sábado, 5 de junho de 2021

1971: O ANO EM QUE A MÚSICA MUDOU TUDO


“Chega de Saudade” anunciou um Brasil moderno e otimista. “Alegria, Alegria” amplificou guitarras, cabelos grandes, abriu caminhos de liberdade, “O Bêbado e a Equilibrista” soou como um dolorido recomeço. Aqui no Brasil a gente sabe bem: existem momentos em que as músicas não são apenas a trilha sonora de uma época. Elas e o comportamento dos artistas ditam uma nova época. Esse é o espírito da série “1971: o Ano em que a Música Mudou Tudo”. O título ambicioso faz sentido: A Guerra do Vietnã foi um momento decisivo no século 20. As imagens que eram transmitidas pela TV chocaram o mundo. Mas Richard Nixon e a maioria silenciosa travavam uma guerra de imagens muito maior. Uma guerra entre estilos de vida, projetos de sociedade, domínios econômicos, políticos e sociais. “Todas as noites na televisão eles vendem guerra e violência* John Wayne vende guerra desde que era criança* Tudo que eu tento fazer é conseguir mais espaço e músicas para igualar um pouco essa balança”, diz John Lennon, entre os acordes de “Imagine”, no meio do primeiro episódio.
Poucas vezes a música foi tão imagética quanto em 1971. O som revolucionário, as roupas que davam cores aos jovens, os cortes de cabelo, drogas. Tudo era uma descoberta, um posicionamento, um significado maior. É o ano que Marvin Gaye lança “Whats Going Gn”. Impossível compreender a dimensão dessa música sem pensar na imagem de Marvin Gaye. Sem pensar no Vietnã, em racismo, no choque de gerações. “Imagine” ganha força quando olhamos nos olhos de John Lennon por trás das lentes redondas amarelas. Os Rolling Stones, George Harrison, Sly Stone, Jim Morrison, Carole King, Elton John, Joni Mitchell, Lou Meed, David Bowie. Todos são artistas que trazem muito mais do que canções. A série “1971: o Ano em que a Música Mudou Tudo” compreende a força das imagens. Todos os episódios são feitos com imagens de arquivo. Não há um depoimento filmado hoje. A atmosfera das películas, a textura pixelada das imagens, tudo isso provoca uma imersão no espírito de uma época. A música se soma a esses elementos. O diretor Asif Kapadia cria narrativas que contextualizam os acontecimentos sem didatismos. Cria uma rica experiência sonora, política e comportamental que amplia o significado das canções. É uma viagem. Publicado na Folha de São Paulo. Por Renato Terra.

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