quarta-feira, 29 de novembro de 2017

GEORGE HARRISON - GONE TROPPO - 1982


No início dos anos 1980, George Harrison havia atingindo um equilibrio invejável em sua vida. Ele definitivamente deixara para trás um período obscuro e as tentações da vida de estrela do rock. Estava levando uma vida próspera, mas espiritualmente orientada, rodeado por esposa, filho e muitos amigos. Ele agora era o mestre de sua própria carreira e poderia escolher compor novas músicas ou manter-se improdutivo. Também possuía um papel satisfatório como produtor de filmes. Além disso, vivia em uma das propriedades mais bonitas da Inglaterra. A nova década se alinhava à sua frente como um caminho iluminado. John Lennon havia passado seus últimos cinco anos levando uma vida doméstica, como um dono de casa, evitando ser o centro das atenções e aproveitando a vida ao lado do filho pequeno. Depois de seu assassinato, e talvez como conse­quência dele, Harrison seguiu o exemplo do amigo. Ele tinha uma existência reclusa, raramente saía de casa, cuidando do jardim sem parar e apro­veitando a infância de Dhani.
Comprou uma casa perto de Hana, na ilha de Mauí, e quando o tempo frio se instalava na Inglaterra ele escapava para seu esconderijo tropical. Mas mesmo lá não era remoto o suficien­te. George estava sempre na missão de ir o mais longe que pudesse. A família descobriu o Havaí e construíram uma casa lá. Mas ele queria continuar. Então partiram para a Tasmânia, Nova Zelândia, Austrália... buscando isolamento. As experiências que George Harrison teve na Austrália lhe renderam um título para seu novo álbum - "Gone Troppo". Uma expressão australiana para falar de alguém que “ficou doido” por causa do clima tropical.

Lançado nos Estados Unidos em outubro de 1982, "Gone Troppo" alcançou apenas a posição 108 na lista da Billboard. Harrison não se perturbou. O álbum foi tão massacrado pela crítica que George Harrison optou por não promover o disco, que acabou passando quase despercebido.Tendo experimentado tudo o que a fama e o sucesso podem oferecer, não se importava muito mais. Ele não tinha a natureza competitiva de John e Paul e não escondeu não ter mais a energia ou desejo de entrar no tedioso jogo de promoção que parecia ser exigido para que emplacasse. O que importava para ele é que o álbum completava seu contrato com a Warner Bros. Completamente livre para seguir seu caminho, ele iria se afastar do mercado musical por cinco anos.
Produzido por George Harrison, Ray Cooper e Phil McDonald, um dos mais subestimados discos de George Harrison, inclusive pelo próprio, Gone Troppo foi seu 10º álbum de estúdio, gravado entre maio a agosto de 1982 em Friar Park e lançado em 27 de outubro de 1982 pela Dark Horse Records. É o último álbum do artista em cinco anos, durante os quais se afastou de sua carreira musical para se concentrar em outros assuntos, como cuidar da família, da casa e de seus imensos jardins e acompanhar as corridas de Fórmula 1. Harrison andava achando o clima musical atual alienante. Seu apelo comercial diminuiu, com Somewhere In England, em 1981. Com um álbum deixado em seu contrato de gravação atual, Harrison decidiu terminá-lo e gravou "Gone Troppo", lançando-o sem participar de qualquer promoção. O design do discão, assim como seus encartes são creditados a "Legs" Larry Smith, anteriormente da Bonzo Dog Doo Dah Band. O álbum alcançou o número 108 nos Estados Unidos e não conseguiu entrar nas paradas do Reino Unido.
Lançada como o primeiro single do álbum, “Wake Up My Love” foi escolhida como faixa de abertura de "Gone Troppo". Saturada de sintetizadores que se tornam cansativos, essa faixa guarda muitas semelhanças desconfortáveis com “Teardrops”, de "Somewhere in England" (1981), tanto no tom exagerado como no desempenho nos gráficos. Nem uma das duas atingiu o Top 40 na América, e ambas terminaram sem classificação no Reino Unido.
"That's the Way It Goes", Harrison escreveu durante um período em que se desinteressou pela música contemporânea e estava desfrutando de algum sucesso como produtor de filmes com sua própria Handmade Films. Em parte influenciado por suas férias prolongadas no Havaí e na Austrália, a letra mostra sua consternação com a preocupação do mundo com o dinheiro e o status, embora, ao contrário de várias das declarações musicais anteriores de Harrison sobre o assunto, ele expressa resignação e aceitação. Também foi gravada em Friar Park, "That's the Way It Goes" inclui contribuições de músicos britânicos como Henry Spinetti, Herbie Flowers e Ray Cooper, juntamente com uma participação vocal profunda do cantor de gospel americano Willie Greene. Vários comentadores identificaram "That's the Way It Goes" como um dos destaques de Gone Troppo. Em novembro de 2002, um ano depois da morte de Harrison, Joe Brown interpretou a música no Concert for George em Londres. Sua inclusão marcou um exemplo raro de uma música pós-1973 de Harrison
sendo realizada nesse concerto tributo.

"I Really Love You" é a única faixa não autoral do álbum. Foi escrita por Leroy Swearingen e originalmente gravada por seu grupo vocal chamado The Stereos em 1961. Esse disco atingiu o número 29 no quadro da Billboard Top 40. George Harrison resolveu reagravá-la em 1982. A gravação em estúdio com Harrison, Herbie Flowers, Mike Moran, Ray Cooper, e os vocais e backing repartidos entre Harrison, Willie Greene, Bobby King e Pico Pena, tornam a música uma deliciosa brincadeira e um dos pontos altos de Gone Troppo. Também foi lançada como o segundo single nos Estados Unidos e Holanda, em fevereiro de 1983, mas não conseguiu emplacar.

A quase instrumental “Greece” traz a guitarra slide de Harrison dobrada seguida por sintetizadores e tem duas partes cantadas, embora curtas: “Yugo to Slavia, Half past Armenia, Down and towards the Med. Left side of Turkey, Nowhere near Fiji, You will find Greece. You may Athena, Handed on Plato, Hole in my Socrates, I came Acropolis, On Monty Pythagoras, Ulysses Greece”.

A alegre e ensolarada “Gone Troppo” que dá nome ao álbum, encerra o lado 1 com um saldo positivo, ao ritmo das marimbas do produtor Ray Cooper. Talvez, o grande erro de George no álbum, tenha sido subestimar o potencial da belíssima "Mystical One", absolutamente mágica, seguramente, deveria ter sido o carro-chefe do disco, ao invés da comercial “Wake Up My Love”. "Mystical One" é uma olhada de George Harrison para dentro de si mesmo, em busca de um caminho pacífico, que não exija que ele atue como roqueiro pregador. “I am yes I am. I know what I feel. You came in my life, made me more real” - Eu sou sim, eu sou. Eu sei o que eu sinto. Você veio em minha vida, me tornando mais real”. Será que é possível uma música como essa ficar ainda mais linda? Sim, é! Em 2004, quando “Gone Troppo” foi remasterizado e reeditado, como parte da caixa de luxo “The Dark Horse Years 1976-1992, a reedição adicionou uma versão demo acústica de "Mystical One", somente com a voz de Harrison e o violão como sua única faixa bônus. Indescritível!
"Unknown Delight" é notável, encantadora e sublime. Escrita para o recém-nascido Dhani, reflete um foco emergente nas alegrias pessoais da vida. O contentamento de Harrison não é apenas completo, é mais profundo do que qualquer coisa que ele já havia contemplado. Novamente, os backing vocals de Willie Greene, Bobby King e Pico Pena, adcionam uma atmosfera mágica à música. "Baby Don't Run Away" segue a mesma linha, só que desta vez, os destaque são os backing vocals da cantora Rodina Sloan apoiados por Billy Preston.
A enigmática Dream Away começa com um estranho mantra em um dialeto indecifrável. Uns dizem que é um pseudo-hawaino, outros que seria um trocadilho como o que Harrison fez em ‘Extra Texture’ - "OHNOTHIMAGEN" ("Oh, not him again") - "Oh, não ele de novo!". Se fosse isso, a coisa mais próxima talvez seria algo como “Aren't I Lucky, Aren't I Lucky, Lucky I Am Hurray Oh, See me on the TV Show”. Isso, poderia fazer algum sentido, já que Terry Gilliam disse em uma entrevista que a letra de "Dream Away" era uma tirada de Harrison para o diretor sobre seu comportamento durante a produção do filme e, mais especificamente, a tensão que aumentou entre eles devido à relutância de Gilliam em incluir as músicas de Harrison num filme produzido pelo próprio Harrison. Pessoalmente eu não acredito nisso. Prefiro a versão de outros, que dizem que é somente um cântico de louvor a Deus, algo como “Aleluia, Aleluia, Meus olhos vêem, Deixe-me dizer que sim, Me veja como me viram”. Seja como for, "Dream Away" é a penúltima faixa de "Gone Troppo" e também foi lançada como single somente no Japão. É um hino épico que poderia facilmente ser a trilha sonora das batalhas lutadas por Krishna e Arjuna narradas no Bhagavad-Gitã, mas foi a trilha do filme “Time Bandits” de 1981, produzido pela Handmade Films, e estrelado por Sean Connery e grande elenco. "Dream Away" é exibida durante os créditos finais. Sem dúvida, a única parte boa do filme “TimeBandits” – Os aventureiros do Tempo.
“Aquele que sabe, não fala. Aquele que fala, não sabe. E eu vou seguindo em ciclos”."Circles", uma música lenta e contemplativa, encerra o ciclo de "Gone Troppo". George Harrison começou a compor na Índia em 1968 enquanto ele e os outros Beatles estudavam Meditação Transcendental com o Maharishi Mahesh Yogi. O tema central é a reencarnação. A composição reflete o aspecto cíclico da existência humana como, de acordo com a doutrina hindu, a alma continua passando de uma vida para outra. Embora os Beatles nunca tenham gravado formalmente, "Circles" foi uma das demos apresentada ao grupo na casa de Harrison, em Kinfauns , em maio de 1968, enquanto consideravam o material para o álbum The Beatles. A canção foi novamente retomada durante as sessões para seu álbum de 1979, George Harrison, mas permaneceu guardada até Troppo. Durante este período, Harrison suavizou a mensagem espiritual em seu trabalho e também começou a renunciar ao negócio da música para uma carreira como produtor de filmes com sua empresa Handmade Films. A música foi produzida por Harrison, Ray Cooper e o ex-engenheiro dos Beatles, Phil McDonald, com gravação no estúdio de Harrison em Friar Park. "Circles", foi considerada pelos críticos ‘excessivamente sombria’. Nos Estados Unidos, foi lançada como lado 2 do segundo single do álbum, com "I Really Love You" do lado 1, em fevereiro de 1983. Como é a faixa final de "Gone Troppo", seria a última música ouvida em um novo álbum de George Harrison até 1987, quando ele retornou com "Cloud Nine".
Bem, essas foram as minhas impressões desse álbum fantástico, simplesmente incrível e sem dúvida, um dos meus preferidos. Mas parece que o disco que eu tenho e ouvi milhares e milhares de vezes, não foi o mesmo que foi enviado para os críticos, que estraçalharam "Gone Troppo" sem qualquer dó ou piedade! Algumas dessa críticas estúpidas, a gente confere aqui:
Steve Pond, da Rolling Stone, disse que, “Ultimamente, Harrison tornou-se um produtor de cinema muito melhor do que músico, e fez um álbum tão despreocupado, que chega a ser bobo e totalmente superficial", e completava: "Wake Up My Love é a única música digna de nota, e é zero!”. Roy Trakin, da revista Musician, considerou que, “na sequência do assassinato de John Lennon dois anos antes, a honestidade torturada de Harrison condena a tentativa desse álbum de curar aquelas feridas psíquicas com música calma e sem mão". O crítico William Ruhlmann da AllMusic disse: "Claramente, Harrison não podia mais tratar sua carreira musical como um meio-filho de meio período para seus interesses em corridas de carro e produção de filmes se ele quisesse mantê-lo. As músi­cas desse álbum são aéreas, quase frívolas, suficientes para preencher as obrigações contratuais, mas longe da produção criativa de uma década atrás, logo que George saiu dos Beatles”. Escrevendo na edição do Guia da Rolling Stone, Mac Randall opinou: "A fraca ‘Wake Up My Love’, abre Gone Troppo e a assustadora 'Circles' (sobra não aproveitada dos Beatles) o fecha, mas não há nada no meio”. John Harris da Mojo compara Gone Troppo ao álbum final de Harrison para EMI / CapitolExtra Texture (1975), e o descarta, classificando-o como "mais um álbum de contrato, desta vez com Warner Brothers, gravado super-rápido e lançado sem interesse e sem nenhuma promoção”. O editor John Metzger também o mantém em baixa consideração, dizendo: "Gone Troppo foi, sem dúvida, o pior dos álbuns solo de George Harrison... Algumas músicas, como That's the Way It Goes e Unknown Delight, poderiam ter funcionado melhor se tivessem arranjos diferentes, mas como um todo, o Gone Troppo é em grande parte esquecível e às vezes embaraçoso que apela apenas para conceitos fanáticos". De forma mais positiva, Kit Aiken da Uncut descreve Gone Troppo como "um retorno a boa forma" de Harrison depois de Somewhere in England, e uma coleção de "músicas agradáveis e de coração leve feita por um grupo de companheiros com nada para provar". Em outra avaliação favorável para a Rolling Stone, Parke Puterbaugh escreveu: "Gone Troppo pode ser o álbum mais subestimado de Harrison... [Ele] captura Harrison em suas músicas mais relaxadas e brincalhonas, como a faixa-título. Como poderia desprezá-lo?".
Passaram-se 35 anos do lançamento do álbum e até hoje, nunca entendi o porquê da ira de todos esses cães raivosos! Foi apenas mais uma página na história desse cara incrível, desse músico absolutamente formidável que É George Harrison. Essas críticas tão bizarras ajudaram, ainda mais (e muito) a consolidar o crescimento espiritual e artístico do nosso Hare. Nunca vou entender como puderam ter sido tão cruéis com um dos álbuns de George Harrison. Será que ansiavam por um novo “All Things Must Pass”? Quantas vezes Jesus teve que andar sobre as águas? A verdade é que foram muito injustos com um disco que pode não ser uma das sete maravilhas, mas, com ou sem divulgação nenhuma, é um grande disco com belas músicas que nos remetem a um passado que parecia que tudo estava bem. Fico pensando, cada vez que escuto as músicas, do que será que todos esses caras caretas não gostaram? E, a conclusão que chego é: porque George não deu a mínima para eles, não se vendeu como eles. Na época do seu lançamento, confesso que fiquei surpreso por ele lançar um outro álbum apenas com um ano de diferença do anterior, mas também me senti feliz e orgulhoso de um dos meus 4 artistas preferidos ainda estar bem vivo (e feliz!) e em paz consigo mesmo, me maravilhando com músicas lindas e sua guitarra incomparável, apenas fazendo seu trabalho e cumprindo sua missão na vida da forma mais honesta possível. No final, quem “pagou o pato” foi o mundo, fomos nós, que ficamos sem ouvir uma nova música de George Harrison durante mais de cinco anos. That’s the way it goes. Hare Krishna!
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5 comentários:

Dani disse...

Eu confesso que não é meu álbum preferido dentro da discografia do George. Pode ser devido ao que Edu falou ali em cima, por tomar os álbuns anteriores, como parâmetro, especialmente ATMP e Living in The Material World. E também tem Cloud Nine e o supergrupo Travelling Wilburys que vieram depois, que considero excelentes. Pode ser que eu tenha estranhado o som de Gone Troppo. Mas concordo que as críticas da época foram um tanto cruéis.

Unknown disse...

Acredito que Lulu Santos tenha ouvido bastante esse álbum pra gravar o seu terceiro lp Tudo Azul de 1984.

Nasre disse...

Certamente as amargas e injustas críticas envelheceram mais do que o álbum. Talvez Harrison não estivesse de todo errado em priorizar seus outros interesses, além desse mesquinho e saturado mundo musical. Afinal, ele realmente não tinha nada mais a provar a ninguém. Estou ouvindo novamente aqui e me soa ainda muito melhor do que a imensa maioria do que chega a meus ouvidos.

Smart disse...

Álbum excelente bom instrumental típico do George,ele chegou num ponto que não precisava provar a ninguém o excelente músico que era,meu beatle preferido!!

Sara disse...

Edu, a coisa da busca por isolamento do George era paranoia, e medo de ser assassinado igual o John.
Infelizmente, não importou quanto ele fugiu, ele foi vítima daquele atentado em que esfaquearam ele, que fez o cancer dele retornar, e ele falecer por fim, em 2001.