domingo, 2 de julho de 2017

O DIA DA GRAVAÇÃO DE SHE LOVES YOU - ABSOLUTAMENTE SENSACIONAL! ⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐⭐


No dia 1º de julho de 1963, os Beatles estavam no estúdio da EMI, em Abbey Road, para gravar a música que se tornaria a marca da Beatlemania. Naquele dia das sessões de "She Loves You", ainda incaultos sobre o tamanho do fascínio e excitação que causavam nas fãs, eles resolveram ir do lado de fora do estúdio para umas fotos de divulgação do single. O que se seguiu foi um verdadeiro caos em Abbey Road nunca visto antes. Sobre esse estranho e sensacional episódio, a gente confere aqui um trecho do livro “Minha Vida Gravando os Beatles” de Geoff Emmerick – o jovem engenheiro de som que viu tudo acontecer e que está aqui no Brasil, ganhando uma graninha fazendo belas palestrars. Imperdível!
No início da primavera de 1963, os Beatles eram, sem dúvida, a banda mais popular da Inglaterra, com seu single “Please please me” no topo das paradas de sucesso e seu álbum de estreia tocando sem parar nas rádios. Embora eles fossem ficar ainda mais populares — na verdade, mais populares do que se imaginava ser pos­sível —, provavelmente não houve sessão que mais tenha subestimado a popula­ridade deles do que aquela em que o mundo desabou: o dia em que eles grava­ram “She loves you”.
Por causa de sua agenda de shows muito cheia, os Beatles não puderam ir para o estúdio por vários meses, então eu fiquei surpreso quando certo dia no início de julho eu ví o nome deles na folha que continha a escala... e fiquei ainda mais surpreso ao ver o meu nome na lista como assistente, em vez de Richard. Uma sessão dupla estava reservada — tarde e noite — e eu fiquei bem feliz. Não só eu trabalharia com eles novamente, mas, melhor ainda, eu tam­bém receberia algumas muito necessitadas horas extras. Assim que pude, fui para o StudioTwo. Ex­cepcionalmente, a sala de controle estava completamente vazia, sem nenhum sinal de George Martin ou Norman Smith. No estúdio lá embaixo, Mal Evans estava ocupado arrumando a bateria. Eu entrei e ele me saudou calorosamente, me apresentando ao outro roadie, o qual eu havia visto várias vezes antes, mas na verdade nunca havia falado com ele.“Neil Aspinall. Eu perguntei a ele onde os Beatles estavam. Dando um olhar engraçado, ele respondeu: “Os rapazes estão lá fora, no beco, tirando fotos... isto é, se as fãs ainda não acabaram com eles”.

Ele e Mal começaram a rir. “Acho que o patrão e seu assecla estão lá fora também”, Mal disse, referindo-se a George e Norman. Poucos minutos depois a porta do estúdio se abriu e os quatro Beatles entraram, acompanhados por George, Norman e um cavalheiro bem-vestido que eu nunca havia visto antes. Todos pareciam especialmente exuberantes e todos conversavam animadamente sobre as fãs que estavam lá fora. Lennon fazia piada sobre os “bárbaros escalando as paredes”, enquanto Harrison e McCartney estavam trocando impressões sobre os atributos físicos de uma criatura particularmente bem fornida que aparentemente tinha invadido o local das fotos antes de ser tirada dali pelos seguranças.
Todos estavam tão preocupados que eu fui praticamente ignorado; até mesmo George Martin e Norman nem disseram o “oi” habitual. A única exceção foi o cavalheiro bem-vestido, que veio em minha direção, estendeu a mão e, com uma voz suave e aristocrática, se apresentou como Brian Epstein. Eu tinha lido bastante sobre o misterioso empresário deles nos jornais, mas nunca o tinha visto antes no estúdio. Embora fosse amigável, Brian me pare­ceu um pouco estranho. Ele era um homem quieto, obviamente da alta classe. Ele não ia a muitas sessões, mas sempre era muito educado comigo quando aparecia por lá; no entanto, sempre tive a impressão de que os Beatles não gostavam de tê-lo por perto. Depois de mais alguns minutos de bate-papo, George Martin, Norman, Brian e eu fomos até a sala de controle para começar o trabalho do dia. En­quanto Norman e eu começamos a testar os microfones e equipamentos de gravação, Brian e George realizaram uma reunião improvisada, discutindo a sessão de fotos feita pela manhã, bem como a agenda de gravações para o próximo mês.
Naqueles primeiros dias da beatlemania sempre parecia haver ao menos uma centena de meninas acampadas do lado de fora do estúdio, na esperança de ver um ou mais componentes do grupo entrando ou saindo de seus carros. Como elas sabiam os horários em que os Beatles deveriam chegar era um com­pleto mistério para nós — as sessões deles sempre eram reservadas sob o pseudô­nimo de “Os Dakotas” (nome da banda que algumas vezes acompanhava Billy J. Kramer) —, mas certamente as fãs tinham algum tipo de rede de informantes, porque elas sempre começavam a chegar uma hora antes do grupo. Apesar do tamanho da multidão, sempre havia apenas quatro ou cinco policiais para con­trolá-las, o que me impressionava por ser ridiculamente inadequado. Naquele dia, em particular, os Beatles apareceram excepcionalmente muitas horas antes da sessão de gravação, para posar para fotos em um beco atrás do estúdio, dando às meninas muito tempo para chamar suas amigas, e aquilo fez com que a multidão crescesse ainda mais. Ao subir no topo dos muros ao redor do perímetro do es­túdio, as meninas podiam vê-los, e os quatro Beatles ficaram acenando e sorrin­do para elas, botando mais lenha na fogueira. Aquela foi a gota que faltava para a explosão que estava prestes a ocorrer. Tudo havia começado de forma muito inocente. Quando John, Paul e Geor­ge foram para o estúdio, Norman percebeu que o microfone do amplificador de baixo estava distorcendo, então ele me pediu para descer e afastá-lo alguns centímetros. Com o canto do olho, vi Mal e Neil apressadamente sairem pela porta do estú­dio. “AS FÃS!” - Mal Evans voltou, cor­rendo, e entrou acompanhado por um Neil ofegante. Os quatro Beatles pararam o que estavam fazendo e olharam para eles. A porta do estúdio se abriu novamen­te, e uma adolescente entrou, indo em direção a um desnorteado Ringo, curvado atrás de sua bateria.

Instintivamente, Neil se lançou sobre ela como um perfeito jogador de futebol americano e a derrubou no chão antes que ela pudesse alcançar sua presa. Tudo parecia estar acontecendo em câme­ra lenta diante dos meus olhos arregalados. Enquanto Mal arrastava a chorosa adolescente para fora, Neil recuperou o fôlego e deu a notícia: de alguma forma a enorme multidão de meninas que estavam reunidas lá fora havia conseguido furar a barreira poli­cial e estava entrando pela porta da frente. A cantina estava cheia de garotas, e dezenas de fãs raivosas corriam ao redor da instalação da EMI em uma busca desesperada pelos Fab Four. Eu estava congelado, sem saber o que fazer.
Olhando para cima, para a sala de controle, eu via George, Norman e Brian olhando para nós com grande preocupação. Brian foi o primeiro a descer os degraus. “Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!”, ele repetia, literalmente torcendo as mãos. Norman estava no encalço dele. “Geoff, chame a segurança pelo interfone”, ele gritou para mim. Enquanto eu subia correndo os degraus, ainda ouvi o riso cacarejante de Lennon reverberando pelas paredes. Como se viu depois, não havia necessidade de chamar a segurança, porque esta — ele — já estava ali. John Skinner, nosso recepcionista, estava lá, boquiaber­to, obviamente surpreso ao encontrar a sala de controle vazia. “Estão todos bem?”, ele me perguntou, parecendo preocupado. Assegurei que todos estavam inteiros e que nós já estávamos sabendo o que estava aconte­cendo. “É melhor fazer uma barricada nas portas até que possamos cercá-las”, ele disse.
Curioso coloquei minha cabeça para fora. O que eu vi me surpreendeu, me espantou e me assustou... mas também me fez cair na gargalhada. Era uma visão inacreditável, saida dire­tamente de um filme dos Keystone Kops: dezenas de meninas histéricas gritan­do, correndo pelos corredores, sendo perseguidas por um punhado de policiais londrinos ofegantes e perdidos. Cada vez que um alcançava uma fã, mais duas ou três meninas apareciam, correndo, gritando a plenos pulmões. O pobre po­licial não sabia se largava a louca que ele estava segurando e ia atrás das outras ou se mantinha a garota em seu controle. Enquanto eu vagava pelo corredor, pude ver a cena se repetindo em todos os lugares. Portas se abriam e se fechavam com alarmante frequência, funcioná­rios aterrorizados estavam tendo seus cabelos puxados (apenas para verificar se eram um Beatle disfarçado), e todos à vista estavam correndo o mais rápido possível. As fãs estavam totalmente fora de controle — só Deus sabe o que elas teriam feito com os quatro Beatles se tivessem realmente colocado suas mãos neles. A firme determinação em seus rostos, pontuada por guinchos semelhantes aos de um animal, tomavam a situação toda ainda mais bizarra. Voltei para o estúdio, estranhamente calmo em comparação ao resto, como o olho de um furacão: as coisas pareciam estar um pouco controladas ali. Neil tinha decidido fazer o reconhecimento da área, prometendo nos manter infor­mados, e um sombrio Mal estava estacionado na porta, totalmente imóvel e de braços cruzados; ele me fez lembrar um dos guardas da rainha no Palácio de Buckingham. Ringo, ainda em seu banco de bateria, parecia um pouco abalado, mas John, Paul e George Harrison logo começaram a brincar com a situação, correndo pelo estúdio, rindo e gritando, imitando a pobre fã que havia se lan­çado em direção ao baterista.
George Martin, confuso no início, finalmente recuperou sua atitude pro­fessoral e, com uma boa dose de formalidade, anunciou que o absurdo havia acabado e que a sessão começaria naquele momento. Um pouco mais calmo, Brian se despediu de todos, inclusive de mim, e saiu da sala apavorado; fiquei até surpreso por ele não ter pedido a Mal que o escoltasse. Durante o dia, Neil periodicamente iria adentrar o estúdio e interromper as gravações para fazer relatórios atualizados sobre como estava o cerco das fãs. Não tenho dúvidas de que a emoção daquela tarde acabou ajudando a desencadear um novo grau de energia no desempenho do grupo. “She loves you” era uma música fantástica, com um ritmo poderoso e um gancho impla­cável - Norman e eu imediatamente concordamos que ela estava destinada a ser um hit, com certeza -, mas havia também um nível de intensidade na interpretação deles que eu não havia ouvido antes... e, francamente, poucas vezes eu ouvi depois. Eu ainda penso que esse single é uma das gravações mais emocio­nantes de toda a carreira dos Beatles.

7 comentários:

Júlio disse...

Ainda não li esse livro, mas é o primeiro da minha fila. Cada trecho que o Edu posta aqui n Baú mostra o quanto o livro é bom e imporante para quem quer conhecer detalhes da trajetória dos Beatles.

Joelma disse...

Gostei demais. Parece que como fala o autor aquele episódio realmente fez os Beatles darem de tudo deles nessa música porque realmente ela é poderosa

Marcio disse...

Fácil entender o fascínio arrebatador que foi essa música para os conceitos puritanos da época. Coisa muito simples hoje mas naquele tempo tudo era diferente.

Valdir Junior disse...

Queria poder voltar no tempo e ver esse momento histórico.

Unknown disse...

As vezes pode parecer chato, me DESCUPE quem se aborrecer... mas a cada registro aqui no Baú; remetendo principalmente aos momentos fenomenais de um novo trabalho da maior e melhor banda de rock de todos os tempos, eu mesmo procuro me encaixou procurando entender ainda hoje a influência musical dos Beatles em minha alma. Eu que sou do dia dois de abril de 1963, tinha apenas três meses quando o fenômeno acontecia.

Edu disse...

Bendito Benilson! Abração!

Carlos Marangon disse...

sem dúvida uma das musicas mais importantes da história do rock,foi o grande impulso para tudo, o entusiasmo deles fica evidente , talvez já sabiam o que tinham em mãos.