quarta-feira, 29 de agosto de 2018

29/08/1966 - CANDLESTICK PARK - O ÚLTIMO SHOW DOS BEATLES


29 de agosto de 1966. Às 21h27, John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison subiram ao palco para o último concerto dos Beatles para um público pagante. Foram 28 minutos de show para 22 mil pessoas no estádio Candlestick Park, em São Francisco, Califórnia. Logo depois, Lennon fez o seguinte comentário sobre a beatlemania: “Em nossa última turnê, nos traziam cegos, aleijados e crianças disformes em nossos quartos. E a mãe da criança dizia: ‘vamos, dê-lhe um beijo, possivelmente isto lhe trará a visão de volta’. Não somos cruéis. Porém, quando uma mãe gritava: ‘somente toque nele, que possivelmente ele volte a andar’, queríamos correr, chorar, esvaziar os nossos bolsos”.Resultado de imagem para john lennon Candlestick Park 1966
Embora todas as filmagens e gravações sejam péssimas, naquela noite, no Candlestick Park, tocaram bem, nada excepcional, para aquele seria o último de sua trajetória. Era o fim da terceira (última) e conturbada turnê americana, com os Beatles cansados da histeria e das ameaças. Depois do episódio das Filipinas, da polêmica sobre Jesus e da queima de discos, não dava mais, a coisa tinha chegado no limite. Quando tocaram no Shea Stadium (Nova York) um ano antes, no dia 15 de agosto de 1965, tocaram para um público absurdamente imenso para a época: 55.600 fãs enlouquecidos. Um ano depois, em 23 de agosto de 1966, quando pisaram no palco do mesmo Shea pela segunda vez, a plateia era bem menor: 44.000 fãs, mas ainda enlouquecidos. Os jovens fãs americanos de 1966 já não eram os mesmos de um ano antes, mas ainda queriam, e ainda precisavam deles. Esses números, ainda apesar de grandes, já demostravam um cansaço. Seis dias depois, os Beatles subiriam no palco armado no estádio Candlestick Park, para tocar, para uma público pagante pela útilma vez. Haviam 22 mil pessoas lá. Brian Epstein não era uma delas, nem sequer estava em São Francisco, ainda  estava em LA. O show foi gravado por Tony Barrow, a pedido de PaulOs Beatles tocaram 11 músicas nessa ordem: Rock And Roll Music; She's A Woman; If I Needed Someone; Day Tripper; Baby's In Black; I Feel Fine; Yesterday; I Wanna Be Your Man; Nowhere Man; Paperback Writer e encerraram com Long Tall Sally. Quando terminou, eles retornaram para Beverly Hills e, durante o vôo, George virou-se para Tony Barrow e disse: “É isso aí. Não sou mais um Beatle”. No dia 30 voaram para Nova York e de lá para Londres. Para alívio das fãs, os Beatles desembarcaram sãos e salvos daquela que foi a última e a mais conturbada turnê de suas carreiras.
Ninguém sabia o que viria depois daquilo, mas estavam fartos de aviões, hotéis, e toda a loucura por onde passavam. De volta à Londres, cada Beatle foi cuidar de sua própria vida. Paul faria a trilha de The Family Way e John iria pra guerra no filme How I Won The War de Richard Lester. Estavam felizes por sentirem-se "livres" pela primeira vez em tantos anos. Só uma pessoa não estava feliz: Brian Epstein, que tinha dedicado sua vida aos Beatles e a organização das turnês. Brian percebeu que precisava muito mais dos Beatles do que eles dele. Um anos depois, em agosto de 1967, Brian morreria de overdose de drogas antidepressivas. Os Beatles não deixaram apenas crescer bigodes, barbas e cabelos. Eles cresceram! Afinal, foi a partir dali, que começaram, de fato, a mudar o mundo. Desta vez, a gente pode conferir aqui, um trecho inédito do sensacional livro "Beatles 1966" de Steve Turner. Imperdível!
O show no Dodger Stadium em LA no dia 28 ilustrou os problemas que eles começaram a encarar quando se apresentavam. A equipe de segurança contratada para proteger o grupo, a US Guards Co., se esforçava ao máximo para protegê-los dos fãs vorazes. Por volta de 7 mil dos 45 mil presentes atravessaram a cerca que os separava do palco e tenta­ram invadí-lo quando o show acabou. Os Beatles precisaram ser levados para uma sala segura no estádio até que a multidão fosse controlada, em seguida foram levados às pressas num carro blindado. Mais de cem fas descobriram a localização do condomínio onde os Beades estavam hos­pedados, e a polícia teve que ir até lá para dispersá-los. Ficou claro para todos os envolvidos que os Beatles não podiam mais se apresentar naquelas circunstâncias. Não era apenas perigoso do ponto de vista físico, artisticamente também não era satisfatório. Os quatro não eram mais o grupo que garotas adolescentes imaginavam quando gri­tavam e juravam devoção eterna. Ivor Davis, chefe da agência de Nova York do londrino Daily Express, tinha acompanhado a turnê inteira e, no dia 27 de agosto, publicou uma matéria intitulada “Seria Este o Fim da Saga dos Beatles?” Ele citou George, que teria dito: “Em algumas noites, estou em pé diante do microfone abrindo a boca e nem sequer tenho certeza de que alguma coisa está saindo”. Paul lhe disse: “Quando come­çamos no Cavern, as pessoas escutavam, e conseguimos evoluir, crescer, criar. Mas, quando a gritaria começou, a primeira baixa foi o humor que colocávamos nas apresentações. Agora está claro que somos prisioneiros, porque 50 por cento da apresentação é tomada pela histeria”. Não eram apenas os Beatles que sentiam a pressão. Por mais que adorasse a parte das turnês da carreira dos Beatles, Brian Epstein es­tava achando difícil manter o controle, conforme tudo crescia e era tomado por problemas sem precedentes. Ele buscava alívio nas drogas e em relações casuais (em geral) com homens jovens altamente ina­dequados, que quase sempre se aproveitavam dele tanto física quanto financeiramente. Quando estava em Los Angeles, ele recebeu a visita de “Diz” Gillespie, um aspirante a ator de Ohio com quem ele tinha se relacionado na turnê dos Estados Unidos de 1964. Depois ele o levou para a Inglaterra, onde se tornaria empresário do jovem. Houve uma dramática desaven­ça em Londres em 1965 envolvendo ameaças, chantagem e violência. Gillespie o procurou de novo, dizendo que tinha mudado. O crédu­lo Epstein acreditou e o convidou para um almoço com Nat Weiss no Beverly Hills Hotel. Depois que Gillespie saiu da mesa ao término da refeição, Epstein percebeu que tanto a sua maleta de documentos quanto a de Weiss tinham desaparecido. Epstein entrou em pânico. Entre seus documentos, havia contratos, cartas, barbitúricos, fotos íntimas e 20 mil dólares em dinheiro. Havia o suficiente para destruí-lo se fossem encontrados pela polícia ou entre­gues a um jornal. Gillespie sabia exatamente quais eram os medos que passavam pela cabeça de Epstein. Ele abordou Weiss e exigiu dinheiro em troca das maletas. Ciente de que ele podia envolver o Departamento de Polícia de Los Angeles, Weiss contratou um detetive particular, que conseguiu armar uma cilada para o mensageiro de Gillespie no local da troca atrás da Union Station e recuperar a pasta (menos as drogas, as fotos, as cartas e 8 mil dólares em dinheiro) e devolvê-la ao dono. Epstein se sentiu humilhado. Tempos depois, Weiss disse que aquele foi o início de uma depressão séria que criaria as circunstâncias que levariam à sua morte. O incidente com a maleta foi o motivo pelo qual Epstein não estava presente no último show da turnê em San Francisco, a cidade que, para os interessados nas reviravoltas da cultura jovem, competia, naquele mo­mento, com Londres como o lugar mais badalado para se estar. O show de 29 de agosto aconteceu no estádio de beisebol Candlestick Park e ficou famoso por ter sido o último show dos Beatles, mas ninguém, nem o grupo nem o público, sabia disso na época. Por volta de um quarto dos 32 mil lugares disponíveis não foram vendidos; os organizadores, a Tempo Productions Inc., perderam dinheiro, pois tinham garantido aos Beatles um cachê de 50 mil dólares e um vento frio estava soprando na Baía de San Francisco. Excepcionalmente, Paul pediu a Tony Barrow para gravar o som com um gravador manual.
No backstage (o vestiário do time visitante convertido era camarim), eles receberam a visita de Joan Baez e de sua irmã, Mimi Farina (que tinha perdido o marido, o romancista, poeta, compositor e performer Richard Farina, morto num acidente de moto quatro meses antes), e ficaram umtempo conversando com Ralph Gleason, um influente crítico cultural que colaborava com o San Francisco Chronicle e fundaria a revista Rolling Stone em novembro de 1967 com o muito mais jovem Jann Wenner. A reportagem da UPI sobre o show se concentrou no quanto os Beatles iam ganhar por minuto num show de meia hora e no comportamento dos fãs que eram controlados por 200 seguranças. Ela não fazia menção alguma à música. O artigo concluía: “Depois da apresentação, os Beatles pularam num carro blindado que os aguardava e foram levados do cam­po antes que qualquer pessoa conseguisse se aproximar deles”. Tony Barrow me disse: “Foi provavelmente um dos shows mais me­dianos e comuns que os Beatles já fizeram. Durou 30 minutos e, musicalmentc, estava longe de ser o melhor. Era o fim de uma turnê muito cansativa”. A última música tocada foi “Long Tall Sally”, composição de Little Richard de 1956 que estava no repertório dos Beatles desde a sua for­mação. Era sempre um destaque da apresentação para Paul. Depois que os últimos acordes morreram, John desejou boa noite para a multidão e completou: “Nos vemos de novo no ano que vem”. Eles voltaram para LA num avião fretado da American Airlines. Depois do embarque, e de atingirem a altitude de cruzeiro, George virou para Tony Barrow e anun­ciou: “Chega. Não sou mais um beatle”. Mais tarde ele explicou o que quis dizer. “A gente sabia - chega. Não vamos mais fazer isso. Já fizemos uns 1.400 shows, e eu tive a certeza de que não íamos mais fazer aquilo”. John estava sentado ao fundo do avião quando Art Unger se aproxi­mou com uma cópia do controverso exemplar da Datebook e pediu um autógrafo. “É para você ou para a revista?”, perguntou John. Unger res­pondeu que era para seu álbum de recortes pessoal. John pegou uma caneta e escreveu: “Para Art, com amor, John C. Lennon”. “O ‘C’”, disse ele, “é de Cristo”. Ao resenhar o show no San Francisco Chronicle (em 31 de agosto de 1966), Ralph Gleason concluiu com o presciente comentário: “Aquilo vale a pena? Como espetáculo, desperta interesse sociológico, é claro. Como performance, é, como diz John Lennon, um espetáculo de mario­netes. Dificilmente vai continuar sendo atraente para quatro seres huma­nos tão racionais, inteligentes e talentosos”.

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