terça-feira, 7 de dezembro de 2010

YOKO ONO - A VIDA SEM JOHN LENNON

Matéria publicada na revista Manchete de janeiro de 1981

Depois do choque causado pelo assassinato de John Lennon, seus fãs, durante dias se reuniram diante do Edifício Dakota, em Nova Iorque, onde ele morava e diante do qual foi morto, para tocar a sua música em seus rádios e gravadores. O som da voz de seu marido continuou a vibrar aos ouvidos de Yoko Ono, como se fosse uma mensagem fantasmagórica, com ele, bem que ela gostaria de permanecer ainda ouvindo, desperta, as canções que John lhe dedicou, entre as quais a que dizia: “Mesmo depois de todos estes anos. Sinto a tua falta quando não estás aqui. Antes que estivesses, querida Yoko, Oh, Yoko, Nunca mais eu te deixarei partir...”.
A princípio, ela se mostrou forte, muito mais forte do que os amigos e os fãs de John Lennon, que a procuravam pra lhe dizer palavras de consolo. Mas agora, mais de um mês depois da tragédia, todas esssas pessoas se foram e a música que se ouvia na rua cessou. Yoko foi deixada sozinha, em face de um silêncio dramático. Embora nem ela nem John Lennon se declarassem cristãos, eles consideravam o período do Natal ao dia de Reis como o mais propício às reuniões de família e ao exercício da caridade. Por isso mesmo, esse período de festas foi particularmente duro para ela. Yoko Ono escreveu uma mensagem natalina ao pessoal que trabalha no condomínio do Edifício Dakota, falando no “repentino trauma” que sofrera e acrescentando: “Estou profundamente grata às expressões de genuíno pesar e apoio, nestes dias de provação para mim e minha família, e apesar de tudo desejo a vocês felizes festas.”

Mas a fortaleza excepcional de que deu provas no momento da tragédia começou a ruir. Agora, ela passa os dias chorando. Alguns desses dias lhe parecem simplesmente insuportáveis. Quase não conseguiu ter um minuto de repouso no primeiro mês que se seguiu ao crime de 8 de dezembro de 1980. E nem por uma vez se aventurou a sair do Edifício Dakota, convertido numa espécie de praça-forte. Sua vida é uma mistura de extraordinários privilégios e de intenso sofrimento.
A perda de seu marido foi o mais severo teste até hoje pela formidável força de vontade de Yoko Ono. Para o mundo exterior, muitas vezes ela tem dado a impressão de ser fria e arrogante. Mas, quando o casal, depois de cinco anos de quase completa reclusão, começou a voltar à tona e a recolocar-se sob o foco da publicidade, tornou-se bem claro que Yoko – cuja carreira artística sempre foi orientada para agradar à elite dos happy few – escolhera como ter a sua platéia apenas uma pessoa, um único admirador – o próprio John Lennon. Ela exprimiu isso nos versos de uma canção: “Sim, eu sou o teu anjo, Dar-te-ei tudo. O que esteja em meu poder mágico. É só fazeres um pedido, E teu desejo será realizado.”

Enquanto John cuidava desveladamente do filho que tiveram, Sean, foi ela quem passou a cuidar de seus maciços negócios financeiros, com os quais ele detesta se envolver. O que John a princípio procurava na associação com os Beatles, com o Maharishi, na terapia primal e mesmo nas drogas, finalmente encontrou em seu próprio lar, numa pequena mulher “que me encarava face a face”, como ele próprio disse: “Yoko me ensinou tudo o que sei.” Mesmos as mais breves separações que os afastavam dela lhe pareciam fisicamente dolorosas. Quando ela voltava de uma reunião de negócios, em que ela o representara, ele se apressava a dizer: “Ah!, ainda bem que você voltou, meu amor. Matou muitos dragões hoje, minha querida?” A resposta dela era sempre uma pequena gargalhada, um sorriso cheio de ternura. Yoko se recorda constantemente de tais momentos para poder superar as tuas aflições atuais. E diz: “Nós dois ainda continuamos juntos. Os nossos sonhos nunca morrem.”

A vida não consegue educar a mente de uma pessoa para a aceitação de um acontecimento tão brutal como o assassinato de John Lennon, mas Yoko talvez estivesse mais preparada que qualquer outra pessoa para a solidão que agora enfrenta. Sua infância foi itinerante e sem raízes opcionais. Era a mais velha de três filhos nascidos de um banqueiro de Tóquio e sua aristocrática esposa japonesa. Yoko – seu nome significa filha do mar – lembra-se de que precisava marcar hora com uma secretária para poder falar com seu pai. A família se mudara para San Francisco, na Califórnia, quando Yoko tinha 3 anos, mas retornara ao Japão às vésperas do ataque japonês a Pearl Harbour. Depois da guerra a família retornou aos Estados Unidos, instalando no elegante subúrbio nova-iorquino de Scarsdale. Yoko foi internada no Sarah Lawrence College, mas abandonou-o três anos depois. Diz ela: “Não há nada mais chato e aborrecido do que um desses colégios para filhas de pessoas ricas.” O que a fascinou, nos fins da década de 1950, foi o meio artístico de Manhatan. Morando no bairro boêmio de Greenwich Village com seu primeiro marido, o compositor vanguardista Toschi Ichiysnagi, ela tomou a frente de alguns acontecimentos rumorosos, entre os quais uma exposição de pinturas colocada no chão, para ser pisada pelo público que fosse vê-la. A maior parte de seu trabalho era conceitual, consistindo em sugestões como, por exemplo, a de “cavar um buraco para que a luz da lua formasse um poço” ou “construir uma casa com muitos quartos, para que o vento atravessando-a, tirasse um som diferente de cada um deles”. Divorciada em 1964, casou-se de novo, no mesmo ano, com o cineasta americano Anthony Cox. Fizeram alguns trabalhos em colaboração, um deles intitulado A Pedra, que consistia em envolver os espectadores num saco de musselina preta (exteriormente, as pessoas ensacadas davam a impressão de terem sido transformadas em pedras). Juntos fizeram também um filme que consistiu unicamente que consistiu unicamente em 365 primeiros planos de traseiros femininos inteiramentes nus. Quando John Lennon foi ver uma exposição de seus trabalhos numa galeria periférica de Londres, em 1966, Yoko não o reconheceu como um dos rapazes dos Beatles. Ela explica; “Eu estava muito voltada para a arte de vanguarda, e nesse meio, ninguém sequer ousava mencionar os Beatles."

John ficou gostando imediatamente de seu trabalho – principalmente de uma maçã fresca sobre uma base de plástico, a ser vendida por 200 libras. Havia uma peça intitulada Hammer a Nail In (Meta um Prego Nisto com Uma Martelada). Quando John lhe pediu licença para dar uma martelada num prego imaginário, em troca de 5 xelins também imaginários, ela pensou: “Este cara está no brinquedo, fazendo o mesmo jogo que eu faço.” Isso os levou a um relacionamento imediato, mas que nos três primeiros anos teve um caráter inteiramente platônico. Em 1969, com um gravador ligado perto da cama, eles consumaram esse relacionamento. E usaram essa gravação no primeiro álbum de discos que fizeram juntos, com o título de Two Virgins. Ambos tinham se divorciado, ela de Tony Cox, ele de Cynthia Powell, sua namorada de Liverpool, com quem vivera durante seis anos. Livres, foram se casar em Gibraltar. Nem todos se sentiram tão felizes quanto eles. Nessa ocasião, os Beatles já estavam se separando e muitos pensaram que a culpa disso era de Yoko. As brigas com Paul Mccartney, George Harrison e Ringo Starr estavam cicatrizando quando John foi assassinado. Yoko diz: “Todas as desavenças já tinham sido esquecidas. O que ficou foi amor. O resto pertence ao passado. Era o que John sentia.” O casal não estava, no entanto, em paz com o segundo marido de Yoko, Tony Cox, que em 1972 obteve num tribunal a custódia da filha, Kyoko de 8 anos, e depois disso tomou, com ela, rumo ignorado. “Desde então, foi como se eu tivesse perdido uma parte de mim mesma.”, diz Yoko. Uma das últimas declarações públicas de John Lennon foi um apelo a Tony Cox, a fim de que este permitisse a Yoko, hoje uma moça de 16 anos. O maior desafio para o casal John-Yoko foi quando, em 1973, o casamento foi ameaçado por uma brusca separação, que iria durar nada menos de ano e meio. John nessa fase estava bebendo muito e mantinho um caso com sua secretária, mas apesar disso ainda dependia de Yoko. Uma noite ele foi expulso de uma casa noturna de Los Angeles por ter insultado os Smoothers Brothers, que ali faziam um show. Telefonou para Yoko, em desespero: “Estou me sentindo muito por baixo. Estão zombando de mim na minha cara. O que eu posso fazer?” Ela se limitou a dizer: “Não se preocupe com o que pensarem a seu respeito.” Quando se encontraram de novo, a reunião foi ao mesmo tempo dolorosa e eternecida. Ela diz: “Ficamos sentados, um diante do outro, tremendo, sem falar, e algumas vezes, chorando. Isso se repetiu em todos os nossos primeiros reencontros.” Ela recorda que, quando a situação se tornava intolerável, dizia: “É melhor você ir embora agora.” Mas acabaram de se reconciliar definitivamente. Muitos médicos disseram que eles nunca poderiam ter filhos. Depois disso, porém consultaram em San Francisco na Califórnia um acupunturista que lhes disse que isso seria possível, desde que mudassem sua dieta alimentar, renunciassem à bebida e às drogas. E assim foi a que veio a nascer o menino Sean, quando John completara 35 anos e Yoko 42 anos. O entusiasmo de John foi tão grande que ele se converteu numa espécie de pai-babá do filho.

Entusiasmo igual só o dela pela gestão de negócios dele. Yoko diz: “Sempre trabalhamos como uma família unida .” Mas, algumas vezes, Yoko tomou decisões desastrasosas com base na astrologia ou numerologia – pois o casal foi sempre muito supersticioso, temendo que o mau-olhado, ou o azar, estragasse sua felicidade. No álbum Doublé Fantasy, John chegou a mudar o nome de uma composição, Losing You (Perdendo Você), para (Afraid I’m) Losing You (Receio Estar Perdendo você), com medo de que o título anterior fosse um convite ao desastre conjugal. Depois, no entanto, voltou a adotar o primeiro título, rindo de sua própria “tolice”. Enfrentando a realidade da perda de John, Yoko encontra o seu maior consolo no seu filho, Sean, e no pensamento de que a paz e o amor que ela e o marido pregaram durante todos esses anos faça que mãe e filho permaneçam sempre unidos. Ela não cessa de pensar em John e diz: “Depois de 14 anos de convívio, continuo a crer que ainda estamos juntos.”

YOKO ONO - I'M MOVING ON

2 comentários:

Anônimo disse...

É um texto muito bom, e até sentimentalista aos meus olhos, pois mostra a força de uma pessoa a continuar depois de uma tragédia vivia.

É um blog muito bom que eu tenho vontade de postar um texto Sr Edu. Se quiser deixe uma mensagem de resposta ai de como entrar em contato com o blog.

Obrigado

Edu disse...

Przado anônimo: entre em contato pelo e-mail. eduardobadfinger@gmail.com.br