há muito fora de catálogo, volta agora às lojas brasileiras, através da Apple/Odeon, o mais surpreen­dente disco já produzido por um ex - Beatle: o álbum - triplo All Things Must Pass, de George Harrison. Afinal, por mais que se respeitasse o trabalho do guitarrista no contexto do grupo, nunca seria possível imaginar que, de um momento para outro, ele fosse explodir criativamente a ponto de colocar em disco de uma só vez tantas canções perfeitamenle equilibradas. A única explicação para o mis­tério - e o próprio Harrison já tocou no assunto diversas vezes - está no fato de John Lennon e Paul McCartney desempenharem nos Beatles um comando nada chegado à de­mocracia. Assim, enquanto suas músicas fechavam os Lps do quar­teto quase de ponta a ponta, as de Harrison apenas vez por outra en­contravam uma vaga. Quando a era dos Beatles chegou ao fim, Harrison não resistiu e logo no ano seguinte lançava então 14 músicas de uma só tocada. Garan­tindo a força comercial do álbum, surgia “My Sweet Lord” uma das mais belas baladas da história do pop e que valeria ao compositor um processo de plágio em 76, por sua semelhança com “He’s so fine”, gravada na década de cinquenta por The Chiffons.All Things Must Pass não foi o primeiro trabalho individual de Harrison, que em 67, já profun­damente envolvido com música oriental, escreveria a trilha sonora para o filme psicodélico Wonderwall. Pouco antes de deixar os Beatles, através do selo Zapple, dedicado à música experimental, lançaria Eletronic Sounds, obra onde curtia as as ^possibilidades' criativas geradas pela moderna tecnologia sonora. Entretanto, foi apenas no álbum - triplo que o George Harrison das canções pôde mostrar toda sua criatividade. E se esta não resistiria, por muito tempo, pois embora o Lp seguinte, Living In the Material World mantivesse um nivel invejável de qualidade, os seguintes seriam uma sucessão de decepções, as músicas que reunia já eram mais do que suficientes para deixarem o nome do guitarrista firmemente impresso na história do som pop pós-Beatles. Claro que para realizar uma obra do porte de All Things Must Pass George contou com apoio de um time técnico/instrumental de fazer inveja a qualquer superastro. A produção, impecável sob todos os pontos de vista, ficou a cargo do próprio compositor, em colaboração com o experiente Phill Spector. Na engenharia de som, destacava-se Ken Scott, hoje reconhecido como um dos mais competentes a atuarem na cena roqueira. E na relação dos músicos torna-se uma autêntica constelação: na bateria surgem Ringo Starr, Jim Gordon e Al White; no baixo Klaus Voormann e Carl Radle; os teclados reúnem Gary Brooker, Gary Wright, Billy Preston e Bobby Whitlock, enquanto que nada menos que Eric Clapton e Dave Mason, alêm do próprio Harrison aparecem nas guitarras. No pedal Steel guitar - que desempenha papel fundamental na belíssima n “Behind That Locked Door” - surge um mestre, Pete Drake. E Bobby Keys e Jim Price atacam, tespectivamente, de sax tenor e trumpete. Os quatro primeiros lados de All Things Must Pass registram também o que de melhor Harrison aproveitou de seu contato com a filosofia oriental - ele esteve muito ligado ao Hare Krishna, tendo inclusive se produzido um ótimo Lp com os membros do templo londrino da seita. Poeta inspirado, não conseguiria contudo evitar de cair em repetições ingênuas das máximas hinduistas na maioria de seus Lps seguintes. Mas neste disco, “What Is Life”, "Run For the Mill”, “Beware of Darkness”, “Awaiting On You All”, “Art of Dying” ou a pro­priamente dita “All Things Must Pass” se impõem como exemplos da melhor fusão realizada entre música ocidental e poesia orientalista que o pop já produziu. E se as letras, com poucas ex­ceções, se concentravam neste território místico, já os titmos tra­çavam um amplo aspecto do pop-rock. Arranjos criados a partir de uma sensibilidade notável - o que mais impressiona ao longo destes quatro lados é a exatidão com que se completam o instrumental e as palavras, pois à naturalidade flui como marca maior de todas as faixas. Não seria arriscado afirmar que All Things Must Pass se situa entre as melhores obras já pro­duzidas pela música pop em todos os tempos. As baladas, em que Harrison é um super-especialista, dominam obviamente o disco. “Isn’t a Pity”, “I’d Have You Anytime”, “Beware of Darkness” ou “All Things Must Pass” garantem com tranquilidade esta ala da criação do guitarrista. Con­tudo quando o papo é rock, a com­petência não se mostra menor. “Awaiting On You All”, “I Dig Love” e “Let It Down” são balanços de al­ta energia e “Wah wah”, contra­pondo o desempenho dos metais ao das guitarras de Clapton e Harrison supera quaisquer previsões em relação à explosão tipicamente roqueira. De quebra, a inclusão de toques country, em “If Not For You”, de Bob Dylan (numa versão mais brilhante do que a do próprio autor) e em “Behind That Llocked Door” ofe­recem um tempero muito especial a este álbum-triplo. Os lados cinco e seis já são outra história. Subintilulados “Apple Jam”, eles registram as improvi­sações dos músicos em estúdio, cur­tindo descontraidamente nos inter­valos da gravação das outras can­ções. Rock’n’roll no sentido mais tradicional da palavra é o que ocupa faixas de até 13 minutos (“Out of the blue”), onde cada um dos ins­trumentistas acaba mostrando todo seu potencial. As intervenções de Clapton, Bobby Keys e Bobby Whitlock, principalmente, valem como reais lições de consequentes brincadeiras roqueiras na área da livre criação e traçam um sadio con­traste com as buriladissimas can­ções que dominam o restante do ál­bum. Desta maneira, embora conte já com quase dez anos de idade, Awaiting On You All é hoje uma pedida muito mais importante e agradável, em termos de música pop, do que a maioria absoluta dos novos lançamentos­. O que só vem a sublinhar o estado de coma em que já há alguns anos vive o universo roqueiro.

 

5 comentários:

Edu disse...

Pelo menos dessa vez eu comprei...rsrs...

Edu disse...

Faltou o brother falar das participações de Pete Ham e Tom Evans do Badfinger. Tudo bem, é compreensível...

Valdir Junior disse...

Legal essa sua estória com o disco Edu. acho que todos nós temos uma memoria afetiva com cada disco que compramos. A Resenha do jornal também está bem legal, numa época que as informações por aqui eram rasas, o texto trás bastante delas.

João Carlos disse...

Exatamente. Em 79 eu comprei o meu aqui. Mas, tinha amigos que tinham desde 71 e sempre tomava emprestado.

Marcelennon disse...

Emocionante do início ao fim... Um álbum que me faz lembrar o Rubber Soul, o Revolver, o Abbey Road, o Imagine, o Plástico Ono Band e o Band on the Run: é perfeito... da primeira à última canção... Disco de cabeceira! ETERNO!