Esta entrevista com Paul McCartney foi publicada na revista Veja de 10 de maio de 1989. Só para lembrar: Paul viria ao Brasil em abril de 1990. Agradecimentos: Thiago Salim. Espero que gostem! Abração!
Estou em plena forma
Aos 46 anos, o ex-Beatle diz que o rock de hoje é ruim, informa que não virou um careta e sustenta que a prevenção da Aids começa em família.
Por Cristina Lopes de Medeiros
Um fã dos Beatles dos anos 60 que se encontrasse hoje com o compositor Paul McCartney na sede de sua empresa, a MPL, no coração de Londres, de onde comanda seus negócios no mundo dos espetáculos, julgaria ter errado de porta. Trabalhando febrilmente numa sala decorada com o mais sóbrio estilo inglês, vestido de forma mais convencional possível – com calça azul marinho e uma impecável camisa branca -, à primeira vista o ex-Beatle tem muito pouco em comum com o jovem qe criou junto com John Lennon a mais famosa banda de rock de todos os tempos, liderou uma revolução de costumes que transformou o mundo e compôs mais de 180 músicas que são sucesso há quase três décadas. Aos 46 anos, pai de quatro filhos – com idades entre 11 e 26 anos -, exibindo no rosto rugas que não se preocupa em disfarçar, Paul McCartney senta-se diariamente em sua escrivaninha, dá ordens nervosas ás suas secretárias e auxiliares e dirige um patrimônio avaliado em 670 milhões de dólares. Nos fins de semana, foge com a família para sua fazenda na Escócia, ou descansa em sua casa nos subúrbios de Londres.Estou em plena forma
Aos 46 anos, o ex-Beatle diz que o rock de hoje é ruim, informa que não virou um careta e sustenta que a prevenção da Aids começa em família.
Por Cristina Lopes de Medeiros
Mesmo levando vida de executivo, não é difícil identificar em McCartney o ídolo da música. Simpático, descontraído e extremamente comunicativa, ele ainda exibe o mesmo carisma e a exuberância do tempo dos Beatles e parece em plena forma. “Paul McCartney pode ter envelhecido mas não ficou careta”, informa. Na semana passada, às vésperas de lançar na Inglaterra seu novo LP, Flowers in the Dirt – que inclui uma música em homenagem ao sindicalista brasileiro Chico Mendes, assassinado há 5 meses -, ele recebeu VEJA em seu escritório e falou de rock, ecologia, vida familiar e – como não poderia deixar de ser – dos Beatles e de John Lennon. Veja – O que o levou a gravar uma música em homenagem ao líder sindicalista Chico Mendes?
McCartney – Ouvi falar nele pela primeira vez depois que foi assassinado. Os telejornais ingleses deram grande destaque à notícia e, a BBC fez um programa especial sobre ele e sua campanha pela Floresta Amazônica. O trabalho de Chico Mendes me comoveu. Sua preocupação com a preservação do meio ambiente e o bem-estar social, e o fato de ter sido assassinado justamente por isso, o transformaram para mim num personagem especial. Eu já havia composto a canção How Many Will Have to Die, que incluí nesse novo álbum, e decidi dedicá-la a ele.
Veja – Como vê a atuação de Sting, em favor da causa ecológica?
McCartney – Eu certamente não adotaria um índio, como ele fez com Raoni, mas acho que no seu caso o gesto é sincero e não tem nada de demagógico. É claro que sempre existe o perigo de interpretá-lo como um golpe autopromocional e suscitar criticas violentas – mas, a história é a mesma desde o tempo de Jesus Cristo. Qualquer um que estiver diposto a agir pelo bem da humanidade corre o mesmo risco. Bob Gerdolf, por exemplo, arruinou sua carreira depois do Live Aid – a série de espetáculos em favor da Etiópia: a causa o absorveu a tal ponto que ele nunca mais foi capaz de fazer um disco.
Veja – Não cabe ao Brasil preservar a Amazônia em vez de roqueiros ficarem fazendo isso?
McCartney – Não se pode responsabilizar o Brasil pela destruição da reserva de oxigênio do mundo. Nós mesmos, os ingleses, somos responsáveis por grande parte da destruição, junto com os outros países industrializados do norte da Europa. Quem provocou a chuva ácida, por exemplo? Compreendo que o Brasil agora explore suas florestas e concordo com seu direito de querer torná-las rentáveis. Talvez nós, países industrializados do Ocidente, possamos contribuir para que isso não signifique a extinção da fauna e da flora, subsidiando a preservação. Podemos fazer isso, pagando um preço elevado pela borracha e desestimulando a produção de carne ou cereais. Se nós quisermos preservar a floresta, a única saída é pagar por isso. Não se pode simplesmente dizer: “Ei, parem com isso, vocês vão estragar o ar que mundo respira”.
Veja – Nos tempos dos Beatles, você gostava de festas e badalações e hoje deixou de fumar, bebe pouco e aprecia sobretudo a vida doméstica. Como foi a mudança?
McCartney – Eu gostaria de ser uma eterna criança, mas, aos 46 anos e quatro filhos, você acaba sendo obrigado a ter uma certa maturidade. É claro que não virei um velho careta: estou em plena forma. Ainda adoro uísque escocês também, mas levo uma vida plenamente saudável: comida vegetariana, ar puro, boas horas de sono e nenhum trabalho nos fins de semana.
Veja – Você acha que os jovens dos anos 80 são mais conservadores que os dos anos 60?McCartney – Não são mais conservadores, mas mais conscientes e, de uma certa forma, mais bem preparados. Na minha época, não se falava em sexo em casa, a gente descobria tudo sozinho. Havia muitos tabus, muita repressão. É natural, então, que a juventude dos anos 60 quisesse se liberar das convenções e romper todas as amarras. Hoje isso não é mais necessário, essas questões já foram discutidas e esclarecidas. Não existe mais a necessidade de revolucionar os costumes de uma forma drástica, como foi feita naquela época. Mas isso não significa conservadorismo. Essa nova mentalidade, mais aberta, mais condescendente, esse amadurecimento é o grande legado da revolução que nós lideramos.
Veja – Alguns conservadores apontam a Aids como a principal conseqüência dessa revolução. Você concorda com isso?
McCartney – A Aids é um mal que não saiu da cabeça de ninguém. Ela existe como uma nova peste e eu não acho que se possa culpar alguém por isso. Nós temos é que aprender a conviver com essa ameaça e fazer o possível para reduzi-la ao máximo. Mas naturalmente ela contribui para uma nova postura em relação ao sexo. É preciso ser muito mais cauteloso hoje em da e isso certamente reduz a liberdade sexual.
Veja – Que conselhos você dá a seus filhos a respeito da Aids?
McCartney – Nós discutimos o problema claramente. Eu e minha mulher, Linda, procuramos conscientizá-los de que hoje você precisa conhecer bem seu parceiro sexual para ter um risco menor de contágio. Sabemos que o relacionamento sexual entre os jovens é perfeitamente natural e por isso aconselhamos nossos filhos a tomarem certas precauções, como o uso de preservativos, e a considerarem o sexo como parte de um relacionamento afetivo.
Veja – Você já foi preso por porte de maconha. Como vê as drogas hoje em dia?
McCartney – Eu não sou um pregador da maconha, mas acho que existem muitas outras drogas mais nocivas que ela. Heroína mata, crack mata, cacaína mata, remédios matam. É assim que eu vejo as drogas.
Veja – Você não toma mais drogas?
McCartney – Olhe, eu não diria numa entrevista que tomo drogas. A privacidade neste caso é fundamental. Veja – Você acha que os artistas têm um papel a cumprir no sentido de conscientizar as pessoas no combate às drogas e à Aids?
McCartney - Todo o artista tem um papel a cumprir, seja ele no sentido de combater aquilo que critica, seja no de despertar a consciência das pessoas. Mas não lhe cabe a responsabilidade de procurar “fazer cabeças”. Claro que um ídolo é sempre um modelo e o que ele faz, a maneira como se comporta e pensa é imitada por milhares de fãs. Na época dos Beatles, quando me perguntavam se eu não me sentia responsável pelos jovens que nos admiravam e copiavam, achava que não, que eles eram livres para fazer o que quisessem e que isso era problema deles. Hoje, como pai, eu já vejo as coisas de uma forma diferente. Os artistas têm um poder incalculável de influência sobre os jovens. Se eles puderem usar essa influência para divulgar boas causas, tanto melhor, mas não se pode atribuir-lhes o papel de gurus.
Veja – Quem é seu público hoje em dia: os jovens ou os antigos fãs dos Beatles que têm a sua idade?
McCartney – Os Beatles ainda são sucesso atualmente entre todas as gerações. É verdade que que o rock atual vive hoje uma crise de criatividade e isso contribui para reavivar o trabalho dos Beatles, mas o fato é que éramos realmente muito bons e nossas músicas não envelheceram. O principal problema do rock atual é que ele envelhece rapidamente . A maioria das composições é descartável. É claro que há trabalhos de excelente qualidade, mas a grande parte é feita numa base puramente comercial, o avanço das técnicas de vídeo e som contribuiu em muito para isso.
Veja – Porque os Beatles são sucesso até hoje, enquanto tantos novos artistas se alternam no trono da música pop? O que os Beatles tinham que Madonna e Michael Jackson não tem?McCartney – Falta-lhes profundidade. Falta-lhes qualidade musical. Parece pretensioso, mas é certo que as músicas de Lennon e McCartney eram muito melhores e, do ponto de vista musical, até hoje são modernas, intrigantes, ousadas, Michael Jackson, por exemplo, é um bom cantor, mas é sobretudo um show-man. É um grande bailarino, mas não toca nenhum instrumento. A diferença entre os Beatles e a maior parte dos novos ídolos do rock começa com a formação musical e a habilidade de extrair músicas dos instrumentos. Eu compus com Michael Jackson e compus com John Lennon e posso dizer que John era realmente um gênio musical. Ele podia não cantar como Michael Jackson e certamente não dançava como ele – a menos que estivesse bêbado, mas isso é outra história -, mas era um homem muito profundo e um músico excepcionalmente habilidoso.
Veja – Como era trabalhar com John Lennon?
McCartney – Era uma competição muito fácil e muito produtiva. Ele foi sem dúvida o melhor parceiro musical que já tive e um grande amigo. Tínhamos um perfeito entrosamento e mesmo nos momentos de maior tensão, pouco antes da dissolução do grupo, conseguimos manter a mesma sintonia. É claro que ele era uma pessoa difícil – autoritário, intransigente, impaciente, mas era fácil trabalhar com ele. E muito gratificante, porque cada um dava o melhor de si e conseguimos criar boas coisas, ás vezes em um mínimo de tempo.
Veja – É verdade que seu relacionamento com John Lennon piorou muito nas vésperas da morte dele?
McCartney – Sempre houve um certo ressentimento depois da dissolução do grupo, e os problemas com a nossa empresa, a Apple, só contribuíram para agravá-los. Mas no fundo continuávamos amigos, a nos querer bem e a nos respeitar. Pouco antes dele morrer, tivemos uma conversa pelo telefone sobre nossas famílias e nosso trabalho. Um papo descontraído, de dois velhos amigos, e foi uma das raras vezes em que não desligamos batendo o telefone um na cara do outro.
Veja – Em 1985, Yoko Ono, George Harrison e Ringo Starr moveram um processo contra você, acusando-o de abocanhar uma parcela desigual dos direitos autorais dos Beatles. Em que deu essa briga?
McCartney – Os Beatles nunca detiveram o controle sobre os direitos autorais de suas composições. Quando começamos, há mais de 25 anos, nosso contrato não nos dava nenhum poder, apenas recebíamos o dinheiro que nos era enviado pela firma Dick James, a primeira a deter esse controle. Depois ele foi vendido quando nós estávamos na Índia, sem que sequer nos comunicassem . Eles trocaram sucessivamente de mãos até chegar as de Michael Jackson, que comprou o controle sobre nossas canções há dois anos. O nosso grande problema desde a dissolução do grupo foi a gravadora Apple, que era nossa e que até hoje nos dá dor de cabeça. Nunca se conseguiu chegar a um acordo sobre partilha, e a situação está até agora nas mãos dos advogados. Todos os meses analisamos novas possibilidades para resolver a questão, mas há sempre um de nós que não está de acordo, e não se decide nada.
Veja – Isso contribuiu para deteriorar as relações entre os ex-Beatles?
McCartney – Certamente. Nós nunca vamos voltar a ser realmente amigos enquanto essa questão estiver pendente. É como se houvesse sempre uma tensão no ar. É como um divórcio – arrastado e desgastante. Quando essa situação finalmente se resolver, meus planos é compor com George Harison – nós nunca escrevemos uma música juntos. Ele mesmo está animado com a idéia, e é possível até que Ringo e nós façamos algo juntos quando nos livrarmos da Apple.
Veja – Seria a volta dos Beatles, embora sem Lennon?
McCartney – Não voltaríamos como um grupo, mas como velhos parceiros. Por que não?
Veja – Como é hoje sua relação com Yoko Ono?
McCartney – Nunca foi das melhores, mas é civilizada. Nos falamos de tempos em tempos por telefone e nosso contato é pequeno. Há alguns anos, eu quis comprar os direitos autorais das composições Lennon e McCartney, mas não queria comprá-los sozinho. O ideal seria dividi-los com John, mas como ele estava morto, propus fazê-lo com Yoko. A coisa simplesmente não funcionou e desisti da idéia. Hoje nos limitamos às conversas triviais.
Veja – Depois do assassinato de Lennon você intensificou sua segurança pessoal e da sua família?
McCartney – Quando estou exposto como ídolo, em shows e turnês, tenho sempre guarda-costas. Também evito circular muito em lugares onde haja multidões. Mas fora isso levamos uma vida perfeitamente normal e evitamos transformar a questão de nossa segurança pessoal numa paranóia.
Veja – Em 1986 sua fortuna foi estimada em 400 milhões de libras (700 milhões de cruzados novos). Ela cresceu desde então?
McCartney – Não posso me queixar de ter perdido dinheiro nos últimos tempos.
Veja – Você é um dos poucos megaastros do rock que não se exilaram da Inglaterra por causa do elevado imposto de renda cobrado no país. Por quê?
McCartney – Porque gosto de morar na Inglaterra, de trabalhar aqui. Então, se tenho que pagar impostos, eu pago. E olha que não é pouco.
Veja – Por que você escolheu a União Soviética para lançar seu LP do ano passado, Back in U.S.S.R.?
McCartney – Eu primeiro fiz um disco e estava pensando em como divulgá-lo. Então tive a idéia de fazer algo completamente inédito: lançá-lo primeiro na União Soviética, para só então lançá-lo no Ocidente. Assim, pela primeira vez, os russos teriam a primazia numa área predominantemente ocidental.
Veja – Então tudo não passou de um golpe publicitário?
Mccartney – Bem, inicialmente foi isso mesmo, mas a idéia pareceu-me válida porque seria também uma forma de agir em favor do meu propósito de derrubar fronteiras e estreitar laços. Tenho certo medo de levantar uma bandeira, a exemplo de Sting, e parecer ingênuo ou pretensioso, mas tenho um causa geral que é a paz, a cooperação entre a União Soviética e os Estados Unidos.
Veja – Por que até então você não se empenhara nessa causa?
McCartney – Antes era simplesmente impossível contatar as gravadoras soviéticas, por exemplo. Mas, mesmo na época dos Beatles, nós já contribuímos para mudar a mentalidade dos jovens russos. Não acho exagero afirmar que os Beatles tiveram grande influência sobre eles. Na época em que lancei o disco, há cerca de um ano, dei uma entrevista em Londres para uma revista soviética e perguntei aos jornalistas, dois tipos tipicamente agressivos da KGB: “O que vocês faziam na época dos Beatles?” Eles responderam: “Nós tocávamos suas músicas na guitarra e adorávamos vocês”. Foi uma sensação indescritível.
Veja – Você pretende fazer shows na União Soviética este ano?
McCartney – Não este ano, mas no próximo. Estamos organizando uma grande turnê internacional.
Veja – Ela inclui o Brasil?
McCartney – Inclui a América do Sul certamente, mas ainda não sei se inclui o Brasil. Eu gostaria muito. Já planejamos isso várias vezes, mas nunca deu certo. É um páis que me atrai muito, principalmente por causa da música.
Veja – O que você conhece da música brasileira?
McCartney – Não conheço nomes, mas conheço o som, e o que mais me atrai é a percursão, a melhor do mundo.
FIM
5 comentários:
Muito legal essa reportagem, o macca sempre bastante conciente, afinal é um beatle falando, os Beatles são os maiores de todos os tempos e jamais serão superados. O que deixa triste é saber que o mundo pensa que o Brasil só tem pandeiro, nós temos o Chico Buarque, Caetano, Gil, Tom Jobim, João Gilberto, Caymmi e outros grandes. Mas Beatle é Beatle.
AhAhAh muito bom.Olha,fiz uma amiga,na época,cafuscar por toda sua casa atrás dessa Veja e ela não achou.E então eis aqui...completinha.Manda mais.
Adoro esse "MANDA MAIS!". rsrs...
E de onde veio essa, tem mais de 100! Todas boas!
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